Essa é a sua opinião…

Eu fico triste cada vez que venho aqui escrever obviedades, mas aí eu me lembro da quantidade de vezes onde pessoas estúpidas já me fizeram perguntar a mim mesma “será que eu estou ficando maluca?”. Isso me faz tirar forças do fundo da alma para escrever para pessoas que, assim como eu, são bombardeadas por estupidez em sua mais pura essência, para dizer “não, você não está ficando maluco(a)” está apenas cercado por idiotas.

O tema de hoje é muito simples: cada vez mais, as pessoas confundem fatos com opinião. Opiniões são passíveis de discussão, fatos não. Por mais forte que sua opinião seja sobre algo, ela não será um fato se não tiver provas científicas disso. E provas científicas não são estudos feitos por qualquer pessoa, é uma hipótese exaustivamente testada com duplo cego, revisada pelos pares, publicada e não refutada pela comunidade científica do mundo todo.

Vamos para um exemplo: se uma blusa é bonita ou não, é sua opinião – e você tem total direito a dá-la e vê-la respeitada, lembrando sempre que respeito não é concordarem com você. As pessoas podem achar a blusa que você gosta horrível e isso não te falta com o respeito. Falta de respeito é as pessoas atribuírem a você a condição de imbecil por gostar de uma blusa.

Porém, se aparece alguém questionando que aquilo seja uma blusa, não é mais questão de opinião. É uma blusa. É um fato. Se a pessoa diz que ela acha que aquilo é um cavalo, não é uma questão de opinião (provavelmente é uma questão neurológica). Ela acha um cavalo? Problema dela, isso nem é passível de discussão.

Mas, hoje parece que tudo virou uma questão de opinião. Não existem mais fatos. A pessoa se acha tão importante/inteligente/relevante que ela questiona tudo e tem opiniões contrárias a fatos sem nem ao menos se constranger. E se você lhe diz que essa questão não é passível de discussão, você é nazista, fascista, intolerante, censor ou ainda “está com medinho pois não tem argumentos para discutir comigo”. É exaustivo.

Por isso, se você está passando por isso de alguma forma, hoje eu estou aqui para te dizer que existe uma diferença clara entre fato e opinião. E quem tenta travestir fato de opinião é uma pessoa que não merece um segundo do seu tempo. Não discuta, não refute e, acima de tudo, não se questione por ver alguém afirmando algo coberto de certeza. Idiotas sempre tem a mais profunda e intensa certeza de tudo e isso não os torna certos.

Então, quando você estiver falando sobre um fato, um idiota refutar e falar “Mas essa é a SUA OPINIÃO”, em vez de discutir, pergunte-se se vale a pena ter um idiota na sua vida. Se não, remova-o. Sem brigar, sem gritar, apenas afaste-se elegantemente.

Se o idiota não puder ser removido da sua vida (às vezes eles são inevitáveis), pergunte-se se vale à pena dar atenção a um idiota (às vezes dependemos deles para alguma atividade conjunta). Se a opinião do idiota de alguma forma te vincular e você for obrigada a trabalhar com conjunto, escolha o caminho que for menos sofrido para você, menos confrontar o idiota e tentar fazê-lo entender a realidade, pois este é um caminho impossível.

Meu objetivo aqui é te poupar de uma longa jornada de tentativas frustradas de mostrar o óbvio para as pessoas, de tentar organizar suas mentes e fazê-las distinguir entre fato e opinião. Não vai acontecer, ao menos não pela sua mão. Talvez um dia se a pessoa adquirir mais conhecimento, tiver autocrítica e levar umas boas porradas da vida ela se dê conta – mas não vai ser você a virar esse jogo. Jogue a toalha e faça um uso mais racional do seu tempo.

A fronteira entre o objetivo e o subjetivo está se perdendo, mas você pode ser um ponto de luz nessa escuridão. Subjetivo é o que diz respeito à percepção de alguém, que depende de sua interpretação, que está aberto a diferentes pontos de vista. Se uma pessoa é bonita ou não é algo subjetivo. Se uma comida é gostosa ou não, é algo subjetivo. Se cachorro é mais legal do que gato é algo subjetivo. O que é um cachorro é algo objetivo. Olhar para um gato e dizer que, na sua opinião, ele é um cachorro – e pretender que não te contrariem… é caso de manicômio, não de diálogo.

O cerne da questão é que todo mundo acha que entende de tudo o bastante para que sua opinião seja um fato. A realidade é que quem realmente estuda, quem se aprofunda, quem tem sede de conhecimento, percebe que sabe muito pouco e não se mete a falar uma bosta dessas. Certezas geralmente vem de quem tem muito pouco conhecimento de algo, tão pouco que não conseguiu nem alcançar as possíveis objeções para aquela teoria, muito menos refutá-la.

