13 anos de… inteligência artificial.

Ou, como você está ficando obsoleto. Fale a verdade: você consegue perceber alguma diferença essencial entre a tecnologia que usava em 2008 para a que usa hoje, 13 anos depois? Não parece que as coisas estão meio… paradas? Especialmente para quem viu o mundo virando de ponta cabeça com a globalização e a internet entre os anos 1990 e 2000. Mas e se eu te dissesse que essa última década foi ainda mais rápida nos avanços do que as anteriores?

Tecnologia que você percebe mudando é tecnologia que ainda está engatinhando. Sim, foi um choque para o povo dos anos 90 perceber que o mundo estava chegando na sua casa. Mas demorou um bom tempo até a internet realmente se misturar com nossas vidas. Em 2008 já estávamos finalizando essa etapa. As redes sociais estavam se estabelecendo e o comércio virtual parecia que finalmente ia pegar.

13 anos depois, boa parte das lojas físicas estão sofrendo para continuar viáveis e quem não tem rede social é tratado como alienígena. Parece que não mudou muita coisa, mas na verdade, mudou tão absurdamente rápido que não deu tempo nem de perceber. Você piscou e já estava com quase toda a vida ditada por um smartphone conectado à internet. Não tem tempo de adaptação, a coisa simplesmente aconteceu.

E agora, sua conta bancária está no celular. Seus documentos estão na nuvem, seus contatos só existem numa lista online. A maioria de nós só lembra o telefone da mãe de cabeça, e olhe lá. Não só a tecnologia avançou em miniaturização e eficiência energética, como simplesmente tomou alguns pedaços do nosso cérebro. E salvo uma catástrofe tecnológica sem precedentes, esses pedaços não voltam mais. Vão ser recondicionados rapidamente para outras funções.

Em 2008, a gente se perdia na rua, lembra? Não achava a entrada da estrada. Tinha que ficar olhando número de casa e procurando placa de rua. Sua capacidade de posicionamento global não é tão eficiente quanto a do celular, apoiada por satélites. Em 2008, você tinha que saber como chegar em algum lugar. Em 2021, você precisa ter uma forma de pagamento cadastrada.

É muito fácil se acostumar com maior qualidade de vida. Tão fácil que é difícil de perceber que você está se acostumando. É que nem ter um aumento de salário: no mês seguinte você já está gastando o extra sem perceber. Ao invés de promover mudanças chocantes como robôs e carros voadores, a tecnologia do século XXI se infiltrou sorrateiramente na sua vida cotidiana, tornando quase impossível viver sem ela.

E eu resolvi colocar inteligência artificial no título ao invés de só tecnologia porque essa é a área que teve os maiores avanços nesse tempo todo. Você não está conversando com robôs como em filmes de ficção científica, mas a inteligência artificial já é parte da sua vida. Só não é algo muito óbvio. Enquanto você divide suas informações com a internet, o que é basicamente obrigatório para ter acesso aos serviços que só ela oferece, algoritmos dispensam uma atenção quase que humana a você.

Sistemas definem o tipo de conteúdo que vai ser apresentado e até mesmo suas opções de consumo. Tudo baseado nos seus padrões de comportamento. É como se tivesse uma pessoa olhando para tudo o que você faz e tomando decisões baseadas no que acredita que você vai gostar mais. Passe algum tempo a mais do que o normal lendo uma postagem com uma posição política e o sistema vai arriscar te mostrar outra parecida. Se você reagir a ela também, o sistema começa a definir que você tem aquela posição política.

E talvez até te radicalize por causa disso. Não porque ele se importa com sua posição política, mas porque ele é programado para aumentar seu tempo de atenção. Se te deixar irritado ou assustado funciona, que se explodam as consequências. A inteligência artificial de 2021 é extremamente inteligente para te rotular, e extremamente irresponsável ao te colocar numa bolha. Isso só muda se ela encontrar outra forma de maximizar a quantidade de dinheiro que você gasta com quem a contrata.

A nossa vida está cada vez mais integrada com a tecnologia, e a tecnologia está cada vez mais eficiente em te guiar na direção que considera mais vantajosa. Dessa vez, a revolução não vai ser televisionada, ela vai ser enviada direto para as áreas do seu cérebro que você deixou de usar por causa da tecnologia. Terra virgem.

