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Des Cult: Mato sem cachorro.

| Sally | | 129 comentários em Des Cult: Mato sem cachorro.

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Quem me conhece sabe que eu já desconfio de um filme pelo fato dele ser uma comédia (que atualmente tendem a ser todas muito sem graça) e mais ainda por ser filme nacional (tudo com cara de programa global). Mas “Mato sem cachorro” me surpreendeu positivamente. Não esperem um filme profundo, reflexivo, de grande densidade como é a igualmente comédia “Intocáveis”, mas dá para arrancar qualquer meia dúzia de risadas, o que nos dias de hoje é luxo.

O filme conta a história de um casal que se conhece em um acidente envolvendo um cachorro, se apaixona e depois vê seu relacionamento desmoronar. Desde já aviso que o romance é o ponto fraco do filme: transborda clichês em um aglomerado de mentiras sobre relacionamento e termina de forma mais previsível do que novela da Globo. Mulher que tenta fazer o cara crescer, o cara não se manca, perde a mulher mas se redime no final – mais previsível impossível. Mas apesar do romance, o filme se salva, graças à ousadia de algumas piadas politicamente incorretas e à brilhante participação de Danilo Gentili.

Gentili faz o papel do primo do personagem principal, um Bruno Gagliasso propositadamente fora dos padrões, barbado e com óculos, para tentar tirar a cara de extensão de novela global. Basicamente Danilo Gentili é uma releitura do Alicate: inconsequente, maluco e cheio de péssimas ideias. Sim, essas pessoas existem. É graças a esse personagem (não adianta, não vou usar a palavra no feminino) que pessoas mais “como a gente” conseguem algumas risadas durante o filme. Eu ri alto quando ele chama um anão de “espermatozoide com pernas” e também na piada sobre a Claudia Ohana. Essa pitada de nonsense, de politicamente incorreto que Gentili dá tanto ao roteiro (não sei se é oficial, mas ele deu muitas sugestões no roteiro) como na interpretação são o diferencial do filme.

O dedo de Gentili tira o filme daquela classificação típica de comédia romântica e acrescenta algumas grosserias muito interessantes. O que era para ser uma comédia romântica com cachorrinho vira em muitos momentos um filme cujas piadas facilmente constrangeriam sua avó ou sua mãe. Isso para mim é mérito, mas para muitos críticos de cinema foi demérito. Palmas para quem pega um romance com cachorrinho e permeia com esse tipo de humor, primeiro pela coragem (corre o risco de não agradar nem aos românticos, nem aos politicamente incorretos), segundo pela ousadia de inovar e sair da zona de conforto em um mercado tecnicamente “seguro”, o das comédias românticas básicas. Boa parte da crítica reclamou sem dó do que eu achei o maior mérito do filme. Curioso como o contexto define a tolerância do público: já vi novelas com vocabulário muito pior (seja ideologicamente falando, seja pela grosseria) sendo toleradas, enquanto em filme coisas mais leves viram “de mau gosto”. Vai entender…

O cachorro em questão, que faz o elo de ligação entre o casal, ganha uma nova roupagem, saindo do clichê de “elemento fofo do filme”. Ele sofre de uma doença chamada “narcolepsia canina”, que o faz desmaiar quando ele fica muito nervoso ou agitado. Isso rende boas cenas, tirando o cão daquele papel fofinho de cativar a plateia e colocando-o como mais um elemento de humor. Até na escolha da raça houve a preocupação de desconstruir o papel padrão do “cachorro fofinho”. Não que o cachorro não seja fofinho, mas sua raça, English Shepard, tem um jeitinho mais de vira-lata do que de cachorro de exposição. Curiosidade: o cachorro, que na vida real se chama Duffy, veio dos EUA, pois a produção do filme não encontrou por aqui nenhum animal que conseguisse simular com tanta veracidade um desmaio. É um cachorro famoso, já participou de outras produções, como o seriado True Blood.

Sim, é bem verdade que em alguns momentos ele desempenha o papel de “elemento fofo do filme”, mas em outros esse papel é totalmente subvertido, como por exemplo na cena com Gabriela Duarte, no banheiro. Fofo e tosco coexistem em uma mistura até então impensável para o cinema nacional. Um ar de Monty Python paira no ar, uma leve brisa dos bons tempos do humor ainda não estuprado pelo politicamente correto. Faz tempo que um filme nacional não me surpreende com uma cena inesperada ou me provoca a sensação de “não… eles não vão fazer isso!”.