Tem nome para isso: efeito Dunning-Kruger. Estamos familiarizados com casos extremos, como um Youtuber sem qualquer formação em astronomia “provando” que a Terra é plana ou um influencer sem qualquer formação em biologia “provando” que um vírus foi “fabricado”. Mas, essa imbecilidade também se apresenta de uma forma mais sutil nas nossas vidas. Tão sutil que muitas vezes acabamos até nos acostumando com elas.

Essas pessoas do no nosso convívio que confundem fato com opinião talvez o façam com proposições em menor escala de vexame, nada tão grandioso como a Terra Plana ou o Vírus Fabricado. Ainda assim, estão lá e estão certas de que suas opiniões são fatos. E podem minar seu tempo, sua paciência e talvez até sua saúde mental.

Se te serve de consolo, a pessoa não é assim por ser filha da puta, e sim por ser burra e desinformada. Há explicação científica para estes imbecis: o nome “Efeito Dunning-Kruger” veio de dois professores de psicologia americanos, David Dunning e Justin Kruger, que investigaram o “fenômeno” dos imbecis cheios de certezas.

Eles realizaram um estudo onde pediam para voluntários responderem a perguntas sobre lógica e gramática. Terminado o teste, antes de dar os resultados, eles pediram que cada voluntario avalie como performou nos testes. O clássico “você foi bem na prova”?

Os que foram pior também foram aqueles que acharam que foram melhor. É a clássica falta de noção do imbecil: não saber algo não é problema algum, o que te faz um imbecil é não saber e ter certeza de que sabe, ter certeza de que está certo.

No teste, os voluntários que ficaram melhor classificados subestimaram seus resultados, acharam que não tinham ido tão bem ou, no máximo, que ficaram na média – mesmo pessoas que acertaram todas as respostas. Aos olhos do imbecil, isso pode ser interpretado como “falta de autoestima” dessas pessoas, afinal, para quem é uma fraude, a armadura de parecer que é bom e saber tudo é a principal ferramenta.

Mas, na realidade, o que foram bem tinham inteligência suficiente para perceber nuances, entender que existiam possibilidades e, acima de tudo, ter a noção de que nem sempre o que você acha que sabe, interpreta ou vê é efetivamente desta forma. Pessoas que estão o tempo todo abertas a estarem erradas são pessoas inteligentes, não pessoas sem autoestima.

Por sua vez, os voluntários que mais perguntas erraram eram os que mais se superestimavam. 25% dos que mais erraram classificaram a si mesmos entre os 33% melhores. Isso explica por completo o fenômeno de confundir fato com opinião? Não, claro que não, mas nos dá um bom indício: pessoas burras são cheias de certezas, inclusive certezas sobre elas mesmas e as conclusões às quais chegam.

Isso acontece por um motivo: para estarmos cientes da nossa própria ignorância sobre um tema, temos que ter um mínimo de conhecimento sobre ele, o que nos permite identificar nossas dúvidas e as lacunas em nossa compreensão. Quando não sabemos muito sobre algo fica fácil cair na ilusão de que conhecemos tudo sobre aquilo porque não nos deparamos com a complexidade real do assunto, só com versão simplificada.

Se eu te peço para responder como verdadeira ou falsa a frase “nenhum mamífero bota ovos”, como você reage?

Uma pessoa com um bom conhecimento geral, vai te dizer que a frase é falsa pois o ornitorrinco é um mamífero que bota ovos. Uma pessoa com conhecimento aprofundado na área, como um biólogo, vai ser que a frase é falsa, pois além do ornitorrinco, a equidna (mamífero muito menos conhecido) também bota ovos. Uma pessoa que desconhece a resposta mas entende que estamos falando de um fato e não de uma opinião, ou vai pesquisar antes de responder ou simplesmente vai te dizer que não sabe.

Mas, uma pessoa que confunde fato com opinião vai fazer algum caminho mental torto para responder com as informações que tem. Por exemplo: “EU nunca vi um mamífero que bota ovos. Se bota ovo deve ter bico, portanto, não vai conseguir mamar. Aves não mamam. Répteis não mamam. É fato que mamíferos não botam ovos e eu posso provar!”.

Não, não é fato, é a opinião da pessoa, pois a premissa foi toda construída com opinião, não com fato: quem disse que se bota ovo tem bico? Isso não é um fato. Na cabeça da pessoa é um fato pois ela acredita que se ELA nunca viu, não existe. E é daí que saem imbecilidades como “se em Wuhan tinha um laboratório que estudava vírus respiratórios é ÓBVIO que o coronavírus veio de lá”. A pessoa não tem a mais pálida ideia das marcações dos vírus e de tantos outros fatores que são os determinantes para levar em conta se um vírus veio da natureza ou da criação humana, mas ela pescou um fator no meio de milhões e formou sua convicção.

