Desfavor explica: A Teoria do Caos.

ATENÇÃO: ESTE TEXTO PODE COMEÇAR A NÃO FAZER SENTIDO REPENTINAMENTE.

Este desfavor explica era sobre o Determinismo, mas inexplicavelmente se transformou num texto sobre a Teoria do Caos. O original, com uma desistência vergonhosa no meio do caminho, está disponível para seu sofrimento aqui. (Repito algumas coisas aqui.)

Tudo tende ao caos. Desde uma gota de tinta azul numa lata de tinta amarela até mesmo aquela reunião da terceira idade onde batizaram o ponche com Viagra. Se você tem dificuldade de entender como tanta coisa não faz o menor sentido neste mundo, azar. Este texto só vai piorar as coisas. Cada vez que a palavra “CAOS” aparecer em letras vermelhas, o texto vai ficar mais confuso. Preparem-se.

Para falar do Determinismo, eu precisei entrar no assunto de “ilusão da escolha”, e tomei uma SURRA da minha própria argumentação até não conseguir mais montar sequer uma frase coerente. Quanto mais se tenta controlar o resultado de um evento, pior fica a confusão gerada pela imprevisibilidade dos fatores que o influenciam.

E se eu volto a falar de “ilusão da escolha” é para falar também sobre a “ilusão da aleatoriedade”. E é aqui que o caos faz sua morada. De forma bem simplista, o caos nada mais é do que o conhecimento humano dizendo: “Ah, foda-se!”.

O caos é a cagada do universo na nossa cabeça.

CAOS

Não existe algo realmente aleatório. Causa e conseqüência são fatores que regem tudo o que existe. O que pode acontecer e acontece com imensa freqüência é não percebermos qual foi a causa ou mesmo não poder medir a conseqüência. Aleatoriedade é uma forma de dizer que nem mesmo os cientistas mais sem vida do mundo conseguem analisar todos os eventos que geram uma conseqüência complexa.

Dizer que o Sol vai nascer no horizonte sem falta na manhã seguinte é uma previsão fácil. Temos informações confiáveis que ele faz isso desde que o mundo é mundo e não temos notícia de nada com a força necessária para intervir neste resultado.

Dizer que vai uma massa de ar quente vai se tornar um furacão em coordenadas específicas já é uma previsão pra lá de complicada. Apesar de várias informações sobre o assunto estarem disponíveis, processá-las pode demorar demais. E algum elemento que passou despercebido pode influenciar seriamente o resultado.

Não é à toa que a Meteorologia é uma das ciências mais odiadas pelo cidadão comum. Às vezes de posse de equipamentos milionários em mãos eles conseguem errar se vai chover ou não na sua cidade! Não parece uma senhora de uma sacanagem?

Não é. Vivo ouvindo e lendo pessoas (quase sempre religiosos) dizendo que a ciência vive errando. Que teorias bisonhas e ridículas já passaram como verdade.

Bom, jamais se esqueçam disso: É DIFÍCIL PRA CARALHO! Cada pequeno avanço científico depende de muito estudo e de bater de frente com um universo que ri da nossa cara cada vez que achamos que temos certeza de algo. A Teoria do Caos fala especificamente sobre como chega um ponto em uma análise em que são tantas variáveis dependendo de tantos outros fatores que simplesmente não dá para chegar numa conclusão definitiva.

Normalmente se exemplifica o caos com um exemplo chato sobre ondas num lago ou a famosa gota de tinta. Quem acompanha o desfavor explica sabe que isso é pouco. O desfavor explica tem que chutar o balde. (Ha)

CAOS

Vamos seguir algumas horas na vida de Roberval:

22:48 – Roberval chega até a “casa noturna” Galinha d’Ouro na companhia de dois amigos, Valdemir e Teco. Roberval nem queria estar lá, mas fora incapaz de negar os apelos de seus companheiros. Ele tem a sensação de que o fato dos seguranças estarem armados com metralhadoras não é bom indicador.

