Walk the Talk.

Eu sou de um tempo em que, se você falava uma coisa e fazia outra era execrado, chamado de hipócrita, incoerente e falso. Aparentemente, os tempos mudaram e hoje começa a ser amplamente aceitável fazer um discurso em um sentido e se portar de forma completamente oposta.

Não me refiro a pequenas questões ou a detalhes. Você pode ser defensor de algo sem necessariamente praticá-lo. Me refiro a ir no sentido completamente oposto do que prega. Existe uma expressão americana para a qual não encontro similar no português: “Walk the Talk”, que consiste em colocar em prática aquilo que você prega. Ela define muito bem a questão.

Ser a favor ou contra de algo é sagrado direito de todo ser humano. Tem fumante que sabe que cigarro é nocivo e conversa com jovens recomendando que eles não fumem, apesar de eles próprios não conseguirem largar o vício. Tá tudo bem, isso eu consigo entender e eu provavelmente também o faça de alguma forma. Todos nós temos nossas pequenas incoerências.

Mas se tornar um militante, levantar uma bandeira, fazer disso uma causa, quando quando você faz o exato oposto do que a sua causa prega? Detonar quem faz exatamente o mesmo que você faz em off? Isso passa dos limites do ridículo e, por incrível que pareça, a sociedade brasileira parece ter perdido a disposição em repudiar esse tipo de postura, por motivos que eu ainda não entendo (falaremos deles mais adiante).

Temos inúmeras categorias dessas pessoas que não fazem o que pregam e que ainda detonam quem não segue a cartilha que a própria pessoa não segue. E eu falo em “categorias” justamente por existir um grande grupo que faz isso rotineiramente, sem qualquer problema ou repressão social. E tem de todas as bandeiras políticas também, não é exclusividade de nenhum lado. Certamente você conhece ao menos um deles.

Tem os Defensores do SUS, que não perdem uma oportunidade de te dizer como o atendimento do SUS é bom, é maravilhoso, é equiparável ao de uma clínica particular e detonam quem paga plano de saúde. Curiosamente, quando adoecem ou precisam de cirurgia, não vão para o SUS, tem plano de saúde e vão para o Einstein.

O SUS é importantíssimo para o Brasil, mas dizer que tem a mesma qualidade de particular? Não dá. Já vi gente morrendo aguardando cirurgia pelo SUS. E se tem, por qual motivo a pessoa paga 4 dígitos em um plano de saúde, já que tem a mesma qualidade de atendimento, só que gratuito? É uma doação para os pobres planos de saúde, que estão muito pobrinhos?

O mesmo vale para quem critica armas, diz que armas de fogo são o pior veneno para sociedade, odeia, abomina, não quer perto, acha que deveriam ser proibidas, mas… andam com seguranças armados! Oi?

O problema não são as armas, são as pessoas. E se você me perguntar a minha opinião, eu acho que o brasileiro não tem qualquer condição de manejar nem mesmo um ioiô, muito menos uma arma de fogo. Mas, ainda assim, armas são necessárias. Com critérios, com cuidados, com barreiras para que não caiam nas mãos de qualquer idiota.

Mas, se você abomina as armas em si, não faz muito sentido andar com um segurança armado, não é mesmo? “Ain mas eu preciso me proteger”. Beleza, você andaria com um segurança pedófilo? Suponho que não, pois abomina a pedofilia. Você optaria por um segurança que não possua algo que você abomina. Se você abomina armas, seu segurança pode usar aparelho de choque, facas, músculos ou qualquer outro artifício.

Temos ainda o defensor da CTPS e do trabalho formal, mas que paga a empregada “por fora” ou contrata pessoas como Pessoa Jurídica. Ué, se você acha tão importante que o trabalhador tenha todos seus direitos trabalhistas reconhecidos, por qual motivo o trabalhador que trabalha para você não os tem?

E eu já fiz essa pergunta, exatamente nesses termos. “É que o Brasil te obriga a fazer assim, pois uma empresa pequena não consegue arcar com os encargos”. Beleza, então não levanta essa bandeira, não fica detonando quem não assina carteira (pois você mesmo não assina), não discursa contra pessoas que se portam exatamente como você.

Tem os defensores da ciência, que chamam de ignorante todo mundo que não quis usar máscara ou tomar vacina, mas que negam uma obviedade biológica que é a diferença física entre homens e mulheres, achando que um homem, por se sentir mulher, pode competir em esportes de força com mulheres de forma justa.

