FAQ: Coronavírus – 53

Eu sei que a situação da pandemia está ruim, não sou maluco, eu vejo o que está acontecendo. Minha dúvida é: como pode a OMS falar em tratar covid como gripe nessa realidade?

Você tem todos os motivos para estar confuso, as informações estão desencontradas e distorcidas mesmo. Vamos esclarecer.

Repare que em todas as notícias onde a OMS faz menção a qualquer abrandamento no trato com a pandemia, ela relaciona especificamente o local onde isso pode ser feito – e geralmente é na Europa. Só que quando isso é noticiado no Brasil, às vezes é feito de uma forma que dá a entender que será um evento mundial.

O quanto um país pode abrir e retomar a normalidade depende do quanto esse país fez o dever de casa. Muitos países europeus fizeram o dever de casa direitinho e, graças a isso, podem se portar de forma menos restritiva do que quem não fez o dever de casa. Quanto mais gente vacinada, quanto mais tratamentos eficientes, quanto mais educada a população, menor o contágio e as mortes. Quanto menor o contágio, menores as restrições.

Obviamente, paira um risco por toda a humanidade de que, em algum momento, quem não fez o dever de casa crie uma variante horrível com escape vacinal completo, que obrigue a todo o mundo ficar em quarentena novamente. Todo mundo sabe disso. Quando a OMS diz que alguns países podem começar a tratar covid como gripe, faz essa ressalva: se nada piorar.

O que quero dizer com isso: que mesmo os países que fizeram tudo direitinho podem precisar dar um passo atrás, se surgirem novas variantes. Por sinal, vimos isso acontecendo no ano passado, países abolindo uso de máscaras, fazendo festa para celebrar o fim da covid e tantas outras medidas que precisaram ser revogadas depois. Faz parte do jogo: afrouxa quando tá sob controle, aperta quando sai do controle. Acostumem-se a isso. Nada é definitivo por enquanto.

Então, quando a OMS ou qualquer pessoa ou entidade faz esse tipo de previsão, de reduzir as restrições e passar a tratar covid como uma gripe, se pressupõe que ela vale desde que as coisas continuem como estão: se não houver mais variantes perigosas, se nada mudar, os países que estão lidando bem com a pandemia podem tentar começar a retomar alguma normalidade.

Obviamente, não é o caso do Brasil. Estamos falando de países cuja maior parte da população está com três ou mais doses de vacinas no braço, de países onde há tratamentos eficientes para covid sendo aplicados nos hospitais (coisas como anticorpos monoclonais e antivirais, que não tem o uso autorizado no Brasil), de países onde as pessoas sabem o que fazer para minimizar a transmissão do vírus.

Querer dar o mesmo tratamento a um país que ainda prescreve Cloroquina, onde as pessoas tiram a máscara no meio da rua para espirrar, onde pastor vende água ungida para tratar covid, onde apenas 20% da população tem esquema vacinal completo (completo hoje são TRÊS doses) é insanidade. O Brasil é o aluno relapso que ficou de recuperação, não pode sair para brincar.

Então, daqui pra frente, a pandemia é uma para vacinados e outra para não-vacinados. É uma para países que lidaram de forma competente e outra para países que lidaram de forma incompetente. Chega dessa infantilidade de “mas o Joãozinho fez, eu também quero fazer”. Tivessem se comportado melhor. Arquem com as consequências de dois anos de péssimas escolhas.

E não digo isso como punição, é para o bem de todos, para evitar mais mortes e mais variantes. No Brasil, não dá nem para sonhar com qualquer normalidade, não para sacanear quem não fez o que deveria fazer, e sim para proteger essas pessoas.

Já em países que reduziram muito as chances de contágio aplicando terceira e até quarta dose, utilizaram tratamentos que salvam a vida dos poucos que ficam doentes, educaram a população para adotar os cuidados necessários em situações de maior risco, é hora de começar pensar em retomar uma rotina mais próxima da normalidade, desde que, é claro, nada de novo aconteça.

