Sobrevivendo a atiradores.

Estou “roubando” uma coluna da Sally para cumprir meu texto a pedido dos leitores deste mês. A Bárbara A. pediu “um Desfavor Explica de como sobreviver a tiroteios ou ataques em massa em escolas, hospitais, locais públicos, com dicas que a gente possa usar, já que essa merda está virando moda aqui no Brasil.”

A primeira informação importante para se ter na cabeça é que situação de vida ou morte não é lugar de achismo. Para escrever este texto, eu fui buscar informações das fontes mais acostumadas com isso: os americanos. Estou usando guias de várias entidades dos EUA como FBI, NSA e treinamentos dados em escolas de lá.

Parte 1: atiradores.

Corra, se esconda, lute. Nessa ordem.

Se um dia você se vir numa situação com um atirador ativo, é bom que tenha pensado em toda parte teórica antes, porque na hora que você começar a escutar os tiros, precisa reagir imediatamente. O instinto de sair correndo é a sua melhor chance de sucesso. Sua prioridade absoluta é colocar o máximo de distância e barreiras entre você e a fonte dos tiros. Um alvo em movimento é muito mais difícil de acertar.

Com raras exceções, atiradores escolhem locais fechados justamente porque existe uma chance de deixar as vítimas sem ter escapatória. A busca pela vítima fácil vai ser o padrão mais importante para você memorizar nesses casos: faça o que fizer, seja muito difícil de ser pego(a) vulnerável. Sair do lugar fechado é o que vai te salvar 90% das vezes.

Não tente pegar nenhum objeto que não esteja com você, solte qualquer coisa pesada, e por mais que pareça insensível, não tente carregar ninguém ferido para fora. Você pode estar até piorando a chance de sobrevivência das pessoas que já foram atingidas, fazendo elas virarem alvo de novo. Outros adultos devem correr livres, não é inteligente tentar controlar mais pessoas nessa hora. Se você estiver cuidando de uma criança, não tem que explicar nada: só a agarre com toda sua força e leve-a embora dali. Crianças são instintivamente guiadas a só ir junto com os adultos na hora do aperto. O instinto salva vidas, use-o.

Mais uma coisa: correr em zigue-zague pode ajudar a te fazer mais difícil de acertar, mas se você perder tempo fazendo isso, só vai piorar sua situação. Corra em zigue-zague se estiver em lugares muito abertos, fora isso lembre-se que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta.

Seu cérebro é o resultado de bilhões de anos de tentativa e erro para aumentar as chances de sobrevivência, ele não te manda correr à toa. Na medida do possível, corra na direção oposta ao som dos tiros. Mas não fique perdendo tempo calculando de onde eles estão vindo, especialmente em locais fechados, tiros geram muito eco e podem te confundir. A sua missão é encontrar uma saída, só mude de direção se ficar claro que está vendo o atirador.

A palavra-chave para todas as ações aqui é comprometimento: é melhor tomar uma decisão e seguir em frente do que ficar recalculando rota o tempo todo. O atirador quer um alvo parado, e você nunca vai estar parado. Os americanos dizem que se você encontrar uma saída para a rua, sair com as mãos visíveis e vazias. Nunca se sabe qual a reação de um policial treinado, imagina só um policial brasileiro médio.

Apenas e tão somente apenas se você não tiver caminho para sair do lugar, você deve se esconder. É uma decisão difícil, mas às vezes é necessária. Nas escolas americanas eles ensinam as crianças a ficarem quietas embaixo da carteira sob a proteção do professor(a), porque criança vai fazer besteira se sair correndo sozinha. Se esconder é a segunda melhor opção, mas é uma opção.

Se você perceber que o atirador está entre você e a saída, é hora de sair de vista. Repito: atiradores querem alvos fáceis, porque sabem que não vão ter muito tempo. Uma porta trancada já costuma ser problema demais para a pessoa fazendo o ataque. Essa coisa de atirar em fechadura é palhaçada de filme, a chance de sucesso não é das melhores. E francamente, você não vai lidar com um homem gigante de forte que pode derrubar portas com uma ombrada. Uma porta já pode salvar sua vida.

O que os filmes ensinam de bom é que barricadas são uma boa ideia: se conseguir, coloque móveis pesados na frente da porta, para que ela fique muito difícil de ser aberta. Não tente segurar a porta com o corpo, porque madeira não protege de tiros. Se a porta não tiver tranca e você não puder colocar algo para travar a porta, você não está lá bem escondido. Mas é melhor do que nada, atiradores gostam de alvos fáceis, e só de sair da vista dele você já está um pouco menos fácil.

E isso é algo que você vai ter que colocar na memória agora, antes de precisar pensar: desliga o celular. Seu instinto vai te dizer para ficar quieto nessa hora, mas a máquina no seu bolso vai apitar como se nada, entregando sua posição. Trancou a porta? Fez barricada? Abaixe-se e desligue o celular. Não tem nenhuma informação importante chegando antes da polícia te encontrar.

