78% da internet é pura mentira, diz estudo.

Segundo os resultados de um estudo feito por um especialista em comunicação digital, faz bem quem desconfia das notícias que consome diariamente por agregadores de sites de notícias e redes sociais: mais de três quartos dos artigos encontrados na análise reportavam informações sem fonte ou obviamente fabricadas.

Oi, eu estava brincando de produtor de conteúdo do século XXI. O estudo nada mais é do que eu olhando meu feed de notícias do Google no celular e presumindo quantas manchetes foram manipuladas para gerar mais cliques. E sim, o especialista em comunicação digital sou eu. Gostem ou não, eu tenho um blog funcionando ininterruptamente há quase 15 anos. Não é muita gente que pode dizer o mesmo.

É muito fácil escrever bobagens na internet. E nem precisamos descer no fundo do poço dos conspiradores, as notícias genéricas do dia a dia já dão conta de muito desse material enganoso. E com o advento dos algoritmos de conteúdo, essas notícias acabam ficando ainda mais chamativas: parece que o celular ou computador sabem os lugares que você frequenta, os serviços que usa, o tipo de conteúdo que consome… e a não ser que você tome muito cuidado em proteger suas informações pessoais, eles sabem mesmo. Em tese é proibido que os algoritmos saibam seu nome e dados de contato como e-mail ou telefone, mas o resto é basicamente livre para coletar, relacionar e mais importante: comercializar.

É por isso que existem tantos sites de “notícias” aleatórios por aí: é um modelo de negócios válido hoje em dia. Você produz conteúdo de baixa qualidade com títulos muito chamativos e tenta conseguir o máximo de cliques para que os anunciantes no seu site apareçam e te paguem. São redações basicamente anônimas, criando artigos e notícias em escala industrial para manter a máquina funcionando. Não importa quem escreveu, não importa nem se é uma pessoa escrevendo, importa gerar o link que vai ser agregado pelo Google ou por outras redes sociais.

A única coisa que importa é ter o tráfego necessário para lucrar. Não há preocupação real com credibilidade ou mesmo satisfação do usuário que caiu naquele site, é só uma armadilha para exibir propagandas. Aliás, é até bom que as pessoas nem registrem muito bem o nome do site onde estão, porque a pior coisa para eles é ficarem marcados. Os nomes são muito genéricos justamente por isso. E não há sofrimento nenhum da parte deles de desfazer um site e refazer com outro nome no dia seguinte: não é sobre ter uma reputação.

E como a guerra por atenção na internet é gigantesca, sai na frente quem consegue gerar mais interesse no primeiro impacto. Ter uma combinação de imagem chamativa e título que desperte curiosidade é quase todo o negócio. O texto dentro do site pode ser nada com nada, tipo resposta enrolação de prova, porque depois que você caiu lá dentro e esperou carregarem os anúncios, boa parte do trabalho está feito.

Muito se engana quem acha que só os anúncios que são clicados dão dinheiro: como publicitário eu sei bem que existe uma estratégia de gerar visualizações. Algumas empresas estão mais interessadas em aparecer muito do que propriamente gerar cliques naquele momento. É algo que vem de tempos imemoriais da publicidade, a ideia de que quanto mais você vir uma marca ou produto, maior a probabilidade de comprar no futuro. Abusando desse objetivo publicitário de alcance, vulgo muita gente ver, esses “sites de notícias” conseguem gerar renda mesmo que quase todo mundo que caia neles ache o conteúdo uma porcaria e saia rapidamente dali.

Tudo isso se une na ideia curiosamente impopular que vou apresentar aqui: o jornalismo tradicional é muito menos problemático do que se repete por aí, e está pagando muito o pato pelos sites sensacionalistas que infestaram a internet. Quem acompanha a coluna “A Semana Desfavor” percebe que a maioria absoluta dos links vem de sites grandes da mídia tradicional, como UOL, Globo, Folha, Estadão, Veja, etc. Porque apesar de sabermos que existem interesses nesses grupos e que não se deve confiar cegamente em ninguém da imprensa, existe uma diferença gritante entre o que esses sites apresentam e o que a “imprensa livre da internet” produz.

Sério: notícias de verdade são reconhecíveis por terem começo, meio e fim, por terem conexão com o título, por não misturar opinião na análise dos fatos (mesmo que tenha opinião no corpo da notícia), por ter alguém que pode ser culpabilizado por informação errada… por mais que você sinta um cheiro ruim de parcialidade nos textos, sabe que existe um nível básico de responsabilidade ali. Tem gente que vai tomar uma bronca enorme ou mesmo ser demitida se escrever algo claramente errado, e que pode ficar queimada na sua profissão se cometer erros seguidas vezes.

