
Brincadeira?
| Sally | Flertando com o desastre | 10 comentários em Brincadeira?
Vamos conversar sobre brincadeiras? Aqui no Desfavor amamos brincar com tudo e todos, mas, quem é nosso leitor sabe que existe uma regra de ouro: não violar a confiança do leitor (exceto em um único dia do ano, o Dia do Troll, onde avisadamente isso pode acontecer). Uma brincadeira que viola a confiança do outro em você não é saudável. Ainda assim, parece ser algo normalizado no Brasil.
Tempo de leitura: 21 minutos
Resumo da B.A.: O texto fala sobre as civilizações originárias nas Américas, principalmente sobre os yanomamis no Brasil, explicando seus ritos, cultura e ancestralidade.
O fato de ser uma brincadeira não quer dizer que não deva ter limites. Uma brincadeira que magoa a pessoa que você ama não tem graça. Ao contrário do humor, de uma piada, que podem não ser consumidos caso desagrade, uma brincadeira que uma pessoa do seu convívio faz com você não é algo evitável. Justamente por isso, demanda um cuidado maior. Uma brincadeira que viola a confiança que a pessoa tem em você é, além de escrota, contraproducente.
Como saber se uma brincadeira viola a confiança que a pessoa tem em você? Simples, a premissa para a brincadeira implica em usar a confiança que a pessoa tem em você para enganá-la, ainda que de uma forma aparentemente inofensiva? Viola a confiança. E é bem escroto.
Um exemplo clássico é fingir que está machucado, para assustar a pessoa. Fingir que está tomando um choque. Fingir que está acontecendo qualquer coisa que assuste a outra pessoa. Outro exemplo é atrair a pessoa para uma situação na qual você vai assustá-la, humilhá-la ou induzi-la a erro.
Existem infinitas formas de brincar. Existem infinitos recursos de humor. Existem infinitos estímulos que podem te divertir e divertir as pessoas com as quais você está interagindo. O que nos leva à reflexão: por qual motivo escolher uma brincadeira cuja premissa é abusar da confiança do outro? Uma brincadeira cuja premissa é usar a confiança que a pessoa tem em você para enganá-la? É um sintoma. É um sintoma de algo bem errado com o autor da brincadeira.
Provavelmente baixa autoestima, que se compensa com a gratificação de enganar o outro, de ser aquele que tem o domínio da situação, de ser aquele que detém o poder naquele evento. De fato, geralmente esse comportamento vem de pessoas sem muito poder: empregados que são obrigados a ser pau mandados de chefes, por exemplo, que nunca chegam a ocupar um cargo de poder.
A forma da pessoa conseguir algum poder, alguma sensação de controle, é escrotizando quem confia nela. Nossa, espertão você, enganou sua esposa, tapeou seu filho pequeno, induziu sua mãe a erro.
Quem nunca viu um pai tosco que pega um bicho que o filho tem medo e joga dentro da camiseta da criança e fica rindo? Periga até dele dizer que é brincadeira “para ele perder o medo”. Depois, quando é jogado em um asilo na terceira idade (pois esse comportamento costuma ser reiterado e perdurar por toda a vida), chama o filho de ingrato. O fato de ser pai ou ser filho e alguém não garante amor automático, esse amor precisa ser cultivado e cuidado. E uma das principais formas de cuidado é cultivando a confiança.
Quem nunca viu um neto que liga para a avó, cardíaca, e diz que foi sequestrado, enquanto rola de rir do outro lado da ligação? Imagina a carência de amor que essa pessoa tem para ter que emular uma situação de desespero em alguém, para, através dessa reação de desespero, confirmar que é amado.
O que quero dizer é que essas pessoas que fazem brincadeiras que traem a confiança nem sempre são más pessoas ou sádicas. Acredito que a maior parte das vezes elas nem percebem o que fazem, apenas fazem. Na maior parte das vezes é baixa autoestima e mecanismo de compensação mesmo, de forma inconsciente.
Mas, ainda assim, são uns escrotos e deveriam se comportar de forma mais digna com aqueles que amam. Taí uma sutileza difícil de explicar: é possível ter um comportamento escroto sem ser um filho da puta. Mesmo que um comportamento seja perpetrado sem que a pessoa perceba que aquilo é nocivo, continua sendo um comportamento escroto. Talvez a pessoa não seja uma escrota, mas o comportamento o é.
É perfeitamente possível brincar com as pessoas que confiam em você sem assustá-las, sem enganá-las ou sem trair sua confiança de qualquer outra forma. Se, dentre as inúmeras opções, você escolhe uma brincadeira que engana o outro, desculpa, mas seu prazer não está na brincadeira e sim no enganar. A brincadeira é só um álibi para que você possa dar vazão a isso de uma forma aparentemente “inofensiva” e socialmente aceita.
E geralmente quem faz costuma ficar bem reativo quando escuta esse tipo de crítica que eu estou falando, pois desmonta um mecanismo do qual a pessoa precisa muito. Vai ter comentário me chamando de fresca, amargurada e similares.
