Fotos de Páscoa.

O texto a pedido do leitor deste mês é temático: “A Páscoa já tá quase aí e eu tenho uma sugestão pra Sally, que não gosta nem de religião nem de criança: comentar fotos e vídeos de pirralhos aos prantos, apavorados com pessoas usando aquelas fantasias de coelhinho bem toscas e malfeitas. Sempre racho o bico com isso”. O desejo do leitor é uma ordem!

Não vou mentir, eu também acho engraçado. Mas ao mesmo tempo que rio, fico indignada com os pais: babacas, escrotos, egoístas, que, em nome de conseguir a foto que eles querem, sujeitam os filhos a um sofrimento desnecessário. O bem-estar dos filhos parece não ser prioridade.

E se fazem esta escolha bosta quando algo pequeno está envolvido (uma foto não é nada) imagina o que acontece quando é preciso fazer uma escolha difícil, uma grande renúncia em nome do bem-estar dos seus filhos. Quem não abre mão nem de uma foto para que seu filho não sofra, certamente não faz coisas muito mais importantes.

Após ver centenas de fotos onde as crianças estavam visivelmente apavoradas, angustiadas e em profundo sofrimento, me caiu uma ficha: não é de hoje, não é por causa das redes sociais, que foto e parecer ser são considerados tão importantes. Desde sempre foi assim. O importante são as aparências.

Na época em que estas fotos foram tiradas não havia redes sociais e, mesmo assim, para estes pais, a prioridade foi a fotinho que eles queriam em detrimento do bem-estar (e provavelmente da saúde mental) de seus filhos. Parece que desde sempre a fotinho era o mais importante, só não existiam meios para que isso se torne tão público.

Pois é, meus queridos, mesmo sem Instagram, a prioridade de muita gente já era a aparência, a foto, a vida pelas lentes e não a experiência, a realidade e o bem-estar dos filhos. A culpa não é das redes sociais, é dos seres humanos mesmo. Com vocês, alguns exemplos bem ilustrativos disso…


A cara da criança já diz tudo. Percebam que não é um choro de manha, daqueles com a mão no rosto ou com os olhos fechados com força. É choro de desespero, de pavor, com os olhos esbugalhados e a boca escancarada. Mais do que choro me parece um grito, um pedido de socorro. Não sei que mãe ou pai em sã consciência gostaria de ter uma recordação do seu filho neste estado de terror absoluto. Percebam que o coelho, discretamente, está imobilizando a criança. O menino parece estar tentando se debater, mas, com uma das mãos o coelho segura o braço e com a outra a barriga. Esse menino nem desenho do Pernalonga deve ter conseguido assistir depois disso.


A menina parece estar tentando fugir, mas um coelho gigante a agarra pelas pernas, inclusive levantando um pouco seu vestido. Meus mais sinceros parabéns aos pais sádicos que, além de forçar a criança a uma situação traumática, de quebra, forneceram material para pedófilos de plantão. Pelas mãozinhas da menina a gente vê que, além de medo, ela está sentindo nojo e agonia desse bicho agarrando suas pernas contra a sua vontade. O tronco se inclina na direção contrária do coelho, mas o animal é mais forte do que ela e a segura com as duas patas. O mais curioso é que tem uma assinatura no canto inferior, à direita: algum profissional envolvido nesta abominação achou que deporia a favor da sua marca registrar que ele teve qualquer envolvimento com essa documentação de tortura infantil.


Chegamos a outro patamar: mais de uma criança sofrendo. Percebam que não apenas o bebê está apavorado, sua suposta irmã também que já tem uma melhor compreensão do mundo está igualmente aterrorizada. As veias saltadas indicam que ambos já estão chorando faz algum tempo, ou seja, os pais as deixaram nessa situação tenebrosa e tentaram tirar várias fotos. O fato dos dois estarem olhando para a lateral indica que, provavelmente a mãe ou um adulto responsável estava ali, elas estão claramente pedindo socorro para essa pessoa que, se supõe, deveria protegê-los e não coloca-los em situação de terror. Em vez de resgatá-los, esse adulto estava mais preocupado em obter uma foto, nem que fosse retratando seus filhos no mais absoluto desespero.


Aqui novamente a situação escalou. Duas das crianças parecem ter conseguido empreender fuga, apesar de que uma delas fugiu se atirando do colo do Coelho e caindo de cabeça no chão. Filho com danos cerebrais? Não importa, o importante é ter foto com o Coelho da Páscoa! Prioridades! Se seu filho despenca do colo de um estranho com a cabeça no chão, você corre para socorrê-lo ou continua fotografando? Depois se perguntam por qual motivo nos EUA tem tanta gente dodói da cabeça que entra na nas escolas atirando. A criança do meio, coitada, não conseguiu fugir, porém é bem claro que ela está se debatendo, uma vez que seu casaquinho virou um cropped e seu nariz está vermelho de tanto chorar. O melhor desta foto é a vibe “foda-se” da pessoa que está dentro da fantasia de coelho, que sequer tenta amparar a menina que despencou e, sendo bem sincera, pela linguagem corporal, parece estar dormindo.


