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Antissocial?

Antissocial?

| Somir | | 36 comentários em Antissocial?

A Semana do Mimimi continua com um tema de extrema desimportância: sempre fui acusado de ser antissocial, mas depois de muita introspecção e sem consultar ninguém, cheguei à conclusão que na verdade eu não sou antissocial, vocês todos que estão errados!

A quantidade de rituais estúpidos e sem sentido que somos obrigados a seguir no dia a dia para lidar com outros seres humanos é absurda. São todas convenções que ninguém sabe muito bem porque existem, só repetem como macacos treinados no grande circo da sociedade humana. Está na hora de quebrar esse ciclo.

Eu detesto “bom dia”. Eu detesto “bom dia” com todas as forças mesquinhas do meu ser. Bom dia, boa tarde e boa noite. Um pedágio bizarro para começar uma conversa que nunca teve significado real. Por que eu tenho que iniciar um contato com isso? Por que acham que é falta de educação não fazer isso?

A não ser que a pessoa tenha um motivo muito bom para acreditar que eu desejo seu mal, eu acredito que possamos entrar num acordo que na média queremos que as outras pessoas tenham um bom dia. Se você me fez mal ou se é um notório bandido ou mau-caráter, eu quero que seu dia seja uma merda, mas na imensa maioria dos casos, esse tipo de pensamento passa longe da minha cabeça.

Eu não preciso ficar provando toda vez que não estou torcendo para você levar um chifre ou ser atropelado por um caminhão. Se em algum momento eu deixar de torcer para que boas coisas aconteçam na sua vida, vou informar diretamente ou pelo menos te ignorar. Via de regra, se eu iniciei um contato com outro ser humano, ele não é meu inimigo mortal.

O que a pessoa acha? Que se você não der bom dia é porque fez uma macumba pro pinto dela cair (ou o peito, sei lá) e não quer atrapalhar o trabalho do exu mandando energias positivas? Tem que provar toda vez que não é inimigo?

Sem contar que isso quebra o fluxo de uma conversa. Especialmente em tempos de pandemia quando tantos contatos são por meio escrito. Bom dia é um ritual besta na fala, mas na escrita é um atraso de vida. A pessoa tem que mandar bom dia pra você no WhatsApp? Não tem. O meio escrito digital existe justamente para enviar mensagens em alta velocidade. É um saco ter que ficar testando esse campo minado de rapapés com cada pessoa, para descobrir as que conseguem tocar uma conversa prática e as que precisam de ritualzinho besta para começar.

Precisa de preliminar para falar de trabalho ou interesse comum? Precisa estimular o clitóris social da pessoa para ela entrar no clima de trocar informações como um ser humano deveria? Me parece uma espécie de frigidez intelectual, a pessoa nunca está pronta para ligar o cérebro e reagir de forma razoável a uma conversa. E “tudo bem?” entra nesse pacote.

Tudo bem é a minha segunda expressão mais odiada porque, e só porque dependendo da pessoa e do contexto pode fazer sentido. Uma pessoa querida e próxima preocupada com você pode perguntar isso com as intenções mais reais do mundo, mas vamos concordar que em 99,99% das vezes esse não é o caso? Quase sempre é só mais um dos rituais sem sentido que gente que não pensa muito faz no dia a dia, por pura pressão social.

Vamos ser honestos? Tem pouca gente nesse mundo que você realmente se importa se está bem ou não no momento. E tudo bem com isso, somos, na maior parte, adultos com vidas complicadas para tocar. Eu sei que um conhecido ou um contato aleatório de trabalho não tem tempo ou disposição para lidar com meus problemas também. Não o julgo por isso. Pra isso servem família, amigos próximos, namoradas, esposas… é normal que não estejamos preocupados com o bem-estar alheio.

Então eu não fico perguntando se está tudo bem. Porque se não estiver, grandes chances que eu não possa ajudar ou nem queira ajudar. Sim, essa é a verdade: você não quer ajudar todo mundo. Você pode se esforçar às vezes, faz bem pra alma ajudar até mesmo desconhecidos, mas são situações pontuais que dependem de contexto. Eu não estou pronto para ajudar todas as pessoas que esperam que eu pergunte se está tudo bem.