Negar a ciência não é apenas deixar de tomar vacina, é negar que as pessoas nascem com um gênero e seu corpo é moldado conforme esse gênero, sintam-se elas de acordo com ele ou não. É uma realidade palpável: homens têm mais massa muscular do que mulheres, e, portanto, na média, mais força, mesmo que se sintam mulheres. É um fato científico, mas, se você colocar desta forma, será cancelado.

Quer acreditar que o corpo da pessoa corresponde à forma como ela se sente? Vá em frente, sagrado direito seu. Mas não saia escrotizando pessoas que, assim como você, negam a ciência, a biologia e a realidade, pois você é exatamente igual a elas.

Temos ainda os defensores do Brasil, mas que, tendo total condição de viver em seu país, optam por viver no exterior. Mas, desde Paris, Nova Iorque ou Londres, ficam dizendo como o Brasil é o melhor lugar do mundo. Queridão, se fosse, você estava no Brasil, não na Europa ou nos EUA. Se a pessoa voluntariamente saiu do país para morar em outro lugar, fica muito complicado a pessoa defender que o país é melhor do que o outro lugar.

Claro, você pode sentir falta de algo que o Brasil tem, mas querer convencer que o Brasil é melhor do que um país civilizado? Walk the Talk! Já que o Brasil é o melhor país do mundo e você tem escolha, volta pro Brasil! Ou então para de militar errado, vendendo um produto que nem você quer comprar!

Temos ainda o pessoal que prega a redistribuição de capital, um socialismo muito mal compreendido, um comunismo muito estranho, mas tem iphone e outros bens que, em tese não seriam necessários. “Ai mas hoje todo mundo precisa de um celular, nem que seja para trabalhar”. Sim, tem uns Nokia bem joinha por precinho de 3 dígitos. Ninguém precisa de iphone. Mas pega bem, né? Felipenetar criticando quem acúmulo de capital mesmo tendo um jatinho particular.

E nessa mesma linha, tem os “abaixo”. “Abaixo a burguesia”, “Abaixo o capitalismo” e cia. Curiosamente, são pessoas que tiram seu dinheiro, seu sustento, da burguesia e do capitalismo e que passariam fome sem eles. Mas, apesar de contribuir para essa máquina que abominam, não perdem uma oportunidade de criticá-la.

Como Emicida no Rock in Rio, com seus “abaixo”, em um festival cujo ingresso tem preço de 4 dígitos. Quem ele pensa que está ali? O proletariado? Com o preço da entrada para um dia um trabalhador vive e sustenta sua família por um mês. Se você odeia tanto a burguesia e o capitalismo, não deveria estar participando de seus rituais, muito menos lucrando com eles.

Ainda nessa linha, tem os que militam a favor de outros países, geralmente bem cagados, mas nem por um decreto vão morar lá. “Ain em Cuba não tem criança passando fome e toda criança vai para a escola”. Oi? Quando foi a última vez que essa pessoa esteve em Cuba? Tem criança na rua, passando fome e sem escola. Tem jovem se prostituindo para poder comprar comida. Tem pessoas morrendo de fome. E tem governante com palácio de luxo.

Curiosamente, quando essas pessoas que exaltam Cuba (ou algo no estilo) resolvem sair do país, vão para Paris, para Londres ou para qualquer outro lugar bem longe de Cuba e com sistema político igualmente diferente. Ué, não defendeu tanto? Não é uma maravilha? A burguesia não fede? Por qual motivo optou por ir morar com a burguesia?

Tem aqueles que passaram 4 anos berrando que corrupção deveria ser punida com pena de morte, que quem defende corrupto é tão sem caráter quanto o corrupto e similares, mas… quando tem escândalos (no plural) de corrupção com seu político de estimação não coloca em prática. “Veja bem”, “Não é bem assim” ou “é tudo armado”.

Quem não tolera corrupção, não tolera vinda de ninguém – nem em proveito próprio. Discursar contra e depois subornar o guarda, obter qualquer vantagem indevida (mesmo que seja uma forma de conseguir tv a cabo sem pagar mensalidade) ou qualquer coisa do tipo é incompatível com discursinho anticorrupção.

Se você aceita obter um benefício financeiro indevido, não importa em que situação, nem que seja fazendo gato para pagar conta menor, você está no saco dos corruptos e não deveria ficar militando contra algo que você faz. Se você defende um político corrupto por ter simpatia a ele, não pode se dizer anticorrupção.

E aí eu pergunto: por qual motivo, no Brasil, se tornou aceitável ficar militando contra algo que a pessoa sabe muito bem que faz? Tenho várias teorias e gostaria de escutar as teorias de vocês.

