Esquecido.

Acabo de mandar um e-mail para a vencedora do Bolão 2021 me desculpando pelo esquecimento: eu deveria ter mandado o prêmio dela uns 10 meses atrás. O e-mail do Desfavor foi cancelado pelo Google e eu tive que refazer em outro lugar, infelizmente, todo o histórico desapareceu. Só fui lembrar disso quando a Sally me falou do Bolão desse ano… espero que a Lígia me perdoe, mas já que estamos aqui, vamos falar sobre como é que um esquecido patológico vive a vida e como ele tenta resolver o problema.

Hoje em dia eu já não tenho muito mais problemas com esquecimento e distração, não quer dizer que eu tenha deixado de fazer a coisa errada, mas quer dizer que minha vida já está adaptada para reduzir o pior das consequências por ser uma pessoa tão aérea. E é nesse ponto que eu acho que o texto pode ajudar mais pessoas.

Eu já fui muito pior. Pior ao ponto de estragar relações e patinar bastante na minha vida profissional. Quando você esquece se fechou a porta de casa ou não compra o leite que prometeu comprar na volta, é esquecimento normal da vida. Não achar uma chave, não saber onde deixou um documento… idem. A memória humana não é perfeita e esquecer coisas de tempos em tempos não é nada demais.

O problema é quando essa distração toda começa a travar sua vida. Por um bom tempo, eu acredito ter ficado travado por não lembrar das coisas e perder o foco com facilidade. A vida é baseada em atenção: você coloca energia naquilo que está presente na sua mente. Quando sua atenção está toda bagunçada, sua energia é gasta com inúmeras bobagens e dividida de forma a não permitir que nada avance da forma correta.

É aquela velha história de querer abraçar o mundo: não tem jeito. Se você não conseguir concentrar seus esforços, o resultado vai ser um monte de coisas malfeitas e fracassos. E isso vai acabando com a sua confiança. É um ciclo que se alimenta de erro atrás de erro até você se sentir compelido a parar de tentar. Se você está se sentindo mal por esquecer das coisas, não conseguir terminar seus projetos, não dar atenção para tudo o que quer, preste muita atenção nisso: quase sempre o problema é que você está tentando fazer mais do que realmente pode. Mais do que um ser humano realmente pode.

Os meus esquecimentos, atrasos e fracassos bebem de uma fonte comum: concentração. A maioria absoluta das pessoas tende a fazer a mesma coisa que eu, colocar muita energia no que gosta e pouca nas que parecem chatas. A minha realização é que eu estou um pouco além dessa média, tanto para o bem quanto para o mal. Quando eu estou interessado numa coisa, consigo aprender numa velocidade absurda e acompanhar muitas coisas ao mesmo tempo. Quando algo me parece chato ou gera ansiedade, eu simplesmente apago da cabeça.

Novamente, é muito provável que você seja parecido, eu não sou um caso único, eu só separei como algo digno de cuidados especiais porque o lado ruim realmente estragava boa parte da minha vida. Tinha um exagero aí: mesmo que o excesso de atenção nas coisas interessantes tenha me ajudado muitas vezes a me destacar da média, o custo do outro extremo estava muito alto. É aí que você para, reavalia e tenta corrigir o excesso.

O primeiro lugar onde eu tentei resolver o problema foi no trabalho: eu consigo pensar rápido e conectar muitas informações sem dificuldade. O meu ponto forte sempre foi achar um jeito de fazer as coisas quando todo mundo estava confuso ao meu redor. Só que isso gera uma falsa sensação de segurança. Uma expectativa meio arrogante de que eu sempre sei o que estou fazendo e consigo gerenciar muitos processos ao mesmo tempo.

O que não funciona assim na prática. Por muitos anos eu não mantive nenhum sistema de gerenciamento de trabalho, mantinha tudo na memória, inclusive prazos de entrega. O que acontecia? Os trabalhos que eu achava interessantes saíam muito antes do prazo, os trabalhos que eu achava chatos só eram entregues quando o cliente cobrava pelo atraso. Eu não sei como eu durei tanto tempo fazendo as coisas assim, minha teoria é que o nível de serviço do brasileiro médio é tão baixo que até o meu feito na correria ainda tinha valor.