E, para piorar, a sociedade reforça isso. Você pode se sentir um Collie (ver último TOP DES), você pode se sentir uma samambaia, você pode se sentir uma estátua, nada disso importa: é fato que você é humano. Quer que respeitem seu sentir? Beleza. Mas isso não faz com que você deixe de ser humano. Se uma pessoa se sente como um bife e pede para ser fatiada, vocês acham que alguém que a corte em pedacinhos vai escapar da pena por estar respeitando o “querer” daquela pessoa? Não. Pode se sentir um bife, você ainda é um ser humano.

Mas não. A sociedade nos empurra, cada vez mais, para o lado de que opinião é fato. Eu me sinto um cachorro, portanto, todo mundo tem que me tratar como um cachorro e se me levarem a uma pet shop para me dar banho e os funcionários se recusarem por eu ser humano, eles serão transfóbicos. Não é de se admirar que as pessoas cada vez mais confundam fato com opinião.

Fato e opinião são duas coisas diferentes. Querer fazer valer a sua opinião dando a ela status de fato não te faz foda, nem incisivo, nem inteligente. Te faz idiota. Um imbecil que não sabe discernir entre dois grupos diferentes. É como a criança que recebe 4 desenhos: uma banana, uma maça, um abacaxi e um carro, é solicitada a apontar qual deles não pertence ao grupo e não sabe responder.

É muito fácil discernir entre fato e opinião: se a “prova” que você tem para o seu “fato” é uma compilação de informações na sua cabeça e uma conclusão que te parece lógica, é uma opinião. Se tem o respaldo de toda a comunidade científica pelo mundo é um fato. Não, elas não estão comprados, conspirando ou mentindo, é um fato. Se, para que o seu “fato” seja verdadeiro, pessoas em todos os países precisam estar mentindo, escondendo ou enganando, ele não é um fato, é uma opinião e você tá bem dodói da cabeça.

Quando o seu “fato” é respaldado por meia dúzia, enquanto a esmagadora maioria o refuta, é uma opinião. “Quer dizer que quando Galileu defendeu que a Terra não era o centro do universo e todo mundo disse o contrário ele estava errado?”. Não, Pessoa Quer Dizer. Tentar colocar na mesma caixinha algo ocorrido no século XVI com algo atual é burro ou mal-intencionado. Quer dizer que, na nossa realidade atual, com compartilhamento de informações e ciência, com a dinâmica atual, não é viável defender uma teoria que, para ser válida, a maior parte dos cientistas do mundo tem que estar mentindo.

“Tá bom, então é minha opinião. Mas eu continuo tendo o direito a dar”. Só se você quiser passar vergonha. Quando não se tem profundo conhecimento em um assunto, não se pode nem afirmar fato nem se deveria dar opinião. Eu sei que o que eu estou falando é altamente impopular, mas reafirmo: se não for profundo conhecedor, faça um favor a todos nós e não opine.

Mesmo uma mera opinião precisa de embasamento. Essa diarreia opinativa dos tempos atuais é um retrocesso. Repita comigo: eu não sou capaz de dar opinião sobre a maioria das coisas, pois não sou profundo conhecedor da maioria das coisas. Dói aceitar isso? Tem que ter opinião sobre tudo? Busque a opinião de quem seja profundo conhecedor e não seja amplamente refutado e pare de jogar seus excrementos verbais no mundo, para que ele seja um lugar um pouco menos pior.

Não vai acontecer, vai? Vão ficar com o ego ferido se escutarem que não tem qualquer condição de opinar sobre a maioria dos assuntos. “Está me chamando de idiota?”. Não, idiota é justamente quem o faz sem ter condições de fazê-lo. Estou te chamando de ser humano normal, que não tem qualquer condição de ser onisciente, onipresente e onipotente para saber de tudo em profundidade.

E, se quiser opinar sem ser especialista e sem ser profundo conhecedor de um assunto que demanda estudo, faz como a gente, consulta sempre um especialista antes, que seja respeitado e que esteja de acordo com os demais da sua área, no Brasil e no mundo. Passou da hora da gente começar a fazer um processo de higiene no que fala. Bora começar dando o exemplo?

Para dizer que essa é a MINHA opinião (óbvio, é meu blog, você queria que fosse a opinião de quem? Da minha avó?), para dizer que não existe mais opinião pois tudo é fato ou ainda para dizer que prefere não opinar: sally@desfavor.com

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Comments (4)

  • Não entrarei no mérito se é bom ou não (nem se já foi bom ou sempre foi ruim), mas uma frase do personagem Sheldon com sua mãe diz muito:
    _Tal coisa é ciência, é um fato.
    _E está é A SUA OPINIÃO!

    • As pessoas não conseguem aceitar que existem assuntos sobre os quais não sabem o suficiente para opinar. Muito menos que isso ocorre com a maioria dos assuntos.

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