Você pode até achar que o veículo de comunicação mais tradicional é tendencioso, mas é diferente dos sites aleatórios que aparecem no seu feed de notícias: o pessoas desses sites de clickbait não existe como entidade responsabilizável, eles somem quando quiserem e fazem outro site parecido dias depois para continuar tudo de novo. Eles não perdem patrocinadores ou assinantes se soltarem uma mentira absurda, eles não tem nenhuma pressão para formar uma base fiel de leitores: o produto não é jornal, o produto é a matéria.

O que me incomoda é que tanta gente ache que o problema da Folha e do “Portal de Parangolê News” é o mesmo. Que fiquem misturando o conteúdo produzido só para gerar cliques com o jornalismo. Não são a mesma coisa. As críticas têm que ser diferentes. É maluquice criticar a Globo porque recebe notícias mentirosas de sites que não são da Globo. Eu acredito que o cidadão médio ainda não percebeu que existem diferenças, ainda tem a mentalidade de que tudo na internet é igual só porque parece igual.

Sim, os sites têm um cabeçalho, um logo, categorias, anunciantes, fotos e textos, mas é só a forma que é parecida. Basta ler os conteúdos para perceber a diferença: jornalistas seguem padrões de escrita pensados para não confundir o leitor, precisam explicar de onde vem suas informações, precisam publicar opiniões em locais separados das notícias. Clickbait é completamente diferente, escrevem algo chocante na manchete, cospem o texto mais rápido que puderem (longo o suficiente para ter um anúncio ou dois no meio do corpo do texto, e nem sempre com conexão direta com o título) e partem para a próxima armadilha de cliques.

Se você achar que os dois tipos são iguais só porque são visualmente parecidos, está pedindo para o stripper vestido de bombeiro apagar o incêndio na sua casa. Criticar o jornalismo olhando para sites de clickbait é um caminho certeiro para ficar cada vez mais mal-informado, vai desconfiar de tudo, menos daquilo que já está disposto a acreditar (vulgo ficar preso na sua bolha). A notícia na página inicial do UOL é um bicho completamente diferente da notícia no seu feed do celular quando você abre o Chrome.

E até por essa questão de saber diferenciar as coisas, eu quero mencionar a infestação de conteúdo de opinião em todos os jornais mais tradicionais. Não que eu seja contra conteúdo opinativo, afinal, o Desfavor seria completa esquizofrenia, mas eu sou contra essa mistura de opinião com notícia nos portais de notícias. Você vê uma matéria tradicional baseada em fatos numa janelinha, e na do lado a opinião de alguém. A divisão não é tão clara assim, e quem monta esses sites tem todo o conhecimento necessário para saber disso. É parte da estratégia misturar as coisas, afinal, o conteúdo de opinião não é obrigado a seguir os mesmos padrões de informação.

O colunista pode fazer títulos berrantes e abordar temas provocativos para gerar cliques, o jornalista precisa se conter para não se queimar. Muito do que chamam de lacração na mídia tradicional está dentro desses conteúdos de opinião enfiados no meio das notícias normais. A mídia tradicional tem culpa de fazer essa mistura por fins lucrativos, mas os jornalistas que ainda se preocupam em tentar acertar pagam o preço com a credibilidade geral do lugar onde trabalham, de forma injusta.

O Desfavor é um site de opinião, mas quando usamos notícias de base, usamos notícias que vem de fontes jornalísticas tradicionais. Te dizemos que é para analisar com cuidado a informação que consome, mas talvez falte dizer essa obviedade: existe uma hierarquia de confiabilidade na internet, e ela termina em perfis ou sites que monetizam polêmicas. A gente pode até se enfiar em temas espinhosos, mas estamos um passo acima do clickbait porque gastamos dinheiro e tempo para escrever aqui por mais de uma década.

E pra ser brutalmente honesto, o Desfavor está abaixo da maioria dos portais de notícias tradicionais no quesito confiabilidade das informações, não porque não nos preocupamos em estudar os temas que abordamos, mas porque nos falta estrutura comparável. Um jornalista com tempo para se concentrar só nisso e recursos (financeiros e técnicos) para buscar mais informações de mais qualidade vai entregar informações mais confiáveis se tiver um nível de dedicação parecido com o nosso. Em nossa defesa, gente que entrega esse nível de dedicação não é tão comum assim. Tem muita matéria preguiçosa na grande mídia, é claro.

É saudável desconfiar de notícias, é saudável pensar duas vezes se o que a imprensa está dizendo não está contaminado por interesses escusos, mas não é saudável apagar da cabeça a diferença entre um profissional e um amador na mesma tarefa. Manchetes meio sensacionalistas de matérias profissionais não são a mesma coisa que títulos clickbait de sites que só existem para exibir anúncios.

Cuidado para não acreditar demais nos outros, cuidado para não acreditar de menos… eu vejo muita gente entrar nesse ciclo de paranoia sobre informação e perder a noção de onde está a diferença entre jornalismo (com todos seus defeitos) e conteúdo que SÓ existe para gerar receita publicitária. Um jornalista tendencioso é melhor que um perdido copiando e colando frases aleatórias só para gerar a próxima chamada apelativa no feed das pessoas.

