Imagem do futuro.

A onda de gerar imagens por inteligência artificial tomou conta da “internet nerd”. São vários e vários exemplos sendo gerados a cada minuto, os sites que fazem isso vivem sobrecarregados, e já rolou até uma trollagem: colocaram uma dessas imagens num concurso de arte e ganharam um prêmio! Está vindo algo muito grande por aí, é melhor prestar atenção.

Antes de qualquer coisa, um esclarecimento: eu usei o termo “internet nerd”. Nos meus bons tempos, toda a internet era nerd, mas hoje em dia não existe mais essa necessidade. Gente que só sabe cutucar uma tela é a grande maioria da base de usuários. A “internet nerd” que eu menciono é um grupo de pessoas que ainda conhece as obscuras artes de mexer num computador, e por isso consegue lidar a tecnologia disponível um pouco antes de alguém fazer um app rápido e simples.

Para você ter acesso verdadeiro à tecnologia de criação de imagens por inteligência artificial, ou você aprende como instalar o sistema no seu computador, o que ainda é de um nível de dificuldade muito acima da capacidade do internauta médio, ou fica na mão dos sites que fazem isso. Esses sites têm limites de uso e costumam cobrar para você poder fazer mais do que uma imagem por vez.

Pouca gente tem paciência para esperar ou disposição para pagar. Caso você seja um nerd médio, o caminho das pedras para instalar no seu próprio computador e não depender de site nenhum está aqui. Se você não entendeu nada, tudo bem, não é para o bico do internauta médio ainda. E não é só pela barreira de entrada de instalar coisas aleatórias, é também uma questão de potência necessária. Meu computador não é pouca coisa, e mesmo assim tem partes dessa tecnologia que eu simplesmente não consigo usar por falta de equipamento rápido o suficiente.

A imagem do texto de hoje é uma colagem das coisas que eu fiz em quinze minutos de utilização do sistema ontem. Não é nada com nada, embora uma delas tenha sido baseada numa foto do Pilha no estilo do Picasso.

O que me leva a considerar uma nova era da internet e da computação em geral: a tecnologia está avançando muito na área de inteligência artificial, mas até aqui não achamos atalhos, precisa de muita capacidade de computação mesmo. Por mais que seu celular seja mais poderoso que todos os computadores do mundo há algumas décadas, estamos falando de tanto processamento que simplesmente não cabe no seu bolso.

A Inteligência Artificial cria imagens impressionantes, simulando o estilo de artistas famosos, mas também consegue entregar resultados muito realistas, criando fotos de coisas e pessoas que nunca existiram. Eu imagino que não vá demorar muito tempo até o próprio conceito de arte mudar: da ideia de produção para a ideia de sugestão. Ou seja, você não precisa mais saber como desenhar, filmar, fotografar nem tocar um instrumento musical, precisa saber como guiar a inteligência artificial para gerar um resultado interessante. Até por isso não estou decretando a morte da criatividade. Ela vai continuar tendo seu valor, provavelmente para sempre. Mas a parte de produzir a arte vai ficar cada vez mais na mão de máquinas.

Só que pra isso, precisamos de uma potência de processamento que não existe ainda para o cidadão médio. Por isso, muitos desses serviços trabalham com o conceito de nuvem, que nada mais é do que seu computador (de mesa, notebook ou celular) mandar pedidos pela internet para uma máquina mais poderosa e só pegar o resultado.

A parte complexa de criar uma imagem não ficaria numa máquina sua, e sim num sistema planejado para fazer apenas isso. Porque é complexo: o sistema de inteligência artificial começa a trabalhar em cima de um amontoado de pixels aleatórios e vai mexendo em um por um até achar uma combinação deles que pareça com alguma coisa. É tudo matemática. O computador está fazendo um sudoku com milhões de quadradinhos por segundo até achar um em que os números se pareçam com um cachorro ou uma pessoa sorrindo! Entende o drama?

O computador nem entende o que diabos ele está fazendo, para ser honesto. É meio que nem o seu cachorro, que não tem a menor ideia do porquê de levantar a pata para encostar na sua mão, mas acaba aceitando que você fica feliz e o recompensa quando faz isso. Inteligência artificial está nessa fase agora: ensinamos truques para ela. E para fazer esses truques, estamos pensando em escalas de capacidade de processamento que já começam a fugir da tecnologia disponível para o cidadão médio.

Por um lado é muito bacana: existe incentivo para voltar a aumentar a potência das máquinas ao invés de ficar só miniaturizando. Estava com saudades de viver numa era dessas. Mas por outro, podemos estar vendo a fase da popularização da tecnologia perdendo o fôlego. Nada vem de graça nessa vida. Com uma mão te dão uma tecnologia que eventualmente vai mudar completamente como pensamos em imagens e vídeos (e logo logo música), com outra te tiram a capacidade de ter controle sobre ela.

