Skip to main content

Colunas

Arquivos

SIM SENHORA | Desfavor Explica: Melissa.

| Somir | , | 135 comentários em SIM SENHORA | Desfavor Explica: Melissa.

ssra-dex-melissa

SIM SENHORA: Somir deverá fazer um Desfavor Explica sobre a marca e os produtos Melissa abordando sua história, suas parcerias, seus produtos e seus principais benefícios. Deverá falar especificamente sobre a coleção atual e se virar para descobrir coisas da próxima coleção (ele tem como saber). Também deverá falar sobre modelos específicos: mais vendido, sonho de consumo e dar dicas que não estejam no site oficial da Melissa envolvendo o produto. Ao final, deve dar sua opinião de publicitário sobre o produto e sobre o sucesso do produto, apontando os pontos fortes e pontos fracos.

Dos pés sujos de pescadores franceses às passarelas, os sapatos da Melissa percorreram um longo e lucrativo caminho até esta coluna. Juntem-se a mim enquanto eu escrevo sobre algo que não me interessa. Vamos lá?

Melissa é uma marca de calçados femininos plásticos excessivamente coloridos pertencente à Grendene, uma grande fábrica nacional responsável por inúmeras linhas de produtos igualmente dignas como os chinelos dos Power Rangers ou as sandálias da Hello Kitty. Grendene que deve grande parte do seu sucesso à Melissa. Antes de se aventurar no ramo dos sapatos, a empresa gaúcha trabalhava com aquelas coberturas “imitando vime” de garrafas de vinho. Em 1978, lançaram seu primeiro calçado plástico.

A partir dali, foi uma mudança do vinho para a água. Em 1979, surge a primeira Melissa. O modelo, chamado de “aranha”, deve suscitar memórias na maioria das crianças dos anos oitenta: Aquela porcaria estava no pé de 11 entre 10 das garotas que sonhavam em casar com o Ricky Martin. Assim como o ex-Menudo, a Melissa foi se tornando cada vez mais colorida e fashion com o passar das décadas.

Mas eu falei sobre mudança do vinho para a água, não? O sucesso da Melissa pode ser traçado (e trançado) de volta a uma sacada do dono da Grendene ao observar os sapatos usados por pescadores na Riviera Francesa. Eram sapatos trançados, estranhos para ele, mas que aparentavam ser muito confortáveis… tanto que os pescadores os usavam o dia todo.

Talvez tenha sido a praticidade de já ter uma fábrica de plásticos, talvez tenha sido uma experiência negativa ao sentir o chulé dos pescadores; o que importa é que a ideia de fazer calçados de plástico foi realmente inovadora para a época. Tudo o que se fazia com o material eram chinelos, numa época onde chinelos ainda eram tratados como sapatos baratos para a ralé (hoje em dia são sapatos caros para a ralé). E honestamente, até que o plástico foi uma boa ideia: um sapato que pode ser lavável com água e sabão, que pode pegar chuva, pegar lama e não estragar é ideal para o clima tropical.

Desde então, a Melissa já lançou mais de 500 modelos, com os preços atuais dificilmente ficando abaixo de cem reais, e com alguns modelos chegando a quase mil! Vende-se Melissa em mais de 80 países ao redor do globo. Um sucesso estrondoso baseado na boa e velha insegurança feminina: Ao trabalhar BRILHANTEMENTE com uma estratégia de elitização, os sapatos da Melissa começaram a emprestar credibilidade “da moda” de vários ícones do mercado de luxo como Jean Paul Gaultier (jogava no Real Madrid), Thierry Mugler (gatuno francês), Vivienne Westwood (acho que fazia jogos de estratégia), J. Maskrey (não tem primeiro nome, muito chique), Jason Wu (fez um filme com o Bruce Lee), Karl Lagerfeld (te acha gorda) e os irmãos Campana (sempre na espreita), só para citar alguns, já desenharam modelos exclusivos para a Melissa.

Para milhões de mulheres no Brasil e no mundo para a qual a aceitação de outros seres humanos é mais importante que a estabilidade financeira, a marca foi ganhando o status atual. As praticidades do material ficam em segundo plano quando se pensa que suas coleções aparecem em vitrines de lojas conceituadas em “templos do moda” (caíram uns fios da barba só por escrever isso… eles não querem mais serem vistos com alguém que escreve “templos da moda”… eu os compreendo) como Paris, Milão e Embu das Artes (o quê? tem artes no nome… é chique!).

Melissa é um sucesso surpreendente, ainda mais se pensarmos que ela é made in Brasil. Desconheço outra marca nacional que tenha loja em mais de oitenta países e que tenha famosos diretamente ligados à sua área usando publicamente o produto. Gente como Sarah Jessica Parker (aquela com a cara de cavalo) são vistas com Melissas frequentemente. Vindo de uma marca tida como “de pobre” em seus primórdios, é uma puta guinada.

Para quem não sabe, Melissa tem modelos para todas as idades e sexos. Foram lançados sapatos “masculinos”, vulgo “gays”. Tem também uma linha infantil, que começa na numeração 17, indicado para crianças a partir de três meses de idade, tendo inclusive um tênis masculino (o que é uma sacanagem com o moleque). A numeração infantil vai do 17 ao 25, a infanto-juvenil do 26 ao 32 e a adulta do 33 ao 40. Claro, na verdade a feminina vai do 36 ao 44, mas vender sapato para mulher tem desses truques de maquiar números.

Bônus pobre: Fora do Brasil as Melissas são conhecidas como “Plastic Dreams”. Sonhos plásticos. Sorte que o público alvo não liga, porque é basicamente dizer que são sonhos artificiais. Mas… o que é o mundo da moda senão isso? Opa! Alerta de análise não-superficial! De volta ao script:

Tudo isso para um sapato de plástico! Quer dizer… não é mais plástico. Já foi, mas atualmente as Melissas são feitas de uma espécie de PVC (tipo cano) patenteado como “Melflex”. Finalmente algo interessante! É… só que não. Infelizmente a composição do material é guardada a quatro chaves e não podemos falar sobre a estrutura química ou processo de produção. O melhor que eu achei foi uma entregada no site australiano falando sobre um processo de sais minerais baseados em cálcio e zinco. Sobram apenas atributos “publicitários” como reciclável, durável, antialérgico e mais flexível. Não tem nem vídeo da fábrica… Nhé.

Por mais que o material seja resistente, especial e blá blá blá, ainda sim é um plástico. E plástico tem o péssimo hábito de fazer algo parecer barato. Mas a Melissa achou uma solução para ficar menos ridículo cobrar centenas de reais por algo que custa centavos para fazer: O flocado. Flocado é uma cobertura aveludada que dão ao sapato, parecendo que ele é um sapato comum, quando na verdade continua sendo um sapato de plástico. O flocado, que dá um aspecto aveludado ao sapato similar à camurça (porém ele continua sendo de plástico) é feito usando tecido triturado de forma bem fina e colado ao sapato.

Uma ótima forma de parecer que está usando um sapato costurado por crianças paquistanesas sem financiar a exploração infantil! Claro, elas acabam fazendo coisas ainda mais horríveis para ganhar a vida por causa disso, mas pelo menos a culpa não vai ser sua! Aparência é tudo! De qualquer forma, com a sacada do flocado (sarcasmos à parte, foi uma ótima ideia do ponto de vista comercial) a Melissa conseguiu entrar com mais força em locais inóspitos para seu público habitual: Ambientes de trabalho.

Mas quando não caga na entrada, caga na saída: Para compensar o aspecto mais maduro conseguido com o flocado, a Melissa tratou de criar uma estratégia para manter a extremamente útil infantilização da mulher na sociedade colocando cheirinho nos seus produtos. Que bonitinho! Os sapatos da Melissa tem um perfume específico, aparentemente fixado num reator atômico, porque pode ficar por séculos no material. Algumas mulheres relatam que empesteia o local onde guardam os seus sapatos (os outros dezenove mil pares…). O perfume é único e reconhecível por todas as fãs.

E sim, existem FÃS de Melissa! O mundo está perdido… Elas se auto denominam Melisseiras. Eu não acho bonito só porque não sou dono da marca… Quando se chega nesse ponto de “substantivação” dos consumidores da sua marca, quer dizer que algo deu MUITO certo. As Melisseiras são consumidoras fiéis e descontroladas, que gritam quando a vendedora abre a caixa e mostra a Melissa que elas estão desejando. É um fenômeno de consumo tão forte que elas chegam a levar uma Melissa um numero a mais ou um numero a menos se não houver a numeração delas. Elas estão por todo o Brasil e se reúnem em blogs, fóruns e etc. São groupies de sapato.

E como eu tenho que dar dicas que não se encontram no site oficial, tive que fuçar nesse submundo… Anotem aí, pob… Melisseiras: Se você tem uma Melissa que te machuca e já não é mais possível trocá-la, você pode tentar fazer o seguinte: pegue um secador de cabelo (no mínimo um secador de cabelo você deve ser capaz de pilotar, não?) e jogue ar bem quente por uns 20 segundos no interior da Melissa. Logo depois, calce o sapato usando uma ou duas meias bem grossas (não precisa se você tiver diabetes). O calor “amolece” o plástico e ele toma a forma do seu pé, evitando que o sapato aperte ou machuque (mas na verdade o seu pé é muito grande e você comprou menor mesmo).

Se o flocado saiu, compre cola para PVC (não cheire a não ser que você queira ser uma pessoa descolada) e uns flocos que aparentemente vendem em loja de esmaltes para fazer unhas aveludadas (eu nem sabia que unha podia ser aveludada, eu odeio vocês por aprender isso) que seja na mesma cor da Melissa (ou verde se você for daltônica). Cole no local cagado e pronto. O mesmo vale para glitter que tenha saído: cola de PVC + glitter na mesma cor da Melissa. Se você for ainda mais brega, pode até fazer seu próprio aborto estético customizado usando a mesma cola e o glitter.

Os modelos mais populares da Melissa são a Lady Dragon (eu acho que já vi esse filme, era terrível… mas a lutadora mostrava os peitos… mas ela era feia pra caralho…), que já está na décima edição. Em cada edição ele vem com algum adereço diferente na parte do peito do pé: um laço, um coração, uma bola, uma cereja, etc. Talvez o mais popular de toda a história seja a Lady Dragon Heart assinada por Vivienne Westwood (Command & Conquer!), que tinha um coração no peito do pé. Este modelo é muito usado por noivas para o dia do seu casamento. Pudera, o homem já está amarrado e custaria muito caro abandoná-la. Por isso acabou esgotado não apenas nas lojas como também no mercado paralelo. Ah sim, tem MERCADO NEGRO DE CHINELO DE PRÁSTICO! Viva a humanidade. Viva!

Pelo o que eu apurei entre as malu… Melisseiras, na próxima coleção da Melissa vão fazer a mesma merda de novo do Lady Dragon Heart, mas trocando as cores por Branco/Vermelho e Preto/Dourado. Originalidade não faz dinheiro.

A atual coleção é a Cine Melissa, inspirada no cinema e em suas divas (o que é uma mentira deslavada, não tem um da Scarlett Johansson… sim, eu meço status pelo tamanho do peito, processa eu!). Modelos como o Marilyn, que reproduzem o famoso sapato usado por Marilyn Monroe naquela cena da saia branca voando, esgotaram rapidamente nas lojas. Esta coleção conta com quatro modelos assinados por Karl Lagerfeld (o que te achava gorda, creio eu…), apelidados rapidamente de “a Melissa da Chanel”, feitos especialmente pensando no Brasil, ou seja, qualidade baixa, preço alto e desdém cultural:

Ginga (sapato de travesti), Incense do Karl Lagerfeld (sapato de retardada), Melíssima (sapato de bruxa) e Glam (sapato de palhaço). Tem também uma Lady Dragon assinado por Vivienne Westwood que tem no topo uma buceta. Quer dizer, parece uma buceta… Deve ser uma. Ah, e mais duas sapatilhas desenhadas por Bruce Lee (ou Jason Woo?). Tem ainda os modelos dos irmãos Campana e outras parcerias caça-níqueis. Os modelos mais vendidos costumam ser a Incense II (a primeira queimou…) e a Ballet (que reproduz uma sapatilha de balé com um “éle” supérfluo).

Na categoria “sonho de consumo”, estão as Melissas assinadas pela designer J. Maskrey, essas são as mais caras… quer dizer, valorizadas. Cada pé de sapato tem mais de 300 cristais Swarovski. Sabem aqueles brilhantes que pobre acha o máximo? Se é feito num laboratório e custa meio centavo de dólar a tonelada para fazer, não tem nada de especial. Acho que é o nome difícil de pronunciar que faz parecer chique. Mas… mulheres parecem facilmente distraídas com objetos brilhantes. Vem também com um saquinho com mais cristais extras, para o caso de algum descolar (muito pobre vir com isso!). Existem em diversos modelos, mas na coleção atual só no modelo Ultragirl.

A próxima coleção, que será a coleção de primavera, se chama “We are flowers”, assumindo o estilo vegetal de suas consumidoras. Promete cores mais alegres, embora isso pareça impossível no universo de cores berrantes da marca (sério, Carlinhos Brown acharia colorido demais), modelos mais leves e a já citada Lady Dragon Heart (aquela de noiva pobre). Também vem uma Lady Dragon com um laço desproporcional estilizado e a grande “surpresa” da coleção: uma Melissa que brilha no escuro, até porque o cheirinho não era infantil o suficiente. E parece que mais um estilista famoso vai assinar com a marca. Não sei quem é, e provavelmente não vou saber quando anunciarem, mas… Pediram a informação, aí está.

Tá, eu escrevi de má vontade. Mas numa coisa eu tenho que dar o braço a torcer: A Melissa é genial em publicidade e marketing. O desenvolvimento do produto e da marca foi ideal para o público que cresceu com ela, conseguindo “vazar” para as gerações posteriores. De um ponto de vista essencialmente técnico, é absurdamente cara pelo provável preço unitário de fabricação, mas há de se entender que preço se forma a partir de alguns elementos intangíveis, principalmente quando se coloca uma marca forte na jogada. Marca tem preço, PRINCIPALMENTE quando pode oferecer exclusividade.

Uma das coisas mais interessantes é que para um observador externo mais elitista, a marca Melissa passa uma impressão de emergente deslumbrada. Ficou rica e resolveu emprestar o estilo de todos os nomes mais tradicionais, formando uma amálgama de conceitos sobre o que é ser um ícone de design de moda e eventualmente falhando na maioria deles. Plástico é plástico, cores berrantes são cores berrantes.

Mas ainda sim consegue imprimir a pose desejada para seu público alvo, que enxerga a marca com um carinho que relativiza defeitos e exacerba qualidades. É uma relação mais emocional com, que no final das contas é muito mais humana e real do que o “mundo da moda” que tanto parece querer emular (ambas as formas dão dinheiro, contanto).

Ainda acho o produto chato, mas a análise do mercado e das consumidoras com certeza foi útil para entender mais sobre os valores de marca. Claro, poderia falar mais sobre isso, mas vocês queriam falar dos sapatos… Taí!

Para dizer que não gostou do texto porque eu não estou parecendo humilhado, para me chamar de viado por falar disso, ou mesmo para dizer que vai procurar frase por frase para achar de onde eu copiei a maior parte do texto: somir@desfavor.com

Comentários (135)

Deixe um comentário para Ge Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.