22: 56 – Roberval entra na fila, imaginando que apesar de tudo, ninguém se meteria a besta num lugar daqueles. Único ainda sóbrio do trio, sente vergonha alheia por ver Valdemir flertar com uma mulher cujo frondoso buço rivalizava com o seu.

23:21 – Adentrando a boate e percebendo a penumbra do ambiente, alivia-se com a idéia de que por mais que seus amigos aprontem com barangas, ninguém vai perceber. Convencido a começar a beber para se soltar um pouco mais, Roberval percebe que o lugar não é tão ruim assim, considerando a proporção generosa de mulheres para cada homem.

23:58 – Roberval é abordado por uma bela morena chamada Giovana, que o oferece uma dose de uísque. Simpática e atenciosa, ela parece muito interessada. Enquanto paquera, Roberval percebe que Valdemir está se atracando com uma loira num dos cantos escuros e que Teco está tentando agarrar a dançarina na plataforma.

00:15 – Roberval começa a ficar zonzo. O sorriso de sua acompanhante começa a se transformar num borrão. Prestes a apagar, é interpelado por Valdemir, que com uma feição furiosa, diz que quer ir embora. Com essa dose de incentivo, afasta-se do balcão do bar e se escora em seu amigo.

00:16 – Som de tiros. Lutando para se manter consciente, Roberval escuta a gritaria e é derrubado pelo fluxo de pessoas fugindo desesperadas. Mais tiros. Roberval mal consegue entender o que acontece ao seu redor, mas tudo começa a girar e ele sente que não vai conseguir ficar acordado.

00:17 – Antes de apagar, Roberval ainda enxerga Giovana ajoelhada sobre ele, falando ao celular.

04:32 – O som de uma discussão vai crescendo lentamente até que nosso protagonista consiga abrir os olhos. Levantando a cabeça para seguir o som, depara-se com Teco, todo ensangüentado, batendo boca com um gigantesco segurança. Roberval percebe que está caído num sofá, circundado por uma poça de vômito.

04:33 – “Eu vomitei?” – Diz Roberval.
Valdemir, que estava em pé, próximo, responde envergonhado que não. Roberval pula do sofá, enojado. O segurança deixa de falar com Teco e dirige-se ao recém desperto Roberval.
“Escuta aqui, alguém vai pagar pelo carro do chefe…” – Diz o leão-de-chácara.
“Carro do chefe?” – Roberval ainda tenta entender o que aconteceu.
“Foi aquele maluco que quebrou tentando me pegar!” – Teco argumenta.
“Maluco?” – Roberval vai ficando cada vez mais perdido.
“A gente já cuidou dele. Não era dos nossos.”– Responde o segurança.
“O cara que pegou ele não era segurança também, o tal do Marcão.” – Valdemir argumenta.
“Foda-se. Só sobraram vocês. Vocês pagam ou…” – O segurança puxa sua pistola automática.
“Pagar quanto?” – Roberval desiste de entender a lógica da situação.
“Nem fodendo, aquele Audi custa mais do que minha casa…” – Teco tenta limpar o sangue que escorre de seu nariz enquanto apela para os sentimentos do segurança: “Cara, diz que não sabe quem quebrou os vidros… O seguro paga. Eu tenho família, amigo… Por favor…”
“O que está acontecendo?” – Roberval pergunta para Valdemir.
“Acho que você mexeu com mulher errada…”– Valdemir responde, mas não explica nada.
“Fica complicado… Vou me arriscar, o chefe já matou neguinho por menos…” – O segurança fala mais alto e faz o sinal de dinheiro com as mãos.
“Quanto?” – Roberval busca sua carteira no bolso traseiro.
“Hã?” – Roberval não a encontra.
“Te ofereceram alguma bebida, né?” – O segurança sorri de forma debochada.
“Também levaram tudo o que eu tinha” – Completa Teco.
“Eu pago. Eu pago… Mas o assunto morre aqui.” – Valdemir limpa a carteira e oferece um bolo de dinheiro.