E sei que elas não estão para me ajudar também. É uma pergunta estúpida que só explicita a superficialidade das relações cotidianas. Reforço do contrato social de fingir que se importa. Pra que fingir? O que ganhamos com isso? Se você me perguntar se está tudo bem e eu disser que na verdade não, que estou com uma caganeira demoníaca e faltou água em casa, o que você vai fazer? Chamar um motoboy pra me entregar uma rolha? Ou vai ficar em choque porque eu te contei a verdade?

Quem pergunta se está tudo bem deveria se responsabilizar por tomar alguma atitude, pelo menos. A pergunta teria algum valor. Até segunda ordem, presume-se que a outra pessoa está capaz e operacional quando interpelada. Se não estiver, ela tem a obrigação de te contar. Porque é assim que o mundo funciona. Se não consegue me entregar um relatório ou sair de noite porque seu cachorro morreu atropelado e você está de luto canino, é só dizer. Eu não tenho que ser obrigado a perguntar se uma pessoa é capaz de realizar as ações esperadas dela antes de qualquer coisa.

E outra, quem disse que eu quero dividir com alguém se está tudo bem? Alguns problemas são bem pessoais. Vou responder para um estranho que estou mal porque descobri que minha namorada tem uma conta ativa no Instagram e eu perdi todo o respeito que tinha por ela? Não, né? Vou dizer que estou com dor porque encravou um pelo no saco? Não! Ou dizer que estou chateado porque minha atriz pornô preferida virou evangélica? Tem coisas que simplesmente não cabem numa conversa com estranhos.

E quase todas elas são a resposta real para “tudo bem?”. Eu não sou antissocial por não dar bom dia nem perguntar se está tudo bem, eu só não sou maluco. Eu escolho desperdiçar meu tempo escrevendo textos como este na internet, não fazendo rituais bizarros de conversa. E se não bastasse essa palhaçada toda, tem gente que insiste nisso!

Você manda uma mensagem clara e objetiva para a pessoa, ela demora pra responder, e quando o faz, diz cretinices como “bom dia, né?” ou “tudo bem comigo, obrigado por perguntar”. Olha, depois de receber uma resposta dessa, eu começo a procurar uma galinha preta e uma encruzilhada pra fazer aquela macumba de cair o pinto! Vá à merda. Quer escutar bom dia? Compra um papagaio e ensina ele a falar isso toda vez que te vê. Ô carência e senso de auto importância exagerado.

E sempre quem faz isso só faz porque tem algum pequeno poder sobre você, mesmo que momentâneo. E lá vai você ter que afagar o ego da pessoa para poder continuar o que queria fazer. Se eu recebo uma resposta dessas, pode ter certeza que na primeira chance eu pulo fora dessa interação. Quem faz isso é sequestrador de atenção, e eu não quero ficar um segundo a mais que o necessário nesse cativeiro.

Tem mais! Porque eu sou mimizento assim! Eu também detesto a convenção social de cumprimentar pessoas quando você chega num ambiente. Pra que falar oi pra todo mundo? Sério que você precisa que todo mundo reconheça sua existência de forma deliberada para se certificar dela? Acha que vai virar um fantasma e desaparecer lentamente se não vierem te dar a mão? Eu até entendo o anfitrião ir receber as pessoas que acabaram de chegar, até para tirar dúvidas e situar a pessoa, mas fora isso, é só masturbação coletiva social.

Se duas pessoas têm interesses comuns, elas se encontram naturalmente nos ambientes. Pessoas compatíveis tem gravidade. Não precisa ficar forçando a barra. Essa mania de ficar fazendo “marketing pessoal” gera contatos de baixa qualidade, gente querendo se valorizar pelo número de pessoas conhecidas. Eu gosto da Netflix porque não tem propaganda no meio da série, eu não quero ser audiência da sua estratégia publicitária interpessoal. Não quero ficar rodando por um ambiente cumprimentando gente que provavelmente nem me interessa muito, e não faço questão alguma de ser reconhecido em multidões.

Quem sabe que tem valor e pode ser interessante não se prende a esses pequenos truques para lidar com outros seres humanos. Eu SEI que as pessoas vão querer continuar falando comigo mesmo se eu não ficar mandando bom dia, boa tarde, boa noite, tudo bem… e quem não quiser, quem ficar ofendido… vai tarde! Temos que respeitar o tempo do outro, é o recurso mais finito de todos.

Para dizer que eu sou um chato que vai morrer sozinho (em paz), para me desejar um bom dia, ou mesmo para dizer que eu não devo estar bem: somir@desfavor.com

Comentários (36)

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