Eu tinha a certeza de que Bolsonaro ia questionar o resultado das eleições caso perdesse. Ainda é complicado dizer se ela se confirmou ou não. O presidente em exercício resolveu se esconder numa zona cinzenta entre aceitação e rejeição do resultado que muitos brasileiros ainda entendem como concordância com os protestos iniciados pelos caminhoneiros. Como a mídia decidiu não dar muita trela para os manifestantes, eu resolvi me infiltrar (virtualmente) e ver o que esse povo está fazendo e pensando em suas bolhas. O resultado foi… fascinante.

Eu sou do time da não-interferência nesses casos de estudo. Mesmo cheio de perguntas, achei melhor ficar em silêncio. Até porque dentro das bolhas, a paranoia de ser invadido pelo inimigo é grande. Qualquer vacilo te faz ser expulso sob a acusação de _______ismo. Eu acabo irritando até quem concorda comigo por causa das piadas fora de hora, imagina quem discorda?

E não, não foi nada hacker. Cinco minutos de Google e você acha todos os lugares onde o pessoal bolsonarista está se encontrando. É tão na cara que só ontem de noite eu vi uns três grupos do Telegram sendo bloqueados no Brasil por pedido do TSE. É só entrar e ficar quieto que ninguém vai te incomodar.

Eu entrei nesses grupos e sites para ver o caos e rir das maluquices, mas durante o tempo que fiquei lá, percebi algo que ao mesmo tempo aumentou minha empatia com os bolsonaristas e depois me deixou um tanto desanimado: a maioria é de uma inocência quase que… infantil. Por causa de alguns expoentes mais malucos e a tendência da mídia de mostrar os casos mais violentos, é normal ficar com a impressão que o bolsonarista médio é alguém armado correndo atrás de quem pensa diferente.

Evidente que não é assim que as coisas funcionam. Se essas pessoas fossem realmente assim, já teríamos um genocídio à lá Ruanda acontecendo aqui. O bolsonarista médio é mais culpado de fazer vistas grossas para os malucos do seu lado do que propriamente agir como esses malucos. Não que ir para o meio da estrada cantar o hino nacional e rezar para mudar o resultado da eleição seja lá um exemplo de estabilidade mental, mas esse tipo de manifestação está dentro do razoável na nossa sociedade.

E francamente, é mais saudável ter um povo que protesta do que um que fica aceitando bovinamente tudo o que acontece. Podemos até discordar nas causas, mas assim como dissemos em 2013, ir pra rua é parte de uma dieta democrática saudável. Se a polícia começar a enfiar a porrada e dar tiro em manifestante, mesmo achando que o objetivo do protesto é uma merda (ditadura militar), eu ainda vou achar que repressão violenta à manifestação política é algo quase impossível de justificar.

Dito tudo isso, eu acompanhei os grupos de Telegram de vários dos protestos e vi algumas lives da rua em tempo real. Sim, o povo está torcendo para os militares tomarem conta, mas está bem pacífico em média. O cidadão médio nesses protestos está com uma camisa da seleção ou bandeira nas costas, gritando palavras de ordem com um sorriso no rosto. A maioria parece bem feliz de perceber que tem mais gente com eles. Sensação de pertencimento libera umas endorfinas das boas. Gritar alguma coisa em bando? Mais ainda. É que nem torcer pelo seu time no estádio.

Vi muita mulher e criança, gente sendo bacana levando comida, café e água, todo mundo se cumprimentando com simpatia, no máximo soltando uns palavrões quando um motorista “faz o L”. Se te soltarem no meio de um desses protestos, é complicado dizer que você está dentro de um movimento antidemocrático sem dar o contexto.

E é aqui que eu faço essa análise de inocência. Sim, estão querendo derrubar a democracia e colocar militares no poder, mas francamente… eu nem sei se eles entendem que estão fazendo isso. É meio como estar diante da mãe de um preso jurando de pés juntos que ele não cometeu o crime, mesmo você tendo visto a prisão em flagrante: você sabe que a mãe está errada, mas entende por que ela se recusa a enxergar a verdade.

Durante vários anos, o bolsonarismo virou um fundo de investimento de esperanças e até mesmo uma identidade para muita gente. Existe um fator emocional muito poderoso em ver essa figura “mítica” ser derrubada justamente pelo “grande inimigo” que te venderam esse tempo todo. Quem viu o que aconteceu de forma mais neutra sabe que o Bolsonaro mereceu a derrota pelos erros que cometeu, mas dá pra entender sim que as pessoas estejam com sentimentos muito fortes sobre o tema e não queiram ver isso.

As ideias mais agressivas ainda são de uma minoria, uma parte de ideólogos raivosos, outra de oportunistas como os políticos bolsonaristas. E por isonomia, a esquerda é desse jeito também: uma maioria bem fácil de lidar fingindo que não vê a parte maluca minoritária.

E olhando para a parte mais comum do bolsonarismo, eu percebi um dos problemas sérios do brasileiro, a infantilidade com a qual lidam com as informações recebidas. O número de afirmações completamente desconectadas da realidade que passam como verdade absoluta é assustador.