É um filme imperdível? Certamente não. Comédia imperdível é “Intocáveis”. Mas é talvez a melhor comédia nacional que eu já vi. O nível das comédias nacionais é tão baixo que um filme bacaninha leva o primeiro prêmio. Se você conseguir abstrair o roteiro adocicado em excesso para prender o Brasileiro Médio e algumas tosquices estilo “Chaves” que visualmente agridem os olhos, pode se divertir. Destaque para o boneco que usam para representar o cão desmaiado: parece que estão segurando a peruca do Eike Batista. Merecia um cachorro-falso um pouco menos artificial. Os patrocinadores ostensivos também causam uma broxada temporária, mas nada que comprometa o resultado final.

Vale uma menção ao desastre completo que me pareceu a participação de Rafinha Bastos. Não sei identificar se é por causa do roteiro ou se é por causa dele, mas tendo a acreditar que é a primeira opção, pois sempre gostei muito de tudo que ele fez. No papel de um veterinário caricato demais ele passa a sensação de mal aproveitado, banalizado. Poderia ser ele, o Felipe Dylon ou o Robert de Niro no papel que tanto faz. As cenas com o veterinário mereciam um roteirinho um pouco melhor. Em contrapartida, tiro meu chapéu para Leandra Leal, que adora fazer um filminho cabeça e topou uma comédia despretensiosa. A escolha da moça foi bacana, deu um ar de normalidade, de gente como a gente ao casal.

Parabéns aos atores convidados, que toparam rir de si mesmos em participações que, de uma forma ou de outra, implicam em auto deboche. Rir de si mesmo é sempre mérito nesta época politicamente correta sufocante. Parabéns também às inúmeras referências que ficam subentendidas no roteiro, talvez mais explicadas do que o necessário, defeito inevitável em um filme dirigido ao Brasileiro Médio. Ainda assim, valeu o esforço de colocar referências que obriguem o público a pensar por meio segundo para entender a piada. É assim que se começa: com referências bem explícitas, exercitando o cérebro das pessoas, até que, quem sabe um dia, possam ler um texto do Somir sobre a LEC e compreender ao menos metade das referências implícitas. Não deixa de ser educativo.

Uma ideia genial que se perdeu no meio da trama principal é a “invenção” do personagem de Bruno Gagliasso: ele mistura músicas bregas com músicas boas, criando um híbrido bem interessante. Por exemplo, em uma cena do filme ele aparece editando uma música do Michel Teló mixada com “Imagine”. Sensacional. Também tem uma mistura de “I love rock n´roll” com “O meu sangue ferve por você”. Não sei se alguém já fez isso, mas a ideia é fantástica. Torço para que lancem a trilha musical do filme em um Cd todo composto por essas músicas contraditoriamente mixadas e torço para que isso passe a ser feito em larga escala. Uma pena que essa sacada genial tenha sido tratada como um leve pano de fundo! Além da trilha sonora, a cenografia e os figurinos são muito bacanas, daqueles que não são nem notados de tão bem feitos que são. Exceção para a cena de sunga de cachorrinho, nojenta e desnecessária.

O número de atores, cantores e famosos convidados surpreende. Todos eles dispostos a rir de si mesmos, como Sandy e Gabriela Duarte, que deixam de lado o papel de boazinhas, namoradinhas do Brasil. Mesmo aqueles que fazem participações rápidas, coisa de uma frase ou duas, foram muito bem encaixados, como o “Zé Pequeno”. E tem ainda participações quase que ocultas. Alguém consegue descobrir onde está Elke Maravilha no filme? Quase um Easter Egg.

Em resumo, o filme consegue ser moderninho, com um frescor e leveza que o afastam do “Toque de Merda” da Globo, engraçadinho (em algum momento você vai rir, não no filme todo, mas em algum momento) e, de certa forma, inovador, quando comparado com as demais comédias nacionais. Vale um confere, mas sem muitas expectativas.

Para me dizer o que achou do filme, para ridicularizar minha opinião ou ainda para dizer que se eu gostei você não quer nem chegar perto desse filme: sally@desfavor.com

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