Eu precisava de um sistema externo de gerenciamento de trabalho, eu precisava de mais gente perto de mim me cobrando. O meu problema de esquecimento era baseado num sistema de prioridades egoístas: coisas que exigiam aprendizado e aperfeiçoamento eram divertidas, coisas que eu já tinha feito muitas vezes iam lá para o final da fila. O que é comportamento de criança. Pensando racionalmente eu sei que é algo escroto de fazer, mas se você nunca parar para pensar no que está fazendo, nunca vai perceber!

Hoje eu tenho orgulho de dizer que o atraso de trabalhos é um problema do passado. Não é perfeito, mas já está no campo do normal, um esquecimento aqui e ali, uma distração, um errinho de comunicação, não é algo que crie problemas que não possam ser resolvidos rapidamente. Eu tenho softwares e pessoas que me ajudam. Disciplina precisa de “clima” para aparecer. Foi o que a Sally disse naquele texto sobre organização: bagunça chama bagunça, organização chama organização. O cérebro relaxa quando as coisas estão nos lugares certos e não precisa ficar equilibrando mil pratos ao mesmo tempo.

Já no campo das relações, o buraco é mais embaixo: eu ainda sou uma pessoa complicada nesse ponto. Mas sim, já melhorou bastante. A primeira realização que eu tive foi sobre o perigo da ansiedade para uma pessoa com tendências de distração. Coisas que geram ansiedade quase sempre são coisas que eu esqueço, é uma tentativa do inconsciente de suprimir fontes de estresse. E não tem motivo certo ou errado para ficar ansioso(a), cada cabeça funciona de um jeito, cada pessoa tem sua história.

O importante é saber reconhecer as situações que te incomodam. Eu fico ansioso com interações pessoais com pessoas diferentes. Tudo o que tem a ver com isso eu preciso colocar prazos ou achar alternativas rapidamente. Pode ser que inconscientemente a questão da interação tenha me atrapalhado nos atrasos de entrega de prêmios do Bolão? Pode ser sim. Se você não conseguir um método de manter a coisa que gera ansiedade no topo da fila de prioridades, seu cérebro pode ser como o meu e querer apagar.

Só que algumas coisas não podem ser completamente resolvidas. Na verdade, a experiência de vida me ensinou que você vai até onde consegue e depois disso é quase tudo questão de selecionar as pessoas da sua vida de acordo com a forma como elas funcionam com você. Eu já tive que conviver com gente que acha extremamente importante lembrar detalhes, pedidos, datas e coisas do tipo, e por mais boa vontade que eu tivesse, a minha taxa de erros nesse campo (com esforço) ainda era alta demais para essas pessoas. Pena, mas vida que segue.

Não estou dizendo que o meu jeito é certo ou errado, estou dizendo que ele tem graus de compatibilidade. Dadas minhas décadas de vida, só ficou perto de mim gente com alto grau de compreensão com distrações e esquecimentos, ou mesmo gente que vive no mundo da Lua também. Lembrando de outro texto da Sally, sobre formas de demonstrar afeto, alguém que foi criado acreditando que atenção constante é afeto não vai conseguir enxergar ele em mim. Já pessoas que aceitam surtos de atenção intercalados com períodos de introspecção se sentem bem ao meu lado.

E isso eu só consegui aprender com a experiência, erros e acertos. Hábitos e rotinas você consegue forçar na sua vida se conseguir montar o ambiente certo, relações já são bem mais complicadas. Super importante fazer esforços por pessoas queridas, mas sem esquecer que você tem um jeito de funcionar e não dá para forçar algo que te torna infeliz no processo. Eu sou feliz com gente que não cobra atenção constante, que me permite sumir em interesses compulsivos por alguns dias ou semanas e sabe que logo logo eu volto. Sem esses meus surtos eu perco uma das partes mais divertidas da minha vida. Não quero abrir mão disso e não quero ninguém sofrendo ao meu redor por causa deles. É essencial escolher as pessoas certas.