05:10 – Depois de liberado, o trio se reúne novamente dentro do carro de Roberval. Valdemir começa a contar o que ocorreu a partir dos tiros…

05:11 –Teco interrompe dizendo que eles estão sendo seguidos há mais de dez minutos. Roberval acelera e começa uma perseguição.
“Acho que é o Baiano!” – Diz Valdemir.
“Baiano?” – Roberval indaga.
“O cafetão da tal de Giovana!” – Teco parece desesperado.
“O que vocês fizeram naquela boate?” – Roberval olha para trás, procurando uma resposta de Teco.
“OLHA PRA FRENTE!” – Valdemir grita. Uma caminhonete aparece repentinamente no caminho.

19:04 – Roberval sente todos os músculos de seu corpo doloridos. Uma leve luz branca vai crescendo até tomar toda a visão dele. Uma voz feminina o introduz novamente à lucidez:
“Como você está?” – Uma enfermeira checa sua pressão enquanto busca contato visual.
“Onde eu estou?” – Roberval está novamente desorientado.
“Você teve muita sorte de sair vivo. Precisava ver o estado do seu carro…” – A enfermeira levanta o avental dele e começa a analisar um grande curativo.
“Meus amigos?” – Indaga.
“Seu amigo saiu ileso, mas foi preso.” – Ela diz com imensa naturalidade.
“Preso?” – Nada mais faz sentido para Roberval.
“Alguma coisa a ver com tráfico de escravas brancas para a Espanha. Ele era procurado faz tempo.” – A mulher diz olhando fixamente para um pequeno frasco.
“HÃ? Tinha mais gente no carro…” – Num movimento brusco, ele tenta se levantar, mas é impedido pela dor.
“Não me venha com desfaçatez, eu sei que você é da quadrilha do Baiano, Marcão.” – A enfermeira fecha a cara e prepara uma injeção.
“Eu nem sei quem é esse Baiano! Meu nome é Roberval!” – Roberval tenta gritar, mas nem isso consegue.
“Vocês nunca mais vão fazer isso com outra menina… Minha irmã morreu por lá, abandonada…” – Ela começa a injetar algo na bolsa de soro fisiológico.

19:15 – Roberval sente sua consciência o abandonando novamente.

19:38 – Confirmada a hora da morte de Roberval.

E todos foram felizes para sempre. Fim.

CAOS

Essa história, que não faz o menor sentido como história, explica alguns pontos úteis sobre a idéia de que quanto mais variáveis em um sistema, maior a tendência dos fatos parecerem aleatórios.

O protagonista foi perdendo a capacidade de entender o que acontecia e de prever os próximos passos na medida em que novos eventos apareciam. E quanto maiores os períodos de inconsciência, maiores as surpresas que ele encontrava na situação.

É exatamente isso que forma a Teoria do Caos. Quanto menor a carga de informação que você pode captar num sistema, maior a ilusão de que as coisas não fazem sentido. E não foram apenas os grandes acontecimentos que geraram as reviravoltas na história. Cada leve mudança em um dos fatores gera um “ruído” na lógica geral, que com o passar do tempo pode reverter completamente o resultado de uma ação ou experimento.

Esse é o Efeito Borboleta. “O bater de asas de uma borboleta no Japão pode causar um tufão nos Estados Unidos.” Como essa explicação é um tanto quanto afrescalhada, resolvi usar a história.

Teco era homônimo (ou xará, para os incultos) de Baiano, cujo rosto não era conhecido.

Esse fato desencadeou todo o desenrolar da história até Roberval ser executado erroneamente pela enfermeira vingativa. Se Teco tivesse o sobrenome com UMA letra diferente, Roberval estaria vivo e com sua carteira.

Se você estiver muito entediado(a), dá para entender como tudo aconteceu agora relendo o texto e pensando um pouco.

CAOS

Voltando à parte argumentativa do texto: O caos é a sua ilusão de escolha. O caos é o livre-arbítrio, o caos é o motivo pelo qual estamos limitados a viver no presente. A Teoria do Caos só existe nas nossas mentes limitadas pela nossa percepção igualmente limitada.