É sempre uma estupidez apostar contra o avanço da tecnologia, mas dados os elementos presentes na revolução visual da Inteligência Artificial, posso prever que vai demorar muito tempo até o computador ou celular médio desse mundo ter potência para rodar esse tipo de produção de imagens por conta própria. As coisas vão continuar indo para a nuvem, especialmente com o 5G e as altas velocidades que quase todo mundo vai ter acesso.

E quando as coisas estão na nuvem… elas não são suas. Eu passei pelo processo de instalação e tenho uma máquina forte o suficiente para fazer mil imagens por dia do que eu quiser, mas você que está lendo provavelmente não vai ter essa possibilidade tão cedo. Para a maioria das pessoas, imagens por inteligência artificial vão ser um serviço controlado por terceiros. E esses terceiros podem definir o que é ou não é um bom uso dos seus recursos.

“Mas, Somir, eu estou cagando para fazer imagem com IA…”

Você é uma pessoa mentalmente saudável. Mas isso não é exatamente o ponto do meu texto. Os ventos da tecnologia estão mudando. O que a IA demonstra poder fazer começa a mudar a lógica de funcionamento não só da internet, mas do trabalho, entretenimento e até mesmo relacionamentos humanos. Digo isso porque a gente acabou trazendo boa parte da nossa vida para dentro das máquinas. Ainda estamos numa era onde quase tudo o que precisamos fazer com computadores acontece com o poder de processamento que podemos comprar. Um celular mais poderoso acelera tudo, permite mais possibilidades. Um computador idem.

Mas e quando o que precisarmos usar para a vida depender de uma capacidade de processamento absurda, típica dos processos das inteligências artificiais? A tecnologia não está avançando rapidamente no aumento da potência de máquinas individuais, e sim na utilização mais eficiente de grandes grupos delas. O cidadão médio não vai ter dinheiro ou sequer conhecimento necessário para montar sistemas monstruosos como esses. Já vivemos algo parecido com as redes sociais: elas são tão difíceis de manter que só algumas empresas do mundo conseguem manter uma rodando.

E essas empresas se tornam tão poderosas que os governos precisam negociar com elas. O conceito de liberdade de expressão teve que ir para a internet, se resolver com as empresas donas da tecnologia e se adaptar de acordo. Não processamos o Twitter pelas coisas que pessoas escrevem nele, processamos a pessoa que escreveu e exigimos da rede social que lide com o conteúdo de acordo com uma denúncia. As redes sociais, baseadas na sua caríssima estrutura tecnológica, passaram de sites normais para praça pública. Seguem regras diferentes.

Quando mais e mais partes da nossa vida dependerem de complexas inteligências artificiais, os donos dessas estruturas (igualmente caríssimas) vão começar a ter o mesmo tipo de poder. Você não vai conseguir fazer em casa, vai ter que delegar essa tarefa para um terceiro. Um terceiro que tem suas próprias regras e objetivos. Imagina depender do Facebook para trabalhar? Não para fazer um trabalho, mas para trabalhar em geral.

No momento que a empresa dona da estrutura necessária para rodar a IA decidir que algo é proibido, todo mundo que depende dela tem que obedecer. Os governos podem impor regras arbitrárias sobre essas empresas também… nunca se esqueça que a bandeirinha de arco-íris está nos perfis delas em países como o Brasil, mas nunca em países como a Arábia Saudita. Negócios são negócios.

Se por um lado eu achei superdivertido ter sob meu controle a inteligência artificial para fazer as imagens, acendeu um sinal amarelo na minha mente. Eu gastei uma nota para fazer meu computador (não por causa disso, mas pelo trabalho normal que faço), e mesmo assim tem limites do que eu posso fazer com a minha máquina. Se eu quiser dar um passo além e treinar minha própria IA para fazer fotos do Pilha em toda e qualquer situação, eu preciso aprender muita coisa técnica e pagar caro para rodar esse processo nas máquinas de grandes empresas. A placa que poderia dar conta disso custa mais que um carro…

E eu sou internet nerd. Eu já estou vendo o muro daqui, ele deve ser muito maior do ponto de vista das pessoas mais normais. Parece que estamos entrando numa era de popularização da tecnologia, mas tem esse porém: inteligência artificial provavelmente não é para pessoas comuns, e sim para empresas que vão nos alugar acesso a ela. Eu estou correndo atrás agora para ter acesso direto a essa tecnologia e não ser tão limitado por terceiros no futuro, mas não estou especialmente esperançoso…

E se este texto serve para dar algum conselho, que seja esse: muito cuidado para o que você delega da sua vida para uma empresa de tecnologia.

Para me mandar ir trabalhar, para dizer que já aceitou a derrota, ou mesmo para me pedir uma imagem (só se for muito engraçada): somir@desfavor.com

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Comments (16)

  • Subterranean Homesick Alien

    Nova perspectiva adquirida . Como vc acha que essa IA se compara a midjourney ? Até o momento das que havia testado era a melhor.