Se todo mundo está com três ou quatro doses de vacina, poucos vão adoecer e pouquíssimos vão ser hospitalizados. Esses poucos que serão hospitalizados poderão ser muito bem tratados pois o sistema de saúde não estará colapsado e os médicos terão o tempo e os recursos para aplicar todo o tratamento necessário. Não tratamento de mentira, tratamento de verdade, que funciona: desde anticorpos monoclonais, antivirais, até a forma correta de ventilação.

O vírus ficou mais “leve”? Não. As pessoas estão corretamente vacinadas, o que faz o vírus circular menos, contagiar menos, adoecer menor e matar menos. Por sua vez, os médicos estão corretamente municiados de aparelhagem e medicamentos para salvar a vida dos poucos que adoecem. Isso faz com que a covid gere menos doentes e menos mortes, em um ponto em que podemos começar a pensar em comparar com os estragos feitos pelo vírus da gripe.

Para esses países, para essas pessoas, abrir mais é uma opção. E digo uma “opção” pois, ainda assim, há riscos envolvidos. É preciso fazer uma ponderação dos prós e contras de afrouxar os cuidados, pois sabemos bem que qualquer conquista de qualquer país pode ser temporária. Metade do mundo está sem vacinas, o vírus continua circulando livremente por boa parte do planeta.

Mas isso, meus amigos, é conversa para primeiro mundo. O Brasil não pode nem sonhar com isso agora, pois manejou a pandemia da pior forma possível. O Brasil ainda não chegou nem na metade do caminho para poder começar a pensar em tratar covid como gripe. Então, acreditar que a pandemia está acabando no Brasil é de uma ilusão sem precedentes. Com vírus não tem jeitinho, vírus não aceita suborno nem faz vista grossa: ou vocês fazem o que realmente precisa ser feito, ou não vão sair dessas ondas de covid tão cedo.

Quando, em 2020, foi dito que em 2022 ainda teríamos restrições, todo mundo riu, xingou quem fez a previsão, debochou. Tá aí o Brasil, que tinha certeza de que a pandemia tinha acabado no final de 2021, tomando outra paulada na nuca da Ômicron. Ou fazem o que tem que ser feito (e tem mais de 50 FAQ postados aqui dizendo o que deve ser feito), ou vão continuar nesse vai e vem de contágios e óbitos.

Não é que a covid virou uma gripe. O que aconteceu é que em países que estão lidando bem com a pandemia, covid pode ser equiparado ao risco de uma gripe, em função de um conjunto de medidas adotadas a longo prazo que tornaram isso possível. Não projetem previsões para essa realidade como aplicáveis ao Brasil, pois não são. A gente sempre avisou que isso iria acontecer: quem não lida bem com a pandemia vai sofrer por mais tempo.

E ainda pode acontecer de quem não lidou bem com pandemia provocar uma merda tão grande que afete inclusive quem fez tudo certo e obrigue o mundo inteiro a retroceder nos cuidados. Isso significa que, quando a OMS diz que covid pode ser tratada como gripe, é uma especulação que pode cair a qualquer momento e não uma sentença definitiva.

Mil mortes por dia, quanto já tem vacina e remédio eficiente, é inaceitável. Quem tá achando que tá tudo melhorando não está entendendo o que está acontecendo. Só tá melhorando para país que faz a coisa certa.

Todas as pessoas que você ama estão com três doses de vacina no braço? As crianças que você não gostaria que morram estão todas vacinadas? Não, né? Então fica na moral aí e cumpre todas as restrições necessárias para não matar o coleguinha.


Se eu pegar a Ômicron, eu fico imunizado contra a Ômicron e contra todas as variantes anteriores?

Não. Não é antivírus de computador, que te protege cumulativamente contra tudo que existe. Na verdade, a Ômicron não te protege contra nada.