A primeira é um mix de dissociação com falta de semancol: a pessoa se convence que o que ela está fazendo (ou de que os motivos pelos quais ela está fazendo) tornam sua situação diferente. Quando ela faz, é justificável, quando um político faz, é um ladrão. E a pessoa de fato acredita nessa distorção, ela realmente não se entende no mesmo saco do que os demais que ela está condenando.

Outra é a do pacto tácito. Desfilar virtudes se tornou uma parte tão importante da vida do brasileiro que todo mundo começou a fazer e foi perdendo a mão, como um vício. Portanto, estabeleceu-se um pacto tácito de ninguém apontar a incoerência de ninguém, assim todos podem dedicar horas de suas semanas desfilando suas virtudes em redes sociais, pregando contra os “errados”, parecendo ótimas pessoas, inteligentes, bondosas e conscientes. Compensa não apontar a incoerência alheia, se a sua também deixar de ser apontada.

Tem a teoria da cara de pau, que é sempre uma possibilidade para tudo no Brasil. A pessoa sabe, a pessoa compreende perfeitamente que o que ela está fazendo é errado, é escroto é criticável, porém ela liga o foda-se, não segue o Walk the Talk mas se porta como se seguisse, acreditando que o que importa é a imagem que ela vende dela mesma.

Ela sabe que faz o que ela mesma condena, mas acha que vai se safar se jogar o holofote no outro, afinal, enquanto as pessoas estiverem apedrejando o outro, é mais improvável que percebam os erros dela.

Há os que usem um motivo nobre para tentar comover e justificar suas incoerências, ciente de que elas existem, mas que podem elidir reprovação social se apelarem para esse lado emocional. Geralmente “amor” ou “família”.

O tanto de coisa incorreta que eu já vi fazerem sob o pretexto de “Eu tenho filhos para sustentar…”. Não é algo vindo de pessoas que mal podiam colocar comida na mesa de filhos e furtaram um filé. É gente fazendo gatonet, é gente passando a perna para ser promovido.

Aparentemente, apelar para esse lado familiar/afetivo deve surtir algum tipo de passe livre para atitudes escrotas, um passe livre tão eficiente que permite que a pessoa o faça sem sofrer repúdio social e que ainda se dê ao luxo de abertamente condenar quem o faz, se a pessoa não tiver o mesmo “motivo de força maior” do que ela para avalizar o ato. Vai ver é por isso que brasileiro faz questão de ter filhos, “eu tenho filhos para cuidar” justifica praticamente tudo!

Temos ainda a distorção/manipulação, gente que faz algo muito errado, milita publicamente contra isso e, quando é flagrada distorce a situação para parecer que ela não faz o mesmo: “pera aí, é diferente, Fulano sonegou imposto, eu apenas omiti umas coisinhas na minha declaração para pagar menos”.

Certamente existem muitas outras explicações, ou até um mix de várias destas que eu citei. A questão é: agir de forma completamente contrária ao seu discurso e tacar pedra em quem faz o mesmo que você é algo que está passando dos limites da banalização no Brasil. E isso tem consequências. Elas podem demorar, mas elas aparecem.

Ou os discursos passarão a valer nada, pois com o tempo todos perceberão que são palavras vazias e eles deixarão de ser algo que valoriza a pessoa (nesse caso serão necessárias novas formas para demonstrar virtude), ou quem não seguir o Walk the Talk passará a ser seriamente escrotizado. Bem, talvez uma terceira opção que eu nem esteja conseguindo imaginar, mas o fato é que isso, como está, não se sustenta por muito tempo.

E o ponto aqui não é prever o futuro, o ponto deste texto, na verdade os pontos, são dois:

1) Sugerir que cada um de vocês faça um exame sincero entre suas falas e seus atos e, se houver incoerências, procure começar a adequá-las, pois como isso é amplamente permitido de uns tempos para cá, se nós não nos policiarmos, podemos fazê-lo sem perceber.

2) Pedir que prestem atenção às mudanças. Em algum momento surgirá um mecanismo que tornará obsoleto ou inviável ficar militando por algo se você faz exatamente o oposto – e esse mecanismo vai trazer várias consequências que respingarão em todos nós. Saiba que o momento vai chegar e que ele pode demandar adaptações de todos nós.

Ciente de que esse momento vai chegar (e pode nem demorar tanto quanto imaginamos), vai ficar mais fácil para você entender o que está acontecendo quando ele chegar, logo, também será mais fácil se adaptar. Então, guarde este texto no arquivo do seu cérebro e desarquive quando as mudanças começarem. Você vai estar na frente de muita gente por compreender de onde veio, mesmo sem saber para onde vai.

E, cá entre nós, pense bem se quer manter na sua vida pessoas que levantam uma bandeira e depois fazem exatamente o oposto, ainda tacando pedra em quem faz o mesmo que elas.