A pessoa precisa dar vazão a essa escrotidão com o outro acreditando que não causa mal algum. Quando você esfrega na cara da pessoa que o ato, por si só, independente da reação do outro, não é saudável, tira dela esse recurso e ela fica muito, mas muito puta.
Ainda que a pessoa alvo da brincadeira não fique puta, isso vai minando a confiança. Frequentemente a pessoa se perguntará se o que você está falando é verdade ou mais uma “brincadeira”. Frequentemente a pessoa vai desacreditar. Frequentemente a pessoa não levará a sério, ainda que internamente. Frequentemente a pessoa se pegará se defendendo, se precavendo contra uma possível brincadeira. Não é saudável viver assim. Uma vida saudável exige confiança plena, relaxamento, parceria incondicional.
Algumas pessoas aceitarão, encarando essas “brincadeiras” como uma forma de demonstrar afeto. O problema está no pacote que vem disso. Uma pessoa bem-resolvida, com boa autoestima, com saúde mental em dia, não vai achar graça de brincadeiras que minam a confiança. Então, quem fica, só fica por ter alguma bagagem, bagagem essa que o outro quase nunca gosta.
“Só atraio gente maluca”, dirão. Como se fosse um grande azar. Ou deprimidos. Ou qualquer outro grupo com qualquer outro problema. Pois é, quando você perpetra um comportamento disfuncional, é isso o que acontece, você atrai pessoas disfuncionais. Quem não é disfuncional não tem interesse em ficar ao seu lado. Mas, em vez de refletir sobre isso, a pessoa prefere presumir que todas as mulheres/homens são disfuncionais.
Tudo piora se a pessoa fica muito enraivecida quando é deixada “nua”, quando se aponta o que está por trás dessas “brincadeiras”, do mecanismo que a faz escolher esse tipo de brincadeira. É quase certo que venha ataque para quem informe não gostar disso.
A pessoa intimida, quer convencer a outra que ela é histérica, chata, não tem senso de humor, por não gostar de brincadeiras que minem a confiança. E isso, senhores, é text book de agressão psicológica: tentar convencer o outro de que ele não tem direito de desgostar de algo que você é ou faz, pois implicaria em uma característica negativa para a pessoa que reclama.
“Então quédizê que não pode mais brincar com as pessoas que você gosta?”. Não, Pessoa Quer Dizer, não é isso. É perfeitamente possível brincar de infinitas maneiras que não envolvam violar a confiança do outro. E se você não consegue pensar em nenhuma delas, bem, sugiro procurar terapia.
“Mas eu sei que não estou violando a confiança ao fazer essas piadas porque a pessoa não fica puta”. Então. Violar a confiança não é sinônimo da pessoa ficar puta. Mesmo que a pessoa não fique puta, se você usou a confiança que ela tem em você para induzi-la a um erro e fazer disso algo supostamente engraçado, violou a confiança sim.
A pessoa, mesmo sem sentir raiva ou mágoa, confiará menos em você, duvidará mais, se perguntará se é piada. Não está no seu controle. Não existe forma de fazer isso sem abalar a confiança que a pessoa tem em você. Sinto muito informar, mas atos tem consequências e se você usa a confiança que a pessoa tem em você para enganá-la, ainda que com uma finalidade inofensiva, isso compromete a confiança sim.
Pode nunca ser um problema, mas pode vir a ser. Conheço um casal cujo marido se regia por essa dinâmica e, um dia, teve uma câimbra na piscina e começou a se afogar. Pediu ajuda aos berros, pois não conseguia nadar até a borda, e a mulher ficou berrando do lado de dentro “Para de graça, Fulano” e não socorreu. Esse tipo de coisa pode acontecer.
E, mesmo que não aconteça um acidente, sempre há prejuízo. Como já dissemos, o grande prejuízo começa no filtro: que tipo de pessoa topa essa dinâmica. Te asseguro que o pacote da pessoa que aceita isso vem com muitos problemas que, cedo ou tarde, vão se manifestar.
Além disso, quando essa dinâmica é levada para filhos, especialmente crianças, os problemas se multiplicam. “Sempre fiz isso com meu filho e ele está ótimo”. Olha, seu filho pode não ser usuário de drogas ou criminoso, mas emocionalmente eu te asseguro que ele não está ótimo não. Ele tem sequelas disso.
Obviamente negadores negarão, a pessoa precisa acreditar que é ok e que é saudável fazer brincadeiras que violem a confiança dos outros, pois ela realmente precisa continuar fazendo. Tá certo. Continuem. Bem longe de mim.
Se eventualmente uma alma boa que fazia isso sentiu cair uma ficha e percebeu que não é legal, maravilha, este texto foi útil. Porém duvido bastante, é um mecanismo de compensação do qual a pessoa precisa muito, dói muito para a pessoa abrir mão dele.
O mais provável é que pessoas que são alvo destas brincadeiras que violam a confiança leiam este texto e pensem “Então é legítimo que eu não goste?”. E é para elas que eu escrevo este texto: sim, é legítimo e saudável não gostar dessa dinâmica.