A história do Artigo 142 se espalhou como fogo no mato seco, todo mundo falando que ele é o momento da virada para um novo governo. Como a Sally já colocou aqui ontem, é só ler o que está escrito para entender que não tem nada na Constituição falando sobre derrubar o poder ou desfazer eleições relacionado com as Forças Armadas. Não faz nem sentido o contexto em que é usado, como se fosse um botão que o presidente ou os militares apertariam para tomar o país.

Mas quase ninguém questionou se fazia sentido ficar repetindo que “vai ter o 142”, e quem perguntou o que isso tinha a ver com qualquer coisa foi banido sumariamente por ser infiltrado petista. Não só a pessoa aceita sem sequer ir ler o que o artigo fala, como já considera quem o coloca em dúvida como adversário imediatamente. É ignorância com certeza.

Coisa de gente chata? Sempre. Mas é coisa de criança também. Crianças absorvem informações sem questionar e rapidamente se tornam defensoras ferrenhas dela. Cabeça de criança não tem muito filtro e não tem muito o que comparar para definir se a informação vale a pena ou não. Quando os bolsonaristas começam a falar de leis, você percebe claramente esse comportamento. Basta parecer algo sério e oficial que eles reagem da forma mais intensa possível.

Num dos vídeos, um cidadão aleatório pede atenção da plateia e começa a ler um pedaço de papel onde um advogado aleatório pede a prisão imediata do ministro Alexandre de Moraes do STF. Ninguém parece pensar no que aquilo quer dizer, apenas levantam as mãos aos céus e comemoram. O padrão vai se repetindo vez após vez, adicionando mais e mais elementos aleatórios à crença coletiva do movimento.

Cismaram que havia um período de 72 horas de protestos que permitiria ao Bolsonaro pedir intervenção do exército. Ninguém questionou de onde veio essa ideia, só perguntaram até quando tinham que continuar lá. A preocupação era em contar as horas que faltavam e não em perguntar de onde saíram essas 72 horas. Tem gente esperando dar esse prazo até agora, sem nunca questionar.

E quando algo começa a ficar muito confuso, sempre tem alguém disposto a “explicar” para o povão. É a hora que as pessoas que querem atenção brilham: inventam outra coisa para justificar os buracos e são imediatamente elogiadas pela comunidade. Não se sabe qual versão é a final, fica tudo mudando o tempo todo. Em outro vídeo, uma pessoa em Curitiba para um povo para dizer que foi convocada como reservista e que ouviu dizer que seriam enviados para Brasília. O que o povo ouvindo faz? Comemora! Sem questionar, sem pensar.

Bolsonaro chama uma coletiva para dizer que agradece pelos votos e vai ser oposição, o chefe do governo de transição diz com todas as letras que vai começar a trabalhar com o presidente Lula… e o povo bolsonarista entende como um incentivo a continuar protestando. Ginástica argumentativa, procurando padrões secretos na mensagem… tudo o que podem para manter acesa a chama da esperança.

Algo que eu vi numa das lives foi bem interessante: o rapaz que estava com a câmera na mão gritando palavras de ordem pelo Bolsonaro e pelos militares para um pouco, vira a câmera para o próprio rosto e pergunta para o pessoal do chat quanto tempo os militares ficariam no poder. “Quatro anos, né?”. Até ver essa pessoa fazendo a pergunta, eu tinha certeza de que aquele povo todo queria a ditadura militar de volta.

Depois me veio a dúvida: será que o povo pedindo pela intervenção militar entende o que isso significa? Tem muita gente nova que nunca viu o Brasil sob a ditadura nesses protestos. Gente que não vai ler a Constituição quando ouvem falar de um artigo dela, gente que diz que o pessoal do Egito conseguiu derrubar o governo com os militares, mas que não se pergunta o que aconteceu depois no país… (spoiler: não foi democracia)

É fácil colocar na conta da burrice, mas eu acho que é mais profundo do que isso. Vai mais longe até do que ignorância: é infantilidade mesmo. É o modus operandi de uma criança que acaba de lidar com uma informação nova, sem proteção nenhuma contra tudo o que vem com ela. Desde que a informação venha de uma fonte que eles consideram de confiança, passa tudo sem crítica.

Tem gente tomando chuva na cabeça e spray de pimenta na cara agora achando que faltam poucas horas para completarem as 72 horas e dar ao exército a permissão de prender o Lula e o Alexandre de Moraes! Como é que você conta para essa pessoa que ela está errada dez vezes dentro da mesma sequência de pensamento? Como você faz isso se a pessoa foi treinada por vários anos a achar que tudo o que sai na imprensa é mentira? Se tem certeza que tirando os outros bolsonaristas, todo mundo quer o mal dela?

E pior, essas pessoas agem e pensam como crianças, mas não podem ser tratadas como crianças. A criança é insegura e acaba cedendo, o adulto que está com essas ideias infantis tem muito mais proteção interna contra ideias dissidentes. Ele tem até a força dos números. Quase metade do Brasil não queria o Lula (super entendo essa metade). Mesmo que os fanáticos sejam minoria, eles têm muito poder sobre esse tipo de brasileiro médio, que não parece ser pessoa ruim, mas que não está agindo como se fosse capaz de pensamento crítico.

Se você está esperando esse povo bolsonarista ficar realmente maldoso e violento, não vai ser agora. Aliás, se você está esperando metade dos brasileiros ficarem agressivos o suficiente para tomar conta de tudo de forma autoritária, vai esperar sentado. Nem na Alemanha Nazista o povo ficou todo assim, é sempre uma minoria muito ativa sendo tolerada pela maioria por não se portar como adulta diante dos problemas que enfrenta.

O brasileiro médio é muito inocente, meio otário mesmo. Acredita em muita bobagem por incapacidade de fazer diferente. E não adianta torcer por líderes mais inteligentes, porque não são essas pessoas que cativam crianças. A criança prefere quem faz careta e brinca com ela, não quem a faz estudar e se comportar. Lula e Bolsonaro são os “tios legais” que só ensinam a fazer besteira. Líderes mais e mais caricatos virão, pelo menos enquanto a média da população não seja tão fácil de tapear.

Quando falta pensamento crítico em casa e na escola, a criança nunca deixa de ser… criança.

Para dizer que o esquerdista é pior (seus pais deveriam ter te ensinado essa falácia), para dizer que a Constituição diz que a democracia pode ser derrubada (seus professores deveriam ter te ensinado a entender textos), ou mesmo para dizer só quer ver o circo pegar fogo (meus pais também não me ensinaram a ser menos mesquinho): somir@desfavor.com

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Comments (16)

  • Só posso dizer que a atuaçãos dos personagens Lula e Bolsonaro foi brilhante! Mais uma fabula escondendo os fantasmas do Congresso!

  • Se Bolsonaro tivesse vencido, os fanáticos de esquerda também estariam tirando as cuecas pela cabeça e dando chilique se agarrando a qualquer disparate que lhes representasse algum fiapo de esperança de reverter a situação, não?

    • Com certeza estariam dando faniquito, mas acho que não seria com base em informações completamente falsas e mentirosas, seria com base na narrativa deles: “se o Lula for preso pegaremos em armas” (ninguém pegou), “se o Lula for preso haverá derramamento de sangue” (não houve), “se o Lula for preso o país vai parar” (não parou).

      • E teria também o besteirol de ninguém solta a mão de ninguém e os idiotas insinuando que armaram um golpe contra o Lula (hahahahahahaha!).
        Eventualmente os bravateiros subiriam o tom, mas de resto, seria mais do mesmo, assim como era o besteirol de Intervenção Militar pra quem não conhece.
        Há cinco anos, no dia 9 de julho na Av. Paulista vi um bando de babacas desfilando com faixas pedindo inclusive pela intervenção militar e eu tive uma crise de riso tão grande, mas tão grande que o cara que estava no microfone foi sinalizar em vão pra eu parar de rir.
        É verdade. Tenho fotos do dia.

  • Uma mistura de fanatismo com desespero que eu só acharia ridícula, se também não me afetasse por eu ainda estar aqui. Não é bom torcer pro barco afundar enquanto eu mesmo ainda estou a bordo.

  • Acho que não tenho desprendimento o suficiente pra chamá-los de ingênuos. Pra mim é uma mistura de fanatismo, paranoia e burrice com convicção. Ver video de bolsonarista comemorando uma suposta prisão do Xandão e de comprovação de “fraude nas urnas” é risível e ao mesmo tempo assustador.

  • Tenho uma amiga que diz que as eleições foram fraudadas porque teve uma curva similar no primeiro turno e no segundo turno da eleição, sendo que as curvas na contabilização dos votos teriam sido praticamente lineares e que na eleição disputada entre Trump e Hillary não se teve essa linearidade.
    De qualquer forma, sobre essas suspeitas, se tem a sombra do finado Brizola e de seu sucessor político eleito para o governo no Rio de Janeiro, no caso o infame Antony Garotinho, que inclusive estava por trás de uma coletiva que foi feita para comprovar a fraudabilidade da urna eletrônica.
    Provou que a urna eletrônica era fraudável? Beleza, campeão. Mas qual seria a vantagem em se fraudar a eleição?
    Essa é a pergunta que fica.

  • Falta pensamento crítico, mas tem o mágico, junta crença e medo irracional na política e com a adição de mídias sociais já viu. Agora, algo como a propaganda de Goebbels ou os discursos de Lênin, não iriam ter sucesso nos dias de hoje, muito por conta da internet e porque a maioria não está tão escrotizada como naquela época.

  • Ter elegido o Bozo foi uma desgraça, o cara agora tem uma seita de fanáticos! 72 horas deve ser até amanhã porque eles começaram a dar ataquinho quando saiu o resultado dia 30. Amanhã eles vão começar a serem demitidos aí cai a ficha que se não trabalhar, nem Bozo nem molusco vão lhes sustentar. E mano, tu tem estômago pra ir pesquisar essas insanidades, te admiro por isso.

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