Aquele papo de “Cepa Imunizante”, que veio para “vacinar todo mundo”, que veio como um “presente de Natal” sempre foi um devaneio, como a gente apontou aqui sucessivas vezes.

Isso foi confirmado. Há registros claros de pessoas que pegaram Ômicron mais de uma vez. Isso significa que a imunidade da Ômicron não é protetora, ou seja, quem pega Ômicron pode pegar covid original, pode pegar Alfa, pode pegar Beta, pode pegar Gama, pode pegar Delta e também pode pegar a porcaria da Ômicron pela segunda vez, a BA.2.

O inverso também é válido: se você teve covid raiz, Alfa, Beta, Gama ou Delta, também pode pegar Ômicron. Ômicron não te protege delas, elas não te protegem da Ômicron. A única coisa que realmente te protege é vacina, ou vacina + pegar covid, o que eu não recomendo, pelo risco de sequelas.

Ômicron só serve para colocar a vida em risco e girar a roleta das sequelas a longo prazo. Como imunização, não serve. Quem disse que seria uma cepa imunizante e que iria acabar com a pandemia saiu de fininho e não abre mais a boca. É hore de ir lá cobrar dos irresponsáveis que falaram isso, pois eles induziram muita gente a erro.

Talvez pelo fato do ser humano ser idiota, ele presuma que o vírus também é. Pois bem, não é. O vírus não mutou para se autodestruir, ele mutou para ficar ainda mais contagioso, coisa que ele fez com muita competência. Quem ainda está agradecendo o surgimento da Ômicron está muito, mas muito mal-informado.

Vendida como uma variante “mais leve, que não mata” ela colapsou o sistema de saúde de vários estados brasileiros e fez aumentar absurdamente o número de mortes. Vocês têm consciência de que o número de mortes diárias no Brasil é inaceitável, mesmo estando bem longe daquela catástrofe de 4 mil mortes por dia? Neste momento da pandemia, mais de mil mortos por dia, com vacina parada em estoque, é indecente. É nisso que o povo brasileiro deveria focar.

Em apenas alguns meses, a Ômicron conseguiu causar no mundo mais contágios do que o ano inteiro de 2020 (90 milhões de casos confirmados no mundo semana passada). E essas pessoas não estão imunizadas, estão sim com o risco de ter sequelas por causa da doença. E em muitos países (África do Sul, Reino Unido, Dinamarca e outros), quando os casos da Ômicron padrão começaram a baixar, começaram a subir os casos de Ômicron BA.2, sobre o qual falamos na semana passada.

Ou seja, quem pegou Ômicron, pode pegar Ômicron novamente. E já tem BA.2 circulando no Brasil. Então, ainda pode acontecer de quando a onda de Ômicron baixar, venha por cima uma onda de Ômicron BA.2, tipo Meme do Homem Aranha. Tomara que não, mas é possível.

Meu ponto é: não é variante que vai salvar a humanidade. Parem de esperar uma solução mágica, uma solução que vem de fora, sem esforço, que cai do céu. Pandemia se resolve com distanciamento, uso de máscaras, higiene reforçada, vacina (o número de doses necessárias) e investimento em ciência. Não vai ter solução por sorte ou caindo do céu. Reputo: vírus não aceita jeitinho, vírus não aceita suborno. Façam o que tem que ser feito, sem esperar que o próprio vírus resolva o problema.


Vi muita gente chamando a Ômicron de “variante silenciosa”, isso quer dizer que ela não causa sintomas?

Não. Infeliz a mídia divulgar esse termo, pois passa essa impressão mesmo.

O “Variante Silenciosa” é usado para se referir à BA.2, sobre a qual falamos no último FAQ, que, até aqui, é uma linhagem da Ômicron. Ela ganhou esse apelido pela forma como se apresenta nas testagens: a Ômicron padrão (BA.1) deixa uma marca, como se fosse uma “assinatura” nos testes, que faz com que se perceba imediatamente que é ela. Já a BA.2 não deixa essa marca. Ela gera um resultado positivo para covid, mas sem deixar aquela característica típica de ser Ômicron. Por isso se diz que ela é “silenciosa”.