Obviamente, quem promove esse comportamento vai tentar de todas as formas desmerecer o seu repúdio, te imputando qualidades negativas (maluca, fresca, não tem senso de humor). É o que manipuladores e pessoas fodidas da cabeça fazem: não te dão o direito de criticá-las sem que isso cole em você algum rótulo negativo. Pense muito bem se quer ficar com uma pessoa assim.
Até com animais esse comportamento é indesejado. O clássico exemplo é o tutor que pega e finge que joga uma bolinha e não joga, deixando o cachorro confuso. Parabéns, como você é espero, você enganou um animal de rabo. Essa brincadeira só é divertida para você e é sintomático que você se divirta ao criar uma situação na qual tem o controle completo dos atos e o outro faz papel de bobo, fica confuso ou ansioso graças a uma artimanha sua.
Quem for mais velho ou mais tosco vai dizer que não tem problema algum e que o animal não se importa, se diverte. Mas quem conhece um pouquinho a psicologia canina sabe que isso mina a confiança do seu cão em você, podendo gerar comportamentos ansiosos no longo prazo. Se você quer ter um cão (ou um filho) equilibrado, ele tem que saber que você será consistente, coerente e verdadeiro o tempo todo.
Brincando a gente diz e mostra um monte de verdades sobre nós mesmos. Quem escolhe a mentira como veículo para brincadeira, está te dando uma baita dica sobre si mesmo. Escute.
Eu cheguei a sair com um rapaz que tinha dessas brincadeiras. “Hihihi trollei”, “kkk tá nervosa, tá?”
Uma bela vez determinei que bastava pra mim e bloqueei o cidadão, depois de comunicar repetidas vezes que não gostava dessas brincadeiras e ser ignorada. Veio irmã dele me xingar dizendo que induzi ele a ataque de pânico, que ele não tava conseguindo comer, trabalhar, etc. Essa irmã inclusive que ele disse que vivia se envolvendo com homem violento que batia nela.
Não demorou para o próprio cidadão dias depois fazer fakes e atacar meus amigos pelo Facebook. Aí ameacei fazer um B.O. e os ataques pararam, mas eu saí como a vilã da história.
Isso foi um recado para eu rever quem eu andava procurando para relacionamentos, bem como um aprendizado para nunca se envolver com pessoas que fazem esses tipos de “brincadeira”. Você só se envolve com gente assim se você também não estiver bem da cabeça.
Pois é, Ana. Gente que faz isso implica em um combo muito complicado. Para que a pessoa se sinta confortável para fazer algo assim tem coisas muito quebradas dentro dela. Melhor manter distância.
Uma coisa é ser bem humorado e espirituoso. Outra, bem diferente, é ser um joselito que só faz joselitagens.
Sei que essas duas coisas dizem perfeitamente por si, mesmo assim “alerto” que já tive três (
semi-vagabundospares com status de superiores) assim no meu ex-trabalho…E eu que saí como vilão/antissocial da história.“A pessoa intimida, quer convencer a outra que ela é histérica, chata, não tem senso de humor, por não gostar de brincadeiras que minem a confiança. E isso, senhores, é text book de agressão psicológica: tentar convencer o outro de que ele não tem direito de desgostar de algo que você é ou faz, pois implicaria em uma característica negativa para a pessoa que reclama.”
É bem difícil desfazer esse condicionamento quando você convive com a pessoa há muito tempo. Quando conversar não adianta e a pessoa só diz que você é chata, é porque está na hora de tirar ela do seu convívio. Tem uma grande diferença entre saber rir de si próprio e não ter respeito próprio suficiente pra deixar as pessoas te tratarem assim. Aliás, não é bom deixar ninguém tratar nossos amigos assim também. É mais difícil sustentar esse tipo de agressão quando a pessoa vê que o alvo da brincadeira não está sozinho.
Sim, o ideal é se afastar. Acho que o grande porém é que para virar as costas e se afastar sem receito a pessoa tem que ter a autoestima boa, se não, fica preocupada com o que o outro vai pensar, com o que o outro vai falar, fica se perguntando se não é exagero seu, se o outro não está no direito dele de brincar assim…
Infelizmente este é um assunto&justificativa para ainda ter muito o que separar defesa da liberdade de expressão daquelas turmas “brincar é meu pedestal”, ou seja, no fundo um “vou achar que é censura se mostrar que não gostou”.
Pois é, espero que sempre exista Dia do Troll e, mesmo assim, existem vítimas principalmente presenciais de esculhambações que não passam disso.
É o mesmo BMsil de + tipos de trote de sequestro (já fui imitado para minha mãe sem nunca ter descoberto quem).
Já é um absurdo fazer um trote sequestro com a própria família, fazer com a família dos outros é digno de porrada!
Caralho… Difícil de acreditar que tem gente capaz de fazer esse tipo de coisa… O que essas pessoas têm na cabeça? Merda?
https://www.desfavor.com/blog/2009/06/sally-surtada-sindrome-da-falsa-superioridade/