Macacos de imitação.

Com o resultado do primeiro turno das eleições, o bolsonarismo saiu mais forte do que entrou. Apesar do resultado melhor do que as pesquisas apontavam na disputa com Lula, essa não é a principal razão dessa afirmação: nas eleições paralelas à presidencial, boa parte da trupe bolsonarista foi eleita ou surpreendeu positivamente com o número de votos. Os mais fiéis ao presidente foram recompensados.

Eu poderia ter um colapso mental por coisas como a Damares e o Pazuello serem eleitos, mas tenho experiência de Brasil: não esperava boas escolhas mesmo. Está na média dos seres que ocupam o Legislativo. Porém, há algo para se analisar no tipo de ser bizarro escolhido dessa vez: eram pessoas com histórias populares na mídia. Até mesmo o exemplo dos paulistas, com o Salles, teve grande exposição negativa durante os últimos anos.

E nada disso impediu a eleição de qualquer um deles.

Na verdade, pode até ter sido o motivo pelo qual foram eleitos: de tanta cobertura midiática criticando o trabalho realizado, seus nomes ficaram conhecidos e conectados com o de Bolsonaro. Na hora de votar, o cidadão que escolheu Bolsonaro como presidente não precisou pensar meia vez: votou nos aliados. Não é fácil saber que tipo de informação chegou para esse público, porque além da máquina de propaganda bolsonarista ser pervasiva e insistente, ainda temos todo aquele problema do que o cidadão médio entende das notícias e análises que tem acesso.

Faz tempo que eu menciono que o cenário político brasileiro é uma versão pirata do americano, desde a eleição de Trump estamos basicamente fazendo a mesma coisa que eles, com dois anos de atraso. Trump foi um divisor de águas na política americana: os dois partidos – os republicanos e os democratas – nunca foram conhecidos por trabalhar em conjunto, mas até então havia uma expectativa de colaboração eventual. Discordando, mas tentando negociar. Desde 2016, o que vemos por lá é uma divisão sem volta. Os partidos não conversam, seus defensores ficam mais e mais radicais, ideologias se afastando numa velocidade alucinante.

O Brasil tinha um quê de política americana na divisão entre PT e PSDB, mas ainda era uma coisa um pouco mais civilizada. Um criticando o outro, mas dando um jeito de conversar de tempos em tempos. O brasileiro médio até tinha seus preferidos, mas o grau de raiva era bem menor. Desde 2018, o que vemos por aqui é o mesmo que vimos nos EUA: uma cristalização da divisão política, mas como é a versão de camelô, ao invés de focar em ideologias, focamos em líderes carismáticos.

Eu diria que o lado do PT ainda tem um pouco de partido na equação, mas as coisas estão dominadas pelo Lula. Do lado bolsonarista… bom, só nos referimos a ele como lado bolsonarista. No máximo extrema-direita, que é o nome genérico para todo mundo que não é esquerda. O Brasil importou a versão tosca da política americana e criou o partido lulista e o partido bolsonarista.

E assim como nos EUA a tendência é votar em QUALQUER coisa que se diga do seu partido sem pensar meia vez, no Brasil isso se repetiu, especialmente do lado bolsonarista. Fale o que quiser desse lado, é o mais realista sobre o cenário político atual. Eles abraçaram de vez a ideia de nós contra eles, bem contra o mal, e vão votar em qualquer pessoa que o Bolsonaro indicar.

Não é à toa que o outro lado, lulista, ficou em um distante segundo lugar na comparação. Faltou radicalização. O que, ganhando a eleição para presidente ou não, eu aposto que vai começar a fazer em resposta ao bolsonarismo. Temos nossos Democratas e Republicanos, mas no estilão República das Bananas: carisma ao invés de ideologia.

Outra coisa que eu menciono faz tempo é como o excesso de informação que a sociedade atual entrega para o povo gera uma espécie de alergia ao conhecimento: a pessoa recebe tanta coisa, fruto de pesquisa séria ou boato aleatório, que não consegue mais diferenciar. Uma das soluções mais simples para esse problema é escolher uma fonte e seguir com ela ou com quem concorda com ela.

Se fechar numa ideologia é muito mais tranquilo para a mente. É um movimento global, com partidos cada vez mais radicais na sua inclinação ideológica disputando o poder. O modelo de Democratas e Republicanos ficou famoso pelo poder midiático dos EUA, mas cada país já deve ter seus dois nomes atuando com força. Aqui sabemos que são lulistas e bolsonaristas, e que a tendência é que com o passar das eleições, a coisa fique mais e mais polarizada, com o povão se importando menos com conhecer os seus candidatos e mais com a chancela que eles têm do seu lado escolhido.

Paradoxalmente, as eleições de praticamente todos os ministros do Bolsonaro são um misto de preocupação com os rumos do país e completo desinteresse pela política, ao mesmo tempo. Não vou cair na armadilha de chamar todo mundo que votou no Pazuello de pessoas que querem ver o país pegar fogo, eu acredito que todo mundo que votou nele acreditava de coração que estava fazendo algo positivo. Mesmo que fosse só para irritar o outro lado, parecia um plano para eles.