Não é questão de se a inteligência artificial vai dominar o mundo, é questão de o quanto mais ela vai assumir de controle. A Skynet já começou a trabalhar. Já foi. Nesses 13 anos que o Desfavor existe, a inteligência artificial já assumiu o poder. E do jeito mais realista: sem um propósito próprio, apenas entregando pra gente o que estamos pedindo. Máquinas são programadas para fazer uma coisa e é exatamente isso que elas fazem. Essa coisa de decidir propósito é humana. Talvez até numa análise mais filosófica, o ser humano foi programado para ficar procurando e mudando de propósitos. As máquinas não precisam disso.

E é por isso que eu enxergo o futuro como a humanidade trabalhando seus propósitos enquanto as máquinas vão assumindo todo o resto. Para a inteligência artificial, não existe dúvida existencial: ela é programada para ter uma função. Desde 2008 estamos vendo esse processo. O ser humano acha que quer uma coisa, constrói um algoritmo ou máquina para fazer aquilo. Talvez ele fique satisfeito, talvez queira refazer, mas o propósito é ele que define.

Por enquanto, é esse o verdadeiro diferencial entre humanos e máquinas. Qualquer tarefa que pode ser mecanizada VAI ser mecanizada. E eu estou falando de apertar parafusos ou criar obras de arte. São todas expressões mecânicas de desejos humanos. Nesse meio tempo temos inteligências artificiais guiando mãos robóticas em fábricas e inteligências artificiais produzindo fotos, textos e vídeos. Nada do que você faz é único o suficiente para que uma máquina criada com aquele propósito não faça melhor.

Nada.

NADA.

Não existe profissão segura. Não existe campo que não vá ser afetado por inteligência artificial e mecanização da mão de obra. Não tem mão melhor para apertar um parafuso do que uma máquina de apertar parafusos. Não tem pintor melhor que um algoritmo que cria cem mil versões de uma imagem em um segundo. Não tem médico melhor do que aquele que analisa todo seu DNA em busca de remédios perfeitos para sua fisiologia. Não tem psicólogo melhor do que um sistema que pode analisar toda sua vida e comparar com um banco de dados de bilhões de outras pessoas. Pode não ter algo melhor agora, mas eventualmente vai ter. Basta que seja o propósito de alguém criar essa máquina.

E se o avanço tecnológico desses últimos 13 anos nos ensina alguma coisa, é que você provavelmente nem vai perceber quando surgir uma máquina ou programa que te substitua. Talvez dê tempo de você continuar atendendo seres humanos que ainda não entendem ou tem acesso a nova tecnologia, mas é provável que não. Em questão de horas, uma nova informação já vai ter girado o globo várias vezes. Aí é pura questão de acessibilidade da tecnologia: se você puder fazer o serviço mais barato ou de forma mais específica, pode continuar lutando, mas é questão de tempo até uma pessoa não conseguir mais competir com tecnologia criada para competir na mesma área.

Profissões vão desaparecer (para humanos) em menos de um ano. Ou vão se tornar irrelevantes em comparação com novas formas especializadas criadas pela tecnologia. O timer da sua utilidade no mundo já está correndo. Mas, entendam que não é alarmismo barato: não estou dizendo que você é inútil, estou dizendo que depende de onde você colocar seu valor como pessoa, ele pode desaparecer rapidamente por causa da tecnologia.

Durante milênios, o ser humano se tratou como uma ferramenta. E não à toa: a máquina que somos é impressionante para a média das outras formas de vida. Muito do que consideramos os diferenciais dos humanos evoluiu da nossa imensa capacidade de controlar os músculos de forma muito detalhada e específica. Cachorros não falam porque não tem as ferramentas físicas para falar. Elefantes não desenvolvem filosofia porque não conseguem se comunicar de forma complexa. O cérebro humano é uma maravilha, mas não podemos nos esquecer do cerebelo: é ele quem nos dá habilidades físicas absurdamente acima da média das outras formas de vida. Os outros animais podem ser muito eficientes nas suas especialidades, mas são máquinas de nicho que não tem muito pra onde evoluir. O ser humano é uma máquina orgânica muito adaptável.