E essa foi a melhor forma que eu encontrei de explicar o Determinismo (surpresa!). Onisciência é a ausência total de escolhas. Quem tem acesso a todas as variáveis presentes no universo sabe exatamente o que vai acontecer a seguir, inclusive o que sua mente formada átomos vai pensar. Pois é, você é parte integrante do universo, obedece as mesmas leis da física que uma pedra em todas as escalas de magnitude. E acredite ou não, tem tanta escolha quanto ela.

A maior prova disso é o passado. Se as coisas não ocorreram de forma diferente, não é um grande indicativo que não poderiam de qualquer forma? As coisas acontecem por algum motivo e existe um destino inevitável traçado para cada partícula deste universo que nos cerca.

Pode até parecer algo depressivo, uma falta de propósito, mas… o caos nos protege disso. Ninguém pode provar nada, certo? Tem até quem dê um Nome e personalidade para o caos para deixá-lo mais agradável. Afinal, para quem vive com a “ilusão de escolha” e a “ilusão de aleatoriedade” a vida toda, não custa nada ter a “ilusão de importância” também.

Para dizer que prefere quando eu tento ser engraçado, para dizer que eu não expliquei nada ou para dizer que escolheu me achar um chato: somir@desfavor.com

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Comments (18)

  • Não dá para explicar muita coisa sem apontar uma das falhas primordiais no pensamento humano.

    “A Terra é redonda porque…”

    “MATEM-NO! ELE É UM HEREGE!”

    “Na verdade nós que giramos ao redor do Sol, porque…”

    “QUEIMEM-NO! ELE É ENVIADO DE SATÃ!”

    “As espécies evoluem, e eu posso provar isso porque…”

    “PRENDAM-NO! ELE NÃO ACEITA A BÍBLIA!”

    E assim por diante…

  • Monjh - Senhor dos Muitos Nomes

    ” Somir disse…

    defender o determinismo é se prender a preceitos arcaicosLivre-arbítrio é um conceito basicamente religioso. E é difícil achar algo mais arcaico do que inventar personalidades para corpos celestes.

    e se esquecer das construções sociais.Se quiser falar mais sobre isso, sinta-se à vontade.”

    para quem se considera bastião de assuntos aleatórios, você perde a linha rápido, não? até semana que vem (tenho de ter tempo) te envio email te falando algo sobre o peso real do determinismo e o que é “construção social”.

  • defender o determinismo é se prender a preceitos arcaicosLivre-arbítrio é um conceito basicamente religioso. E é difícil achar algo mais arcaico do que inventar personalidades para corpos celestes.

    e se esquecer das construções sociais.Se quiser falar mais sobre isso, sinta-se à vontade.

  • É… mesmo dentro do caos, há um padrão.
    Aonde só se observava a aleatoriedade, a irregularidade e a imprevisibilidade, com essa teoria podemos ver uma irregularidade regular, uma imprevisibilidade previsível, uma desordem ordenada.

    “Quem tem acesso a todas as variáveis presentes no universo sabe exatamente o que vai acontecer a seguir”

    Com as variáveis, pode se montar uma equação e definir o comportamento de um sistema caótico…O clima pe.

    Para esses cálculos, existe uma margem de erro, bem elástica, quanto mais dados são inseridos, maior o aumento da margem de erro.

    Foi ótimo “desfavor explica”, mas da próxima vez não seja preguiçoso e escreva mais!

  • Eu prefiro quando vc tenta ser engraçado, vc não explicou nada e escolhi te achar um chato!
    (Saudades das postagens da Sally)

  • Eu às vezes me pego pensando sobre essas questões , mas sinceramente a ideia de ser parte de um jogo de marionetes sabe-se lá de quem e não ter controle sobre nada do que acontece me deprime tanto que prefiro nem pensar nela . Mas gostei do texto .

  • é a pior e melhor explicação sobre caos e determinismo de todas, arrasou.

    – somir, que tipo de drogas você usa?

  • Monjh - Senhor dos Muitos Nomes

    defender o determinismo é se prender a preceitos arcaicos e se esquecer das construções sociais.

    boa sorte.

  • melhor desfavor explica de todos!

    principalmente porque tenho falado bastante nisso, nas 2 últimas semanas…

    falando nisso, você acha que coincidência tem a ver com essa historia toda?

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