    Mas Somir, me deixou curioso sobre sua configuração, qual sua gpu e cpu ? Parece que essa série 4000 da Nvidia está indo na mão que vc citou, tamanho maior e maior consumo com muito desempenho.

    • Eu nunca tive saco para as outras, a Stable Diffusion roda no meu computador e eu posso ficar fazendo testes infinitos. Pelo o que eu entendi, essa é uma das melhores mesmo, até porque é código aberto. Já tem modelos novos saindo, gente fazendo em casa.

      Eu estou usando uma 3060 da nvidia com 12GB de VRAM (memória só de vídeo), que dá conta do recado para o básico, mas ainda não consegue treinar modelos sozinha. O resto do computador conta bem menos. É placa de vídeo mesmo, e especialmente VRAM. A 4090 com 24GB deve ser um monstro pra isso…

  • Na área científica essa discussão já ocorre há algumas décadas. Uma coisa interessante na minha opinião é o descolamento entre a velocidade em que as ferramentas evoluem e o pensamento parado no tempo.

  • No futuro teremos duas espécies de escritores.

    Os executores e os moda-antigas. Os primeiros vão fabricar scripts em máquinas e apenas dar suas pinceladas pessoais. Os outros vão pensar em tudo de cabo a rabo, mas vão digitar tudo em um teclado em detrimento do lápis.

    Não é a automação que vai destruir o que quer que seja, mas sim a clássica “tem demanda?” A produção de cultura se tornará mais “democrática”, mas de nada adianta se não entenderem o que produzem, ou se não se interessam. Ser caro ou concorrência (inclusive contra uma IA) serão problemas menores.

    E eu sinceramente não esperava que a automação fosse começar com trabalhos mais qualificados…

    • É mais fácil programar uma inteligência artificial pra fazer códigos, planilhas, relatórios, ilustrações, atendimento ao cliente etc. do que montar robôs inteiros capazes de, por exemplo, erguer um prédio ou ir na sua casa consertar seu encanamento. Muitos trabalhos braçais simplesmente não podem ser automatizados, tanto é que vários países, como Canadá e o próprio Brasil, sofrem com o déficit de trabalhadores em áreas como construção, agricultura e medicina, tem cursos nessas áreas que sequer preenchem todas as vagas ofertadas. Onde eu trabalho abriram 40 vagas para jovens interessados em elétrica, 6 jovens se matricularam…
      Cirurgião, enfermeiro, carpinteiro, eletricista, encanador, operador de máquinas… Há tecnologia, é claro, mas ainda precisa de muita mão de obra humana pras coisas funcionarem.

  • Somir, sobre essa imagem da colagem aí de cima baseada em uma foto do Pilha no estilo do Picasso, a Sally não te pediu pra imprimir uma versão maior, pra ela emoldurar e pendurar na parede do quarto?

  • Uma coisa preocupante, Somir: com o “monopólio técnico” da Inteligência Artificial ficando nas mãos de uns poucos – a quem teríamos no futuro que “pagar aluguel” pelo uso – não haveria o risco de se alterar, falsificar ou inventar registros históricos e/ou provas judiciais contra quem quiserem? IA abre todo um novo leque de possibilidades artísticas antes inimagináveis, mas essa tecnologia também pode ser empregada para muitas outras coisas bem mais sérias do que apenas produzir imagens do Pilha à la Picasso. Mentiras criadas com IA poderiam ser bem difíceis de descobrir. Lembra que na URSS stalinista alteravam fotos com propósitos políticos? Agora imagine corporações tentando eliminar concorrentes do mercado ou pessoas e órgãos governamentais fazendo desaparecer “incômodos” através de engodos gerados por IA que poderiam enganar quase qualquer um! Os cabeças dessas grandes empresas de IA poderiam agir como o Winston Smith, de “1984”, apagando e modificando documentações acerca do passado conforme as necessidades dos poderosos, mas se o despertar de consciência e os dilemas morais do protagonista da obra orwelliana.

    • Ah sim, a coisa está tão insana que eu nem me preocupei com esse ângulo. Não cabia no texto. Especialistas ainda sabem reconhecer fotos e vídeos falsos, mas algo me diz que estamos com os dias contados. Eu tenho medo e fico muito curioso em como o futuro distante vai enxergar sua história.

  • Se a automação está tão avançada assim, por que a maioria dos países (até o Brasil por incrível que pareça) estão preocupados com o envelhecimento populacional e redução da oferta de mão de obra?

    • Porque a automação está tomando empregos de alta complexidade primeiro. Essa é a mão de obra que está em falta. Gente pra trabalho braçal tem aos montes, por isso não temos tanta pressa assim para automatizar pedreiros, faxineiros, etc.

  • Todo mundo que trabalha com TI tá contribuindo de pouquinho em pouquinho pro sistema automatizado onipresente que vai nos escravizar no futuro. Mas não tem o que fazer, é inevitável.

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