Vamos fazer uma comparação tosca para fins didáticos. Imagine que você está caçando onças. A onça pintada deixa uma pegada característica, com determinado formato. Sempre que você vê aquela pegada com aquele formato você sabe que certamente passou uma onça pintada por ali. Porém, uma variação da onça pintada albina deixa uma pegada diferente: você sabe que é uma pegada de onça, mas não pode ter certeza de qual. Para saber que tipo de onça deixou aquela pegada, são necessárias mais investigações.

O mesmo vale para a Ômicron BA.2. Para saber que é Ômicron é preciso olhar um pouco mais de perto. Mas ela pode causar sintomas sim, pode causar hospitalização, doença grave, morte e sequelas. Tomem a terceira dose da vacina, o quanto antes.


O Brasil criou a variante da variante da variante?

Tá cedo para afirmar isso. Há estudos que apontam para uma sub-linhagem da BA.1 no Brasil, que teria 28 mutações adicionais e teria sido detectada testando pessoas infectadas em Manaus. Apesar da tradição de Manaus em criar variantes, ainda não dá para afirmar nada.

Como já explicamos várias vezes, o vírus caminha mais rápido do que a capacidade do ser humano em classificá-lo. Ainda estão analisando se a BA.2 vai ou não receber o status de variante autônoma, ganhando sua letra grega correspondente. Por enquanto ela é considerada Ômicron. Então, se ainda não decidiram nem sobre ela, muito menos se sabe sobre a classificação ou perigos de uma sub-linhagem.

Se sair alguma atualização relevante sobre o assunto a gente volta aqui para esclarecer.

Para dizer que simplesmente não se importa, para dizer que quer mais é que todo mundo se foda ou ainda para dizer que já que o covid não teve competência, espera que venha um meteoro e acabe com a humanidade: sally@desfavor.com

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Comments (2)

  • Temo que não vá adiantar de nada, mas eu fiquei com vontade de mandar um e-mail para Brasília com o link deste FAQ, destacando especialmente esses trechos da primeira resposta que reproduzo abaixo, alguns dos quais pus em negrito e/ou com sublinhado:

    “(…) O quanto um país pode abrir e retomar a normalidade depende do quanto esse país fez o dever de casa. Muitos países europeus fizeram o dever de casa direitinho e, graças a isso, podem se portar de forma menos restritiva do que quem não fez o dever de casa. Quanto mais gente vacinada, quanto mais tratamentos eficientes, quanto mais educada a população, menor o contágio e as mortes. Quanto menor o contágio, menores as restrições.

    Obviamente, paira um risco por toda a humanidade de que, em algum momento, quem não fez o dever de casa crie uma variante horrível com escape vacinal completo, que obrigue a todo o mundo ficar em quarentena novamente. Todo mundo sabe disso. Quando a OMS diz que alguns países podem começar a tratar covid como gripe, faz essa ressalva: se nada piorar.

    (…) Querer dar o mesmo tratamento a um país que ainda prescreve Cloroquina, onde as pessoas tiram a máscara no meio da rua para espirrar, onde pastor vende água ungida para tratar covid, onde apenas 20% da população tem esquema vacinal completo (completo hoje são TRÊS doses) é insanidade. O Brasil é o aluno relapso que ficou de recuperação, não pode sair para brincar.

    Mais “desenhado” do que isso, impossível. Só que, com os BMs que estão por aí – vários deles no próprio governo – chega a ser uma esperança vã achar que alguém vai se dar ao trabalho de ler, entender e finalmente começar a agir de forma correta a respeito da pandemia.

    • As más decisões não são tomadas por desconhecimento, pode ter certeza, todo mundo sabe e entende o que está acontecendo…

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