O cidadão médio parece entender essa questão de jornalismo confiável da mesma forma como lida com conspirações sobre Terra plana: só confiava em notícias da grande mídia por hábito assim como só dizia que a Terra era redonda porque não se importava com o tema. Assim que alguém consegue fazer esse cidadão olhar para o assunto e guiar seu pensamento com narrativas apelativas conspiratórias, ele aceita a versão nova da realidade, por mais maluca que seja. Afinal, não é como se a ideia antiga estivesse lá por algum motivo mais profundo do que “é isso que eu ouvi”.

A derrocada do jornalismo tradicional é um perigo. Especialmente quando ele paga o pato por gente que não faz jornalismo. Clickbait é outra coisa, e mesmo que as grandes empresas de notícias estejam apelando para competir, não é uma comparação direta. O clickbait é um modelo de negócios que imita jornalismo para gerar receitas, e eu acredito que o cidadão do presente e do futuro depende de entender a diferença para não acabar maluco num mundo onde tudo parece mentira.

É impossível que tudo seja mentira.

Para dizer que perdeu a graça depois do primeiro parágrafo, para dizer que essa é só minha opinião (exato), ou mesmo para dizer que o capitalismo foi um erro (o que não foi?): somir@desfavor.com

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Comments (6)

  • Inclusive muitas das mentiras contra políticos de esquerda condenados depois inocentados por falta de provas, porque foram vítimas das mesmas mentiras que muitos acreditaram.

  • Somir, eu sei que o foco do seu texto nem é esse, mas quero tentar explicar, de forma breve, como é que se estrutura uma matéria jornalística bem escrita segundo o que aprendi na faculdade, e baseado no “princípio da pirâmide invertida”. Esse nome vem de sua representação esquemática em livros e manuais de redação, com as informações mais importantes correspondendo à base da pirâmide e aparecendo logo no começo de um texto noticioso sobre um acontecimento, no chamado “lide” (do inglês “lead”). Nesse primero parágrafo, já se procura responder, imediatamente, a seis perguntas fundamentais: 1 – o quê (a ação em si), 2 – quem (os agentes dessa ação), 3 – quando (o tempo), 4 – onde (o lugar), 5 – como (o modo) e 6 – por quê (o motivo). Em seguida, vem o “corpo”, com relatos e descrições mais detalhados do fato e, quando necessário – ou se o espaço disponível da publicação assim permitir – , também inclui-se depoimentos dos envolvidos, com cada um dando sua versão sobre o que ocorreu. Por fim, há o “pé”, com informações complementares que, muitas vezes, deixam ainda um “gancho” para que um mesmo caso e os seus respectivos desdobramentos venham a ser novamente abordados em outras matérias nos dias – ou horas – subseqüentes. Essa “fórmula” clássica de elaborar textos só vale, é claro, para o que em jornalismo se chama de “hard news” (ou factual). Em colunas especializadas e artigos de opinião, há mais liberdade quanto à forma.

    Muitos dos textos que aparecem em sites “de notícias” não seguem esse “princípio da pirâmide invertida” e não respondem logo no primeiro parágrafo àquelas seis perguntas fundamentais; o que já é motivo para , no mínimo, se ficar mais atento com o que está-se lendo. Outras evidências de que um material pretensamente “jornalístico” é na verdade algo meramente sensacionalista e isca de cliques são as que você apontou no seu texto: desconexão entre as partes, palavras fortes, títulos chamativos, informações incompletas, narrativas confusas, opiniões e relatos de fatos misturando-se, etc.

    • Ainda que um portal de factóides/humor deixe claro que são notícia fictícias/exageradas, muitos nem prestam atenção nisso e só ficam no texto em si.

      Lembro de cerca de pouco mais de uma década atrás, que aceitei escrever para um site nessa premissa (ficção, que estava logo na primeira página e após cada “notícia”). O mais comum eram pessoas comentando lá como se fosse real, e depois que percebi que isso estava afetando um grupo cada vez maior de pessoas (até conhecidos que eu achava que prestavam atenção no que liam), abandonei o projeto.

      Meu ponto é: mesmo quando é humor as pessoas acham que é real, e muitas vezes só por ir de encontro a premissas pré estabelecidas.

      • Hoje mesmo me mandaram por Whatsapp um link dê uma “notícia” dizendo que o Neymar tava saindo do PSG pra assinar contrato com o Flamengo. Lá no pé da página, porém, tava escrito bem explícito e com letras grandes que tudo não passava de uma brincadeirinha de Primeiro de Abril. Mas quem me passou o link, ao que parece, nem se deu ao trabalho de ler até o final antes de sair por aí compartilhando.

        • Há pouco tempo, alguém já comentou aqui mesmo no Desfavor que, hoje em dia, ninguém tem mais credibilidade do que o excelentíssimo “Sr. Eulino Zapp”.

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