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Somir Surtado: Supervalorização orgânica.

| Somir | | 47 comentários em Somir Surtado: Supervalorização orgânica.

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Orgânico é uma das palavras da moda. Podemos encontrá-la nas embalagens de diversos produtos elitizados, como um selo de garantia de que o quer que seja, é mais natural e saudável do que as outras opções industrializadas. Posso até conceder o ponto de que se livrar de agrotóxicos e substâncias químicas impronunciáveis em geral até parece uma aposta mais saudável… Mas, mais natural?

Sim, este é um texto espanta brasileiro médio, mas por que não aproveitar o momento para discutir uma distorção de valores que começa cada vez mais a interferir no rumo natural das coisas?

A mãe natureza tem seus méritos na produção de um intrincado ecossistema sustentando incontáveis espécies de seres vivos. Ainda mais numa bolha de prosperidade orgânica no meio de um universo onde basicamente tudo nos mata em questão de segundos. Seria nota 10 pelo resultado, mas vamos ter que descontar um pouco pelo método.

A metáfora dos macacos infinitos digitando aleatoriamente em infinitas máquinas de escrever é perfeita para descrever a forma como a natureza se organiza. Ela tenta basicamente TUDO e o que acertar, acertou. As centenas de bilhões de espécies extintas que nos precedem não me deixam mentir. Aprecio demais o que o processo orgânico conquistou até aqui, mas não sejamos inocentes: Somos todos resultados da primeira coisa que funcionou, seguidas e seguidas vezes.

A vida é um balde de tinta jogado contra uma tela que algum ricaço comprou por achar uma obra de arte. Já cansaram das analogias bestas? Eu não: O processo orgânico que nos permitiu a existência consciente é um apostador com muito mais sorte do que juízo. Ele precisou ganhar uma quase que improvável sequência de apostas para conseguir chegar onde está. E sabe-se lá se vai continuar com tanta sorte…

Pois bem: Orgânico é sorte, industrializado é juízo. Quanto mais essa supervalorização de tudo o que é “vindo da terra” se consolidar, mais colocamos nossa existência nas mãos do aleatório. Agricultura, pecuária, indústrias e laboratórios mexendo em basicamente tudo o que se criou pelo processo orgânico que é o natural. É o nosso natural. É o natural do universo, oras.

Essa sequência de eventos que possibilitou a vida é fruto de uma necessidade da natureza. O orgânico é o resultado de um arquiteto inconsciente, que apenas reage e segue o fluxo do tempo. Quando os humanos entram nessa jogada, coisas que jamais aconteceriam sem a nossa intervenção viram lugar comum. Aviões, arranha-céus, celulares… todos novos rearranjos da matéria que só são possíveis através de um processo evolutivo com – finalmente – alguém no volante.

Temos que ser mais inteligentes do que enfiar uma grossa camada de veneno por sobre nossos alimentos, e isso não é sinônimo de simplesmente parar de fazer isso. O que, por sinal, é muito próximo da minha opinião sobre testes em animais. É saudável almejar tecnologias mais eficientes e éticas, mas não é natural dar passos para trás nesse processo evolutivo “à parte” do que fazemos parte. Natural é seguir em frente. Natural é modificar geneticamente alimentos para que eles sejam mais benéficos e abundantes.

É isso que a natureza nos ensina: A nunca dar passos para trás. Se quer continuar vivo, o esquema é “vai ou racha” PARA SEMPRE. Não tenho mais saco para aguentar ecochato pagando de sábio quando não passam de becos-sem-saída evolutivos. Das duas uma: Ou essa gente chata vai sumir lentamente por falta de função ou essa gente chata vai conseguir seu objetivo final de extinguir a espécie toda por inércia contemplativa.

A natureza trabalhou duro, mas… puta que pariu… faltou uma supervisão no processo. É muita coisa pendurada junta num equilíbrio pra lá de tênue. Ficam falando que precisamos nos controlar para não interferir demais na natureza, mas pouca gente tem coragem de falar que temos o dever de corrigir muitas das besteiras orgânicas que só estão em vigor porque não tinha ninguém cuidando disso.

