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ET de Varginha.

ET de Varginha.

| Sally | | 24 comentários em ET de Varginha.

Certamente você já ouviu falar do “ET de Varginha”, um dos episódios ufológicos mais famosos do Brasil. Mas você já ouviu falar do caso em detalhes? A versão contada por aqueles que afirmam que a história é verdadeira é muito difícil de engolir. Desfavor Explica: ET de Varginha.

Como em algumas poucas semanas o caso vai comemorar mais um aniversário, é provável que o assunto volte a ficar em pauta. Se isso acontecer, você tem aqui um resumo dos fatos e da versão, para contestar qualquer pessoa que tente te convencer da veracidade dessa história bizarra. Prepare-se para rir (e sentir uma pontinha de vergonha).

Em 20 de janeiro de 1996 teria acontecido a queda de uma suposta aeronave alienígena na cidade de Varginha, em Minas Gerais. Segundo a narrativa, a nave estava tripulada e ao menos dois alienígenas sobreviveram. Eles teriam sido vistos por três irmãs (que na data do fato eram crianças), moradoras da cidade.

Supostamente, uma nave espacial com tecnologia para viajar entre planetas estava sobrevoando Minas Gerais, pois, de todos os países e cidades do mundo, esta foi sua escolha. Já é um ponto a se refletir. Varginha, em Minas Gerais. Mas tudo bem, não sabemos o que é interessante para um ET, talvez algo ali lhes interesse. Vamos dar o benefício da dúvida.

Sobre a queda… uma nave especial com tecnologia para viajar de um planeta a outro, para entrar e sair de diferentes atmosferas com diferentes forças gravitacionais, bateu em uma montanha. Sim, ela viaja entre galáxias, mas não viu uma montanha mineira. Colidiu e caiu. Até avião pequeno feito no Brasil tem mecanismos para evitar a colisão com uma montanha. Mas tudo bem, pode ser que o mecanismo de navegação ou até de controle tenha falhado, vamos dar o benefício da dúvida.

A criatura foi avistada à noite, quando as meninas estavam voltando para casa. Elas resolveram cortar caminho por um terreno baldio, quando teriam visto a criatura em um canto. Elas descreveram uma criatura estranha, baixa e com olhos vermelhos, pele marrom e manchas na pele que pareceriam veias. Além disso, a criatura teria três protuberâncias no alto da cabeça. Fizeram um contato visual rápido, mas não interagiram, apenas saíram correndo e gritando apavoradas.

Ao chegar em casa, contaram para a mãe o que aconteceu e, para tentar acalmá-las, a mãe foi até o lugar para desfazer o mal-entendido. Chegando no local, a criatura não estava mais lá, encontraram apenas marcas no chão, um cachorro farejando o local e um cheiro que não souberam descrever. Um popular que estava no local avisou que “os bombeiros levaram aquele bicho estranho”.

Três crianças, à noite, sozinhas, em um terreno baldio… não precisa muito para elas se assustarem. Pode ter sido qualquer outra coisa que não um alienígena? Pode. Mas, vamos dar um voto de confiança e prosseguir.

Há outros relatos de pessoas não relacionadas com essas meninas que descrevem avistamentos de luzes estranhas no céu e até mesmo encontros com outra criatura estranha nessa mesma noite, o que levou muita gente a acreditar que mais de um ET saiu da nave e vagou pelas redondezas.

O segundo relato mais famoso envolvendo esse tipo de encontro foi creditado a dois militares, que teriam freado bruscamente o veículo após uma criatura dessas atravessar a estrada de forma repentina.

Eles teriam saído do veículo e capturado o ET com as mãos mesmo, sem qualquer proteção. Pegaram o alienígena, enfiaram ele no banco traseiro e, ao perceber que ele estava ferido, o levaram… para um posto de saúde. Não me entra na cabeça como alguém pode pegar um ET na unha, mas depois do incidente com Césio 137, eu não duvido do brasileiro botar a mão até num moedor de carne. Prossigamos.

Estamos diante de uma situação em que, supostamente, criaturas com capacidade de viajar entre planetas foram levadas ao SUS. Vamos abstrair o absurdo da história e dar o benefício da dúvida: levaram um ET, um fuckin´ ET para um posto de saúde e não foi algo de conhecimento público.

Mas calma que piora. O posto de saúde se recusou a atender o ET, então, ele foi levado para o Hospital Regional de Varginha, onde fecharam uma ala inteira para tentar ocultar o paciente espacial. Ou seja, transitaram para cima e para baixo, em locais públicos, com um ET e, no entanto, não se consegue provar que isso aconteceu.