Então, num resumão: se você tem a mesma tendência de sair de órbita de tempos em tempos e sua priorização sofre por causa disso, não faça como eu que fiquei teimando por mais de uma década que dava conta de tudo. Não é uma questão puramente de ter uma memória melhor, é uma questão de concentração. Eu ainda cometo erros como o que gerou este texto? Cometo sim. Quando perdemos o e-mail eu esqueci do que estava dentro dele. Precisava de um método melhor do que ficar só na minha memória.

Antes eu teria ficado travado, desmotivado. Hoje que eu sei que existem mecanismos para me ajudar e estou cercado por pessoas que no mínimo sabem conviver com esse defeito, eu simplesmente peço perdão e tento resolver.

Minha maior dica é: a não ser que você tenha mais de 60 anos de idade ou que tenha algum problema neurológico sério, é quase certeza que se você esquece muita coisa, perde prazos ou se sente culpado por não dar atenção para as coisas que acha importante, é sintoma de algo que não tem a ver com lembrar ou não das coisas, e sim de capacidade de priorização.

É possível se organizar para facilitar MUITO a sua vida, só que mais importante ainda é se entender: existe um limite de quanta coisa você consegue se concentrar, esse limite não é um padrão entre as pessoas. Você tem que achar quanta coisa consegue cuidar ao mesmo tempo. Se você estourar esse limite, entra num processo de fracasso e ressentimento que faz querer abraçar ainda mais coisas e piorar tudo…

E toma cuidado de trazer para perto da sua vida gente que sabe lidar com seus problemas de concentração. Não é nem achar gente que passe a mão na sua cabeça, a Sally, por exemplo, criou uma punição para meus atrasos no Desfavor. Quando eu me enrolo, tenho que escrever textos que não gosto. Ela não me deixa escapar ileso, mas não cria clima merda: com uma punição eu consigo pagar pelo meu “crime” e seguir em frente sem culpa.

Tem gente na minha vida que é bem compreensiva e nem pede punição, tem gente que é mais esquecida que eu e nem percebe que eu esqueci… não existe só um jeito de lidar com gente distraída e meio ausente como eu. Quem fica muito chateado(a) com essas cagadas que eu faço não tem como durar muito tempo, e eu faço questão de não ficar ofendido nem nada se elas se afastarem: estão cuidando da própria saúde mental. Acontece de ter pessoas compatíveis em várias coisas com você, mas que tem um ou outro elemento que não tem como funcionar em conjunto. Normal.

O que eu prego aqui é equilíbrio: você não é um lixo por ser meio desligado, mas tem bastante coisa para fazer para melhorar. Só não caia na armadilha de tentar resolver tudo sozinho, por mágica: anota seus compromissos, se force a fazer primeiro as coisas que acha mais chatas ou que geram mais nervosismo, não prometa fazer coisas que não quer fazer, aceite que você tem um limite. Se comprometer com uma coisa a mais do que você deveria atrapalha todas as coisas que você poderia fazer direito. Tem que cortar mesmo.

E se você está cercado de gente que não te permite erros eventuais, que não tem capacidade de lidar com suas distrações e esquecimentos, está na hora de procurar companhias melhores: elas existem. Mesmo eu que sou antissocial achei um monte de gente que topa lidar comigo numa boa. Viver com gente que te exige alto grau de atenção quando você não tem capacidade de entregar isso é tortura! Isso vai te fazer mal e vai piorar com o passar do tempo.

Foi mal, Lígia! Eu já mandei e-mail pedindo o endereço de envio de novo, é o que eu consigo fazer agora. Ano que vem eu vou anotar em um lugar melhor e pedir para a Sally me ajudar cobrando. Eu achei que tinha resolvido depois da cagada que fiz com a Lilith (sim, foi a segunda vez que eu fiz isso de atrasar) pelo susto, mas não, eu precisava montar um esquema de cobrança mesmo.

Dessa vez eu aprendi.

Quase certeza.

Quase…

Para falar de outras coisas que eu esqueci, para dizer que eu preciso ser punido ou mesmo para dizer que é a Lígia e tinha esquecido também: somir@desfavor.com

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