Não necessariamente são más pessoas, mas certamente são pessoas com baixíssimo grau de consciência, o que as torna, por premissa, extremamente desinteressantes. Queira mais, queira pessoa coerentes, íntegras, que pensam, falam e fazem tudo de acordo com aquilo que realmente sentem. Quando o exterior não está alinhado com o interior, acredite, a pessoa é problema.

Para dizer que quer saber mais sobre o caso Cristina Kirchner (calma, que ainda tem muita merda para vir à tona), para dizer que quer nome bizarro de candidato em vez de lição de moral (passa quinta-feira) ou ainda para dizer que é “impossível” viver com Walk the Talk (não é, é libertador): sally@desfavor.com

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Comments (28)

  • Eu defendo o sagrado direito da pessoa ser uma Filha da Puta mas que seja uma Filha da Puta COERENTE: que seu discurso case com suas ações.
    Juro que acho mais digno pessoas que mantém a linha da sua escrotidão do que aquelas “certinhas” que mudam ao sabor das ocasiões.

  • Não sei se vocês também repararam, mas a maioria dos discursos ou causas muito apaixonadas e extremistas acabam levando as pessoas pro lado oposto em algum momento. O feminismo muito radical acaba se tornando misógino justamente por negar as diferenças entre homens e mulheres e até ter um certo desdém em relação a coisas tidas como femininas, por exemplo. Não sou psicóloga, mas sinto que todo radicalismo acaba sendo uma compensação para uma certa negação da realidade que rodeia o indivíduo radical.
    Pessoalmente, minha vida melhorou demais depois que comecei a me dedicar a fazer mais exames de consciência e verificar se estou “walking my talk”. Perfeição é impossível, mas pelo menos sei calar a boca e até ter mais empatia em relação a certas coisas.

  • Outro exemplo são as mulheres que querem acabar com os padrões de beleza que a sociedade impõe, buzinam para que os homens não tenham preferência por tal tipo de mulher alegando que todas “são bonitas à sua maneira”. Mas veja se essas militudas ficariam com um homem gordo, fora dos padrões…

  • “Curiosamente, quando essas pessoas que exaltam Cuba (ou algo no estilo) resolvem sair do país, vão para Paris, para Londres ou para qualquer outro lugar bem longe de Cuba e com sistema político igualmente diferente. Ué, não defendeu tanto? Não é uma maravilha? A burguesia não fede? Por qual motivo optou por ir morar com a burguesia?”

    Eu colocaria nesse balaio aí o(a) militante afro do Twitter. 100% engajado na “luta antirracista”, no “bléqui laivis mérah”, nos discursos de “solidão da mulher negra”, nas ancestralidades africanas pq “tem que honrar as raízes da Mama Africa pipipi pópópó”, mas na realidade só se relaciona com pessoas brancas e não vai à África nem pra fazer turismo (mas batem o ponto em países europeus).

  • Muitos ancaps metem o pau no sistema de ensino, sobretudo o superior, que é uma religião, uma alienação e não tem utilidade, mas vai ver se eles abrem mão dele.

    Inclusive, estou esperando resposta do Instituto Mises Brasil sobre isso até hoje, pois dizem que o negócio é competência, que diploma é desnecessário e o MEC é um câncer, mas todos os redatores do site são formados e até os cursos que eles oferecem, só para graduado em curso reconhecido pelo MEC).

    • Ancap/Liberal que odeia o Estado, que acha que imposto é roubo, mas que não abre mão de um carguinho publico seja na politica ou em um órgão federal **risos**

  • Temos ainda os defensores do Brasil, mas que, tendo total condição de viver em seu país, optam por viver no exterior. Mas, desde Paris, Nova Iorque ou Londres, ficam dizendo como o Brasil é o melhor lugar do mundo.

    Essa frase deveria ser premiada com o troféu “Tom Bostim e Chico Cagarque” de tropicalidade brasilianista festejada nas coberturas do Primeiro Mundo. Ou, por outras palavras: “O bundil é lindo, mas quero distância daquela cafuzada”.

  • O triste é que isso não é, absolutamente, exclusividade brasileira. Está mais para tendência mundial, especialmente entre políticos e outros em posições de poder. Agir de uma forma totalmente incoerente com o discurso. E outra tendência incrível, a de responder qualquer pergunta de forma a não dar nenhuma informação.

    • Os políticos são incorrigíveis, pois tem fãs que engolem tudo. Mas nós, pessoas comuns, deveríamos tomar mais cuidado com coerência integridade: pensar, falar e agir conforme o que pensamos. Em algum momento vai deixar de ser aceitável militar contra uma coisa que a pessoa também faz.