Sim, abaixe-se: é inegável que a melhor posição para evitar tomar um tiro aleatório é deitado(a) no chão. Não é ideal ficar deitado nesse caso porque você pode ter que sair correndo de novo ou ir para a fase da luta, mas ficar agachado vai aumentar muito sua chance de sobrevivência.

Novamente: comprometimento. Se você está se escondendo, você está se escondendo. Não é para sair para olhar o que está acontecendo, não é para esperar até a hora de correr… não. Você vai se esconder até a polícia te achar. Tomou uma decisão, fica com ela. Mudar de ideia vai diminuir sua chance de sobrevivência. Você escolheu se esconder, se esconda muito bem.

Somente, e tão somente se você for descoberto ou estiver prestes a ser descoberto pelo atirador, parta para a luta. Todo mundo acha que na hora do perigo vai lutar, mas é muito provável que você trave de medo. Não é que você é fraco(a) ou incapaz, é que essa é uma reação fisiológica comum. Infelizmente seres humanos travam nessa hora. Para diminuir sua chance de travar, já coloque na cabeça agora que se você der de cara com um atirador, ele vai te matar. Não é uma pessoa com a qual se negocie, não é uma pessoa que vai ter pena de você, é uma pessoa que vai te matar na primeira chance que tiver.

Os manuais dos americanos dizem: se não der pra correr e não der para se esconder, ataque. Ataque rápido, ataque em bando, ataque da forma mais covarde que puder. Você tem um alvo preferencial: a mão da arma. Lembre-se, essa é a situação em que você pode tudo, todo o seu arsenal de maldade e crueldade pode ser usado livremente. Não tem golpe baixo, não tem exagero, não tem nem preocupação com ser criminalmente punido depois, o atirador é alguém tentando te matar, você tem a legítima defesa.

Jogue coisas nele, grite, cause o maior caos possível quando se decidir pelo ataque. Pode ser um maluco homicida, mas ainda tem todos os pontos fracos de um ser humano. A surpresa está do seu lado, não espere estar na mira de uma arma, porque aí sua chance de escapar já está zerando. O timing correto é antes do atirador conseguir apontar a arma para você, mas depois de você saber que ele vai te ver. Decidiu que é hora de atacar, ataque antes de estar na mira. Não espere por misericórdia, é estatisticamente mais eficiente atacar do que implorar. Não é uma pessoa “normal” te atacando.

Atacar o atirador com várias pessoas é melhor, se estiver escondido com mais adultos capazes, divida as tarefas: um pega a mão, outro tapa os olhos, outro tenta segurar as pernas, assim por diante. Qualquer objeto sólido cujo peso você aguenta pode ser uma arma. Se só tiver uma chance de bater ou jogar algo, mire na arma. Se não for possível, coloque toda sua força numa pancada na nuca ou bem no centro do rosto. Na vida real as pessoas não costumam desabar com um só golpe, então é, novamente, questão de comprometimento: se vai atacar, ataque até ter certeza de ter imobilizado, incapacitado ou matado o atirador.

E importante: se for um moleque de 12 anos ou um marmanjo de 30, o simples fato de estarem tentando te matar com uma arma de fogo te dá liberação total para atacar com força letal. Quer bater papo contrata um psicanalista, essa é uma situação de vida ou morte. O atirador te obrigou a ser brutal. Claro, não é para pular em cima da cabeça de alguém desacordado ou executar o atirador rendido, porque isso vai te dar dor-de-cabeça legal depois.

Vamos revisar?

Corra se puder. Corra rápido na direção de uma saída que não cruze com o atirador. Se o atirador estiver no seu caminho de saída, se esconda. Quando se esconder, coloque barreiras entre você e ele, desligue o celular e fique abaixado. Se o atirador estiver chegando perto e você não tiver como continuar escondido, ataque a arma com tudo o que tem e com o máximo de covardia possível. Em todas as etapas, comprometimento: tomou uma decisão, fica com a decisão. Você está seguro quando estiver longe do atirador ou quando a polícia vier te tirar dali.

Parte 2: armas brancas.

Nos EUA todo mundo tem armas, então eles nem pensam muito em ataques com facas, machados e outros objetos cortantes. No Brasil a possibilidade é maior, tenha em vista os dois últimos ataques a escolas. Então, vamos ver o que se faz de diferente quando você sabe que tem alguém atacando, mas não ouve tiros:

Corra, se esconda, lute. Nessa ordem.

É claro que você não pode mudar a lógica geral da coisa. Mesmo uma pessoa franzina com uma faquinha de pão pontiaguda pode te matar num golpe só. Facas e machados são usados como armas há milênios por um motivo. Você vai correr de um moleque espinhento com uma faca como correria de um soldado profissional com um rifle de assalto. É sempre mais eficiente no curto prazo sair de perto da fonte do perigo.

Se você for jovem ou saudável o suficiente para conseguir correr por um minuto que seja, é só não passar muito perto de quem está atacando que você vai conseguir se livrar. Se correr for um sacrifício para você ou se algum motivo te faz ser lento, ainda é melhor ir na direção da saída do que ficar parado.