O corpo humano é uma máquina fascinante, mas não está tão otimizado assim. A estrutura quebra fácil demais, fibra de carbono funcionaria bem melhor que ossos. Uma pele mais elástica, resistente e resistente ao Sol faria bem. Grafeno no lugar de nervos também resolveria um monte de problemas. O que dizer dos rins? Filtro que não pode ser trocado não soa como uma grande ideia, não? A visão até que é boa (tirando a parte de enxergar no escuro), mas a audição e o olfato não são grande coisa. E o HD, processador e RAM? Logo logo ficam obsoletos e não vai dar para trocar. Estamos presos num Mac prestes a sair de linha, basicamente. Tem muito o que podemos fazer conosco, mas meu argumento não fica só aqui…

Pra que serve uma porra de um urso panda? Pra comer folha de bambu? Na natureza os pandas vivem uma MERDA de uma vida subnutrida. Se tivesse meio predador por perto, eles já estavam extintos há milênios! Mas, sejamos honestos, é um bicho estético. Muitos humanos ficam felizes só por ver o desenho de um deles. A natureza não estava lá muito sóbria quando fez esses bichos, mas acabou tendo uma utilidade para nós. Pegar esse bicho, engordá-lo com alimentos realmente nutritivos e tratá-los como bibelôs é a correção de uma distração orgânica. Nós demos significado para essa evolução aleatória.

O bicho não serviria para mais nada no universo não fôssemos nós. E nem me venham com essa de que nós também não. Conhece alguma outra espécie neste planeta capaz de terraformar Marte e enchê-lo de vida nos próximos milênios além dos humanos? Não? Nem eu. Se o objetivo principal da vida é se multiplicar para garantir sua manutenção, posso afirmar sem medo que nós somos a melhor aposta dela em anos e anos-luz ao nosso redor. E não vai ser uma desistência dos processos artificiais que vai nos fazer chegar lá.

Pense que a evolução é como um pai (bêbado a maior parte do tempo) que criou seus filhos para continuar sua linhagem. Pense agora esse filhos foram criados numa casa constantemente ameaçada por intempéries naturais capazes de matar todos eles em questão de horas. Não seria do interesse dele que os filhos fossem capazes de se mudar para vizinhanças mais seguras no caso das paredes começarem a cair? Nossa engenhosidade, nossa tecnologia e nossa ganância desmedida por exploração e satisfação são mecanismos NATURAIS de sustentação da vida a longo prazo.

Estou quase entrando no terreno do determinismo aqui, mas o artificial é a sequência óbvia do orgânico. É a solução do arquiteto inconsciente para seu problema de depender demais da sorte. Acho bisonho esse movimento de rejeição da evolução da vida com essa histeria sobre industrialização e destruição da natureza. Não estamos destruindo a natureza, estamos dando um jeito nela. Claro que não sem percalços e não sem flertar com desastres, mas não é esse o caminho da evolução? Pelo menos conosco há um método com objetivos a curto, médio e longo prazo.

Quando mais avançada uma forma de vida, menos orgânica ela se torna. Uma bactéria é uma solução bem mais simples e resistente no quadro geral do que um conjunto habitacional delas (o que, sinto te informar, somos nós, essa é meio que nossa função orgânica no mundo). Precisava fazer esse projeto todo só para continuar a vida? É o que eu tinha escrito naquela analogia do apostador: A natureza faz apostas cada vez mais altas e simplesmente torce para dar certo.

Se o orgânico não EVOLUIR para o artificial, um dia a banca ganha. Já é muita sorte ter chegado até uma forma de vida consciente e racional como o ser humano, está na hora de sair enquanto estamos vencendo. Nós dependemos disso. Viva as indústrias, viva os produtos químicos, viva os alimentos modificados geneticamente! E pau no cu dos micos-leões. Foi mal, mas já era um conceito cagado antes mesmo de chegarmos nesse planeta. O ideal é conseguir um meio termo e ir corrigindo esses problemas orgânicos enquanto estamos por aqui, mas se precisar escolher, é o artificial que vai garantir a VIDA nesse universo. Juízo, não sorte.

Novamente, entendo que menos agrotóxicos na dieta é uma coisa positiva, mas se a alternativa for envenenar nosso processo evolutivo, eu prefiro lavar um tomate dez vezes… O preço que vale a pena pagar não é o que inflaciona os preços dos produtos orgânicos.

E se não gostou do texto, sinta-se à vontade para ir abraçar uma árvore. Aquele abraço!

Para dizer que achou o texto muito artificial, para falar que deu certo e você nunca mais vai ler uma coluna chata dessas, ou mesmo para dizer que sentiu falta de menções ao Nordeste: somir@desfavor.com

Comentários (47)

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