      • Adoraria acreditar que existe um futuro mais “honesto”, mas acho que políticos e celebridades não apenas refletem a população geral, como também funcionam como exemplos. No Brasil como no mundo, quando o povo vê que dá para ter não dois, mas quantos discursos quiser ao sabor do momento, o padrão vai sendo reforçado. Acho que eu e você (e outros contemporâneos) somos representantes de uma outra época, onde por exemplo “se você falava uma coisa e fazia outra era execrado, chamado de hipócrita, incoerente e falso”. Hoje em dia me parece que a meta das novas gerações é aprender a se comportar como sociopatas sem sofrer consequências negativas (e talvez ainda ficar rico e famoso?). Pode ser que essa forma de agir torne-se um pré-requisito para navegar a vida com relativo sucesso. Os últimos dez anos mostraram claramente que não existe a menor necessidade de ser coerente/consequente no discurso quando a pessoa tem habilidade (ou uma equipe) para manobrar a opinião pública. É fascinante observar que não existe nem mais uma tentativa de FINGIR que se é coerente, como parecia ser a regra antigamente (a capacidade de se envergonhar parecia existir antigamente, lembra?).
        Se bem que na verdade as pessoas sempre devem ter agido exatamente dessa forma, a diferença é que não existiam celulares e cia para registrar ou internet para divulgar, e como memória coletiva é uma ficção, os casos ficavam meio incertos. Alguém aqui lembra do cacique Juruna e seu gravador?
        Mas não precisamos ficar só no Brasil / EUA e outros shithole-countries, por exemplo a política na Escandinávia é um circo de horrores quase tão bizarro. Gente sendo presa por perjúrio e abuso de poder voltando dois meses depois em triunfo (e fundando um novo partido!), gente desviando milhões do governo (pelo menos aqui se pegarem vão presos e perdem a maior parte da grana), partido abertamente simpático aos nazistas se tornando o maior do país… isso tirando o feijão-com-arroz, que é ver primeiros ministros dando declarações solenes e menos de um ano depois fazendo exatamente o contrário. Isso enquanto pessoas sem plano de saúde privado precisam entrar em filas de até dez anos para cirurgias (e vcs reclamando do SUS? Tsc tsc).
        Antes que alguém sugira que eu volte para o Brasil, devo dizer que AINDA existe uma enorme vantagem em viver cá fora: dá para andar na rua sem ser assaltado/estuprado/assassinado, e isso pra mim não tem preço. De resto, é tentar ir vivendo o melhor possível com os nossos dessemelhantes.

  • “Não necessariamente são más pessoas, mas certamente são pessoas com baixíssimo grau de consciência, o que as torna, por premissa, extremamente desinteressantes”.

    Pequena modificação: “A primeira é um mix de dissociação com falta de semancol: a pessoa se convence que o que ela E/OU SEU FAMILIAR/AMIGO/AMOR está (ESTÃO) fazendo (ou de que os motivos pelos quais ela está fazendo) torna(m) sua situação diferente…”.

    Aqui o cúmulo hoje em dia é defender ato de terceiro (filho, amigo, parente, genro)…mesmo nunca tendo feito, discordando (no íntimo)…

    • Ah, os filhos… os pais acham lindo qualquer coisa que o filho faça. E alguns ainda passam pano para toda a família.

  • E, já que o título do texto é uma expressão em inglês, “Walk the Talk”, deixo outra que talvez ajude na reflexão: “Action speaks louder than words”.

  • Este texto é para ler, guardar, compartilhar e reler de tempos em tempos, Somir. Já repassei o link para todo mundo que eu conheço e, se apenas uma pessoa for tocada e fizer o exame de consciência que você sugere no final, já terá valido a pena. Eu só não sei se vão se dar mesmo ao trabalho de realmente ler e tentar “captar a mensagem”.

    Olhando à minha volta, eu percebo as mesmas coisas que você: gente que prega uma coisa para todo mundo ver, faz outra e, quando confrontada, se defende dando uma “justificativa” esdrúxula. Tem horas em que isso só me causa estranheza mas, em outras, me aborrece profundamente. Quanto às teorias que podem explicar porque a hipocrisia vem se tornando mais e mais aceitável no Brasil de uns tempos para cá, eu imagino que o que ocorra, infelizmente, seja um misto de todas as que foram apresentadas no texto. E também acho que os BMs, no geral, sempre foram assim e que a internet – que deu voz a muita gente que antes não “apitava” nada – vem apenas deixando esse comportamento escancarado.

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