Mas aí entra a escolha de se esconder: se você não tiver velocidade ou espaço livre para passar longe da pessoa com a arma branca, coloque uma porta trancada entre você e ela. Barricadas não atrapalham, e só para garantir, é bom ficar abaixado(a) também, os policiais podem começar a atirar… desliga o celular de novo, não queremos chamar atenção.

Talvez a maior diferença entre o atirador e a pessoa atacando com armas brancas seja a sua decisão de atacar. Ela pode ser atrasada nesse caso, porque a pessoa com um objeto cortante precisa chegar perto para te ferir. Sim, tem como jogar facas e machadinhas, mas você não está enfrentando o Rambo. A chance de ser ferido mortalmente por algo assim é mínima.

Muita gente pode ter a ilusão que é tranquilo atacar alguém com um objeto cortante. Não é. A não ser que você esteja jogando pedras ou coisas pesadas, tem que entrar no campo de ação da faca para atacar a pessoa. Se você não precisa ficar perto de alguém com uma faca, não fique. Mantenha distância, use objetos como cadeiras e mesas para improvisar um escudo, não pense em desarmar o maníaco se ele não estiver te atacando diretamente (ou uma pessoa que você quer defender).

Facas vão te matar. Uma furada na barriga já pode te colocar à beira da morte mesmo se você tiver toda a estrutura de um político famoso, como aconteceu com o Bolsonaro. Você não é à prova de cortes. Não ache que é fácil lutar contra alguém com uma faca ou um machado, não é. Se precisar, lembre-se do comprometimento e de atacar a mão que segura a arma primeiro. No caso do atirador, você só para quando um dos dois estiver incapacitado, no caso da pessoa com arma branca, dá para mudar de ideia se estiver dando errado. Se você não tiver força para manter o atacante imobilizado ou para machucá-lo o suficiente, corra de novo. A coisa que mais salva vidas contra objetos cortantes é não estar perto de objetos cortantes.

Contra armas de fogo ou armas brancas, a regra é a mesma: corra, se esconda, lute; sempre nessa ordem. E quando escolher uma opção, fique com ela. Não tente ser herói, não tente retirar feridos do lugar, não se preocupe com objetos deixados para trás; só corra, se esconda e em último dos casos, lute da forma mais escrota e covarde possível e imaginária. Não existe honra nesses casos, existem vítimas e sobreviventes.

A pessoa que está atacando tende a querer o mais fácil e menos perigoso, qualquer coisa que você fizer para tornar mais difícil a vida do maníaco vai te ajudar muito. Quem não tem plano e não tem conhecimento trava, e gente que trava acaba sendo recolhida mais tarde pelo IML.

Espero que você nunca tenha que passar por isso. Mas se passar, decora para ser automático na hora: corra, se esconda, lute.

Para dizer que sua solução é rezar, para dizer que tudo isso é óbvio (não é na hora do pânico), ou mesmo para dizer que já viu muitos filmes e sabe o que fazer (não sabe): somir@desfavor.com

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Comments (4)

  • Acabo de ver no YouTube um vídeo relativamente recente do canal Núcelo Dharma – que eu já mencionei aqui algumas vezes – , cujo assunto é justamente “como sobreviver a tiroteios”, e que reforça algumas das coisas que o Somir disse em seu texto:

    https://www.youtube.com/watch?v=l8u7Ny5WhZc

    Não custa repetir também que esse canal “Núcleo Dharma” é um dos poucos sobre defesa pessoal e artes marciais que merece uma olhada, justamente porque trata do assunto de forma direta e realista, com bom senso e sem mistificações.

  • Esse cenário do celular me fez pensar em uma outra situacao: se alguém escondido começa a usar as redes sociais para pedir ajuda, e a imprensa informa isso, mesmo que genericamente para não entregar alvo.

    Aí fico pensando se os atiradores de certa forma souberem disso, começando a atirar em tudo que é parede ou no teto para pegar quem teriam deixado passar.

    Até porque não dá pra confiar na imprensa. Em outro contexto, quando houve o sequestro dos atletas israelenses na Olimpíada de Munique, a polícia e a imprensa cercaram o prédio, e as câmeras davam zoom em todos os policiais que tentavam invadir o prédio. E os terroristas vendo tudo pela TV…

    • Fazer o L e fazer arminha era coisa de GADO

      Por essa questão eu tendo a manter certo sigilo quanto a táticas de engenharia social utilizadas principalmente por golpistas para evitar que os mesmos aprimorem considerando os pontos fracos aventados e se aprimorem no sentido de construir táticas mais eficazes no sentido de conseguir os resultados.
      Em tempo, grandes empresas já vem se utilizando de engenharia social com o objetivo de melhorar os resultados em seus negócios. A TIM por exemplo vem utilizando de mensagens de SMS com engenharia social com vistas a melhorar o tiquete médio em cima de clientes pré-pagos.

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