Qualquer ufólogo sério vai te dizer que relato não prova nada. Relato e nada é a mesma coisa. Relatos não são confiáveis, nem tanto pela mentira descarada, mas sim pelo ser humano: nossa percepção não é imparcial, ela é contaminada por nossas crenças, nossos medos, nosso humor e uma série de outros fatores. Relato não prova nada, ao menos se o ufólogo for sério. Dito isto, vamos continuar nossa odisseia.

Então, temos relatos de duas criaturas: a que assustou as meninas e a que foi levada ao hospital debaixo de porrada por militares. Supostamente, ambas teriam sido capturadas.

Uma estaria viva e a outra estaria morta. A criatura que estava viva foi, de alguma forma, reivindicada pelos EUA, que tomou conhecimento do caso e entrou em contato com o governo brasileiro. Preparem-se para rir: após algumas negociações, o Brasil concordou em ceder a criatura viva aos EUA em troca do astronauta Marcos Pontes ser enviado para a estação espacial.

Vejamos, ao negociar com uma das maiores potências econômicas do mundo, as autoridades não pediram dinheiro, bens ou proteção, pediram que o Marcos Pontes seja enviado para o espaço. Concordo que Marcos Pontes não tem méritos para isso e deve de fato ter acontecido algum arranjo, mas um ET? Passou dos limites isso aí. Eu não sei em que universo isso faz sentido, mas, pode ser que apenas essa parte da história seja mentira e todo o resto seja verdade, então, vamos dar o benefício da dúvida.

Os EUA então teriam mandado uma aeronave para Campinas, que teria aterrissado em um hangar na UNICAMP, e levado o ET que estava vivo. Me corrijam se eu estiver errada, mas, até onde eu sei, a UNICAMP não tem hangar – e seria uma estrutura bastante grande para que pudesse ser ocultada. Além disso, uma aeronave americana que entra em solo brasileiro e pousa em uma universidade não seria algo que passaria desapercebido, não é mesmo? A história fica cada vez mais difícil de engolir.

Depois que os EUA levaram a criatura viva, o governo brasileiro decidiu analisar a criatura morta. Chamaram o legista Badan Palhares, que era o chefe do Departamento de Medicina Legal da UNICAMP (na época ele ficou famoso por atuar no caso PC Farias), e pediram que ele faça a autópsia. Porém, quando Badan Palhares foi cortar a criatura, ela reagiu e se mexeu. Foi quando teriam percebido que, na verdade, a criatura estava viva.

O que diz Badan Palhares? Desmentiu isso infinitas vezes e classifica como “constrangedor” o nome dele estar vinculado a uma “mentira fantasiosa criada por alguns ufólogos”. Ok, a instituição e o profissional negam veementemente, mas, se de fato tivesse ocorrido, não acredito que eles falariam abertamente sobre o assunto. Vamos dar o benefício da dúvida e prosseguir.

A criatura viva foi então mantida em cativeiro dentro da UNICAMP e ganhou um nome: Juca. Considerando os nomes que brasileiro escolhe, coisas tipo “Fuleco”, até que não foi tão ruim. De qualquer forma, manter um ET em cativeiro requer uma logística, organização e infraestrutura que eu duvido muito que o brasileiro tenha. Cada vez mais puxado acreditar nessa história.

Juca, o ET, teria sido acomodado em uma gaiola, nos porões da Engenharia Química da UNICAMP. Tem poodle que foge de jaula, mas Juca, cujo conhecimento tecnológico lhe permite viajar entre galáxias, ficou anos atras das grades. E ninguém nunca o encontrou. E não vazou uma foto, um vídeo, nada que ateste sua existência. Estamos chegando num ponto em que, acreditar nessa história exige um grau de fé nível acreditar em intervenção federal.

Esta “área secreta” da UNICAMP que guardaria Juca e outras provas da existência de vida extraterreste (como fragmentos de naves e coisas do tipo) se chamaria “Pavilhão 18”. Porém ela não existe oficialmente. Ninguém que frequente a UNICAMP nunca a encontrou (e quando a história se espalhou, muitos tentaram), ela não está descrita nos mapas, planos de construção ou qualquer documento oficial registrado em órgãos públicos sobre a estrutura da universidade.

Depois do sucesso ao manter Juca vivo em cativeiro, o local teria se tornado referência e qualquer material referente a alienígenas é levado para lá. Dizem ainda que o fato do laboratório ser subterrâneo ajuda a controlar os “poderes mentais” dos Ets e torna mais fácil mantê-los em cativeiro. Esta área existira até hoje, em tempos de celular com câmera, e nunca nada vazou de lá. Complicadíssimo sustentar isso.

A UNICAMP nega que tenha qualquer laboratório secreto, que mantenha qualquer alienígena em cativeiro e que tenha recebido qualquer prova de vida alienígena e já emitiu diversos comunicados oficiais nesse sentido: “A instituição interpreta o assunto como um mito que prosperou no imaginário popular e nega qualquer afirmação ou insinuação a esse respeito.”. Mas, para muitos, inclusive alguns ufólogos que ganham dinheiro com o caso, é tudo mentira para acobertar “a verdade”.

Os defensores da existência do ET de Varginha/Juca afirmam, inclusive, que funcionários do local frequentemente tiram Juca da gaiola, o levam para um local chamado “Observatório” (que nem seria um observatório, é apenas um local alto) e o levanta em direção ao céu, para ver se alguma nave vem resgatá-lo. Imagina a cena: funcionários da UNICAMP segurando o ET estilo “Rei Leão”, esperando uma nave vir buscá-lo.

Muita gente jura que viu o Juca ou que viu vídeos do Juca e que ele ainda está vivo, quase 30 anos depois. Dificilmente você vai achar um ufólogo sério que endosse essa história e certamente você não vai achar esses vídeos. Mas vai achar gente vendendo livro sobre, dando entrevistas (pagas) para revelar “verdades” sem qualquer prova que as embase. Lembre-se: para ufólogo sério, relato não é prova.

O que diz a investigação oficial do caso?

O Inquérito Polical Militar concluiu que as três meninas de fato teriam visto algo, mas era um morador da cidade, com problemas mentais, que ficava vagando pelas ruas. Ele era conhecido como “mudinho” (pois era mudo). No dia em que as meninas o avistaram, havia chovido e ele estaria todo sujo de lama e agachado, ao que tudo indica, cagando em um cantinho escuro.

Curiosamente, “mudinho” morava em frente ao terreno onde o ET teria sido avistado, o que aumenta ainda mais as chances de que ele tenha sido avistado e não um ET. Para piorar, este morador de rua tinha uma doença de pele, o que fazia do seu aspecto de fato algo muito estranho. Obviamente, “mudinho” não conseguiu explicar para as meninas que ele era apenas um ser humano um pouco entranho agachado e cagando, pois era mudo.

Na investigação se diz ainda que, inicialmente, as meninas relatavam ter visto “o diabo”, mas depois, por causa de toda a proporção da boataria envolvendo ET, elas mudaram a versão para um alienígena.

A investigação cita ainda que várias cidades nas proximidades de Varginha possuíam quartéis militares e, portanto, é perfeitamente normal ver o deslocamento de caminhões com militares a qualquer hora em direção ao mato, pois lá eles realizam exercícios. Portanto, a presença de militares no local definitivamente não prova nada.

Nesse caso específico, documentação mostrou que de fato diversos caminhões militares estiveram na cidade na data, para passar por manutenção, pois a concessionária do fabricante estava localizada lá.

Outro fato que é apontado como “prova” é a morte do militar que supostamente teria entrado em embate com o ET para capturá-lo e teria sido arranhado por ele. Segundo esta lenda, ele morreu poucos dias depois, por uma infecção generalizada que os médicos não conseguiram explicar.

A documentação diz que o falecimento do policial foi em decorrência de uma infecção hospitalar após uma cirurgia muito bem explicada e documentada, inclusive divulgaram uma cópia do laudo de necrópsia com este teor.

Somado a isso, várias pessoas relatam terem visto luzes no céu naquela noite. Assim, temos a junção ideal de fatores para consolidar um rumor: três meninas assustadas dizendo que viram um ET, pessoas dizendo que viram luzes no céu e militares indo e vindo na região.

“Mas Sally, se é tão mentira assim, por qual motivo nunca foi desmentido?”. Foi. Infinitas vezes, mas as pessoas não acreditam e a cidade insiste em alimentar o boato, pois esse caso colocou Varginha no mapa e ela fatura muito dinheiro com essa história. A cidade criou toda uma identidade em volta do caso: tour pelos locais onde os Ets foram vistos, restaurante temático, souvenirs etc.

Então, se você quiser abraçar e acreditar no caso do ET de Varginha, vai ter que fazer muitas concessões à lógica e ao bom-senso. Com isso estamos dizendo que nenhum caso de relato sobre alienígena é verdade? Não. Talvez alguns sejam. Mas relato não é prova, é um mero indício que precisa de mais elementos.

Acreditar que uma aeronave veio dos EUA pegar um dos Ets e o outro ficou no porão da UNICAMP ultrapassa todo o bom-senso, lógica e racionalidade. Eu sei que o brasileiro adora se sentir especial e quer muito acreditar que tem um evento ufológico real, mas, vamos combinar, essa história é dura de engolir. Ainda bem que não tinha redes sociais na época, se não veríamos malucos acampados na porta da UNICAMP com cartazes “Free Juca”.

Para dizer que acredita, para dizer que eu tenho inveja pois a Argentina não tem alienígena ou ainda para dizer que vai repensar seu conceito sobre as pessoas que acreditam nesse caso: sally@desfavor.com


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