O cidadão quer fazer alguma coisa com seu voto, porque provavelmente acredita no “inimigo da vez” que seu líder está descrevendo; mas ao mesmo tempo não quer gastar tanta energia assim salvando o mundo… vai lá e vota em quem disseram que era pra votar, sem pensar muito se a pessoa merece ou não. Se está do seu lado, só pode ser uma boa escolha, certo?

O resultado do primeiro turno e da eleição do Legislativo provam que o Brasil entrou de vez nessa fase de bem contra o mal. Eu digo isso porque é mais do que ideologia nesse ponto, é força do hábito. O cidadão que queria defender pautas conservadoras poderia muito bem olhar para essa gente bizarra do lado bolsonarista e procurar alternativas. Mas é muito difícil sair do bolsonarismo, a direita é grande e cheia de propostas. Precisa ter alguma opinião formada para escolher esse lado, e pelo visto o povo não tem tempo ou disposição para isso. Escolheu os candidatos apontados pelo líder do seu movimento e lavaram as mãos.

O povo lulista fez menos nesse sentido, mas muito porque o PT e seus aliados ainda estão reticentes em entrar na guerra ideológica com unhas e dentes, provavelmente por medo de perder os evangélicos para sempre (vai ser a maior religião do Brasil em poucos anos). O problema pra eles é que não vai ter como navegar nesse mar revolto sem equiparar o discurso maniqueísta de bem contra o mal. O lulismo (não vou chamar de esquerda) ainda está com a impressão que dá para agregar adversários políticos, fazer um esquemão corrupto como fizeram no começo do milênio.

Mas parece que não vai ter jeito não. A lógica que se desenha a partir daqui é a de sufocar toda política que não seja divisória. Isso sempre termina em um evento traumático, ditadura ou crise horrível, muitas vezes as duas coisas juntas. Não acredito que vou dizer isso, mas eu acho que o brasileiro está mimado por muitos anos de estabilidade. Estabilidade rasteira, mas estabilidade mesmo assim.

Vai precisar de uma situação muito traumática para esse povo abrir a cabeça de novo para cooperação. Temo que seja um ciclo. Pode votar na Damares se quiser, problema seu, mas isso é a primeira nuvem de uma grande tempestade. Não que ela seja esse desastre todo, ninguém é tão importante assim, mas é uma das maiores provas que a divisão política se estabeleceu e virou o modo de funcionar do brasileiro.

Vamos ver como as coisas se desenrolam, essa eleição está na mão do Lula, para ganhar ou para perder. Talvez ele tente colocar panos quentes, mas eu não acho que vá funcionar dessa vez. O brasileiro escolheu a divisão e tornou ela seu hábito. Bolsonaro ou Lula, quem quer que assuma, vai ter que aumentar o tom para sobreviver nesse cenário político, e infelizmente, a gente que não quer brincar de mocinho e bandido por um misto de medo e preguiça vai ser arrastado junto.

Não é por nada não, mas eu já sugiro você fazer as pazes com a ideia de que pelo menos vai ter que fingir ser um radical maluco de um dos lados, sob o risco de ficar totalmente isolado. Nos vemos do outro lado, depois que lulistas ou bolsonaristas fizerem alguma besteira gigantesca…

Para dizer que eu sou comunista, para dizer que eu sou fascista, ou mesmo para dizer que concorda com algumas coisas, discorda de outras e está tudo bem: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • Estou feliz por encontrar este texto, pela situação delicada que estamos vivendo. O Brasil continua indo para onde não interessa a ninguém, e ter bom senso virou sinônimo de ser desinformado, para não utilizar termos mais duros. Precisamos sair desta cama de Procusto que as raposas políticas nos colocaram.

  • Daqui a no máximo uns 150 anos os mapas do Brasil e dos Estados Unidos nem vão existir mais, tudo vai fragmentar.

  • Esse negócio de “carisma ao invés de ideologia” na política brasileira já existia desde muito antes de 2018, Somir. Sempre foi assim e é só dar uma olhada na História pra perceber isso. Estão aí o Getúlio Vargas “Pai dos Pobres” e o “Collor Caçador Marajás”, pra ficar em somente dois exemplos. Talvez a diferença de antes pra agora seja que, desta vez, tem radicais messiânicos carismáticos dos dois lados. Cada um se apresenta pra seu respectivo gado como sendo diametralmente oposto ao “inimigo” quando, na verdade, os dois são a mesma merda.

  • “(…) Mas parece que não vai ter jeito não. A lógica que se desenha a partir daqui é a de sufocar toda política que não seja divisória. Isso sempre termina em um evento traumático, ditadura ou crise horrível, muitas vezes as duas coisas juntas.”

    Verdade, Somir. Concordo totalmente com você. E… Pensando nisso – e também no que o futuro nos reserva para os próximos anos -, não tem como não ficar preocupado. Mas muito preocupado mesmo…

  • Estou cada vez mais convencido de que o Brasil é o país mais forte do mundo, há séculos ele quer se destruir e ainda não conseguiu.

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