Esta supera todas as outras por um motivo muito simples: a filha da puta responsável por esta foto, não contente em forçar as crianças, ainda participa da foto com um sorriso de orelha a orelha, como se os filhos dela não estivessem em profundo sofrimento. Os filhos estão chorando? Estão apavorados? Foda-se, ela quer ficar bem na foto, ela está sorrindo feito garota propaganda de um comercial de pasta de dentes! Você sabe que reprovou na escola da maternidade quando sua filha está apavorada e estende os braços para que um terceiro a salve, mesmo quando sua mãe está ao seu lado. Sem contar na falta de higiene de deixar seu bebê enterrado nesse Coelho Assolan, que deve conter mais ácaros que carpete de repartição pública. Eu sinceramente espero que os filhos, agora adultos, joguem esta arrombada em um asilo e a deixem chorando lá. Não é normal, não aceitável, não é mentalmente saudável, ficar indiferente ao sofrimento de crianças e sorridente para parecer bem na foto.

Em contrapartida, temos o outro extremo: Coelhos assustadores, demoníacos, aterrorizantes e crianças totalmente de boa com eles. Reparem que os coelhos das fotos anteriores não eram de grande perfeição estética, mas não eram demoníacos. Estes são. E as crianças estão curtindo. Observem o lado B, coelhos tenebrosos e crianças que parecem naturalizar o satanismo.


Este coelho parece estar usando lápis de olho, veste uma capinha de bujão de gás e possuí dedos humanos. Apesar do olhar ameaçador que o faz parecer um serial killer dentuço, a menina está na maior tranquilidade: de mãos dadas com o coelho, sorrindo e com o corpo relaxado. Eu não chegaria a menos de dez metro desse coelho por ter a certeza de que, a qualquer momento, ele poderia arrancar a minha cabeça e fazer embaixadinhas com ela. Não sei se os pais criaram uma criança muito confiante ou se esta menina viu coisas demais em sua casa para ter medo de algo na rua, mas, em qualquer um dos casos, admiro sua coragem.


Este coelho é tão demoníaco que é vermelho. Os olhos brilhantes, o pelo de tapete de banheiro vagabundo, a boca entreaberta ameaçadora, ele é um combo do terror. Mas o menininho de cabelo de cuia está de boas. Nosso pequeno Damien nem mesmo está de braços cruzados, ele está confiante e com o pescoço exposto, algo que nunca devemos fazer diante de um predador. Para piorar, o cenário mais parece Halloween do que Páscoa: escuro, com algo que parece uma lápide vermelha ao fundo. Nada disso parece aborrecer Damien. De fato, se você olhar bem, parece até que o menino está fazendo um favor e que é o coelho quem está tirando uma foto com ele.


Este coelho poderia ser personagem principal de qualquer filme de terror. Certeza que minha pressão arterial subiu quando olhei para a foto. Se deixar um boneco desse coelho no meu quarto, eu vou dormir de luz acesa à noite. O olhar predador, a boca aberta ameaçadora e a forma como as patas imobilizam a criança… Mas o menino está não apenas tranquilo, como sorrindo. Um sorriso maroto muito parecido ao do Pilha quando é preso. A serenidade no olhar de quem deve ter uma faca no bolso e vai degolar o coelho em três segundos caso ele tente alguma coisa. Eu não sei qual dos dois merecia mais estar no “Ei, Você”, o menino ou o coelho.


Fiquei olhando vários minutos, tentando juntar indícios que comprovem que de fato se trata de um coelho. A cabeça deformada exerceu um poder magnético no meu olhar: quem está debaixo dessa fantasia? Rocky Dennis? As luvas pretas com dedos humanos, a postura meio corcunda, as olheiras que dão aspecto zumbi… tudo sobre esse coelho é desconcertante. A menina, entretanto, está modelando. Nem aí para o coelho, o coelho é apenas um apoio para ela exibir sua beleza. Poderia ser o coelho, poderia ser uma pilha de gatinhos mortos, poderia ser o corpo sem vida da sua avó, a menina só quer se apoiar ser linda. Ainda na mais tenra idade, ela já faz cara de modelo com os olhinhos semicerrados e essa boca mole que a gente vê em toda capa de revista. Pode ser que morra? Sim, mas ela está determinada a morrer linda.


Ok, isso aqui é um combo de tudo que é horrível, antiestético e traumatizante. São os anos 80 resumidos em uma foto. Temos um palhaço com cara de sequestrador, um Papai Noel monosselha que parece ter usado a própria barba para limpar vômito e um coelho que parece o resultado da cruza de um membro da Ku Klux Klan com o bonequinho do “Jogos Mortais”. Não vou dizer que a criança parece feliz, mas, diante desse quadro, só o fato ela não estar berrando, com as amigdalas à mostra e toda urinada (que é como eu estaria, ainda que adulta, se estivesse ali) já mostra completa psicopatia. Parece estar com cara de quem não gostou do presente, completamente indiferente aos três cavaleiros do apocalipse que dividem a foto com ela. Em uma das mãos o coelho tem um brinquedo, na outra, com certeza, uma faca. Mas nada disso importa, ao que tudo indica, essa criança perdeu a vontade de viver depois de ter sido exposta a esse cenário.

Se você, assim como eu, foi criança na década de 80, procure por uma foto sua com Papai Noel, Coelho da Páscoa ou qualquer outra figura temática. Isso vai te ajudar a entender se você é um traumatizado ou um psicopata (sim, só existem essas duas possibilidades para quem foi criança na década de 80).

Se você está aos berros na foto, esperneando e tentando fugir enquanto te seguram à força, você é um traumatizado. Se você está de boa no colo de um ser estranho, assimétrico e assustador, você é um psicopata. Desfavor também é autoconhecimento!

Para dizer que você vai dormir com a luz acesa hoje, para dizer que nunca mais obriga seu filho a tirar foto nenhuma ou ainda para dizer que certamente por debaixo dessas fantasias tinha muito pedófilo: sally@desfavor.com

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Comments (14)

  • Robbie, aquele coelho rosa todo besuntado de sangue do Sillent Hill é reconfortante em comparação aos dessa fotos…

  • Estou aqui me esculhambando de rir, agora mesmo, e vem o meu filho de 7 anos e pergunta o que é tão engraçado. Aí eu mostro a foto do pequeno Damien com o “coelho”. Meu filho: o quê essa foto está tentando mostrar? Eu explico que deveria ser o coelho da Páscoa. Ele responde que o coelho parece ser muito malvado, e que – olhem bem, meu filho tem SETE anos – e que ele não entende como a mãe deixou a criança ficar perto desse coelho.

  • Cruz-credo! O “coelho” da penúltima foto deu medo EM MIM! E o bicho da sexta imagem, que também é o da ilustração de abertura do texto de hoje, já se tornou uma referência clássica de “coelho da Páscoa demoníaco”. Tanto que quando a gente faz uma busca no Google Imagens com os termos “Terrifying Easter Bunny”, é essa coisa que aparece logo nos primeiros resultados.

    • Prezado Anônimo, eu resolvi fazer essa busca no Google Imagens que você suegriu, usando exatamente os termos “Terrifying Easter Bunny”, e achei um monte de fotos pavorosas. Mas uma delas me chamou mais a atenção. Esta aqui:

      https://cdnmetv.metv.com/K6G4H-1492098254-embed-02.jpg

      Uma foto em preto-e-branco provavelmente tirada nos EUA durante os anos 50, que mostra uma cena para lá de bizarra. Nela, um “coelho da Páscoa” trajando paletó e gravata, com cara de psicótico, aguarda sentado em uma cadeira enquanto discursa ao microfone para a criançada ninguém menos que o famoso ator norte-americano George Reeves, devidamente trajado como Superman da série de TV que protagonizava na época. É sabido que Reeves tinha que fazer aparições encarnando o personagem em eventos destinados ao público infantil e essa foto deve ser de uma dessas ocasiões. Conta-se ainda que, em um desses shows, Reeves teve muito trabalho para dissuadir um crédulo garotinho que, armado com o revólver do pai, queria atirar para ver, ao vivo, as balas ricochetearem no peito do Superman, tal como assistia no seriado.

      Ah, e as demais fotos que eu achei nessa busca no Google Imagens são mesmo medonhas. Cada uma pior do que a outra…. Criaturas tão horríveis que podem nos dar pesadelos! E acho até que exista material suficiente para uma parte 2 desta postagem, mas quem decide se vai ou não haver mais é a Sally.

  • Há um caso, de 2018, sobre uma mãe americana que ficou putaça por causa de um vídeo viral, feito por uma funcionária de uma pré-escola na Flórida, que mostrava a sua filhinha de 2 anos desesperada de pavor com um sujeito fantasiado de Coelhinho da Pásoca. Detalhe: já no ato da matrícula, essa mãe tinha assinado um documento proibindo expressamente que sua criança fosse filmada e/ou fotografada. Para piorar, a imagem da “thumb” do tal vídeo era a de um frame destacando o rosto da menina transfigurado em uma expressão de puro pânico. Como a petiz era negra, esse incidente também acabou se tornando uma questão racial em discussões online. A coisa escalou a tal ponto que foi parar até em monólogo de abertura de talk show de TV.

    https://www.dailymail.co.uk/news/article-5589003/Video-toddlers-terrified-reaction-Easter-Bunny-goes-viral-family-furious.html

  • Cantarolando:
    “Coelhinho da Páscoa, que trazes pra mim? Muito susto, umas fotos e traumas sem fim…
    Coelhinho da Páscoa, o que meus pais têm? Egoísmo, maldade e carprichos também!”

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