O que esses 13 anos nos ensinam é que passamos por uma mudança de paradigma de humanidade. Nossos cérebros desenvolveram tecnologia suficiente para começar a assumir a parte de “ferramenta” da nossa existência. Você não é mais a única forma de realizar um trabalho, você é atualmente a forma mais economicamente viável de fazê-lo. E isso pode mudar com uma invenção ou atualização de software. O que nos sobra é o propósito. O ser humano que cria por criar. Porque é mais do que uma ferramenta, é a intenção. A máquina ainda não tem intenção. Argumento até que se surgir uma inteligência artificial com intenção própria, ela passa a ser apenas inteligência. Não é mais uma categoria à parte, é ser vivo próprio feito de material diferente do nosso. Se isso acontecer, é provável que a versão orgânica da intenção humana fique obsoleta também. A humanidade não precisa de músculos ou neurônios para ser humana, só precisa ter a intenção de ser humanidade.

Eu acho improvável que a maioria de nós veja isso acontecendo, mas até esse momento, é muito importante entender que você não pode mais ser uma ferramenta. O que importa é o que você quer fazer, o que você quer melhorar, mudar ou destruir. Ferramenta por ferramenta, robôs e programas são muito melhores por serem uma evolução da intenção humana. Sua mão não é melhor para aparafusar do que uma chave de fenda, não queira disputar com a ferramenta, você vai sempre perder.

O ser humano se diferencia pela habilidade imensa de tomar decisões em diversas situações, inteligência que se adapta rapidamente. Não é o que você consegue fazer como ferramenta, é a sua intenção ao fazê-lo. A tecnologia acelerou numa velocidade impressionante, e eu acredito que a maioria de nós nem se tocou disso ainda, justamente porque são ferramentas extremamente eficientes para suas funções, tão eficientes que passam despercebidas por quem está se acostumando com cada vez mais facilidades.

Vamos aproveitar essa tecnologia sim, mas sem nunca cair na armadilha que somos competidores. Não existe competição com quem invariavelmente vai ganhar de você. Não seja uma ferramenta, você não foi feito para isso.

Para dizer que sua profissão é única e especial, para dizer que vai morrer antes de se preocupar com isso, ou mesmo para dizer que aceita o domínio dos novos líderes robóticos: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • Gosto do futuro como está se desenhando. Só me assustará um pouco se a norma das inteligências artificiais for a Bia do Bradesco.

    Mas, para quem está com medo da automação: até um tempo atrás, não existia Youtube. Nos primeiros anos da plataforma, ser “youtuber” estava fora de cogitação da maioria das pessoas. Hoje, literalmente qualquer pessoa pode ganhar dinheiro com a plataforma (eu sei, a programação por trás dela é péssima e traiçoeira, mas convenhamos que você não precisa ser graduado ou mesmo ter o ensino básico para postar um vídeo). Algumas pessoas antes excluídas do modelo “comum” de trabalho encontraram uma chance de contornar sua situação.

    Enfim, tecnologia pode destituir dos humanos a função como ferramenta, mas, por outro lado, ela também será mais inclusiva. Mesmo as pessoas menos privilegiadas em intelecto ou deficiências físicas poderão ter mais lugar ao sol e acrescentar à sociedade. Basta se adaptar.

  • E o tal do Metaverso ainda nem chegou. Quando chegar aí que vai desgraçar de vez. Vai piorar a geração de sedentários gordos e cardíacos, vivendo só no virtual com óculos na cara, já só transavam com a mão mesmo no xvideos, vai se normalizar isso.

  • Parabéns pelos 13 aninhos, Desfavor. Eu te peguei no colo quando você era bebê, lembra? E os namoradinhos? hahahaha

    Olhando bem alguns empregos, parece que alguns ainda existem simplesmente porque o empresário se recusa a modernizar as coisas. Afinal, pra que fazer isso quando se pode beber e viajar… além disso, parece que alguns chefes têm essa necessidade de ver gente trabalhando pra eles, pra se sentirem poderosos. Também se aplica a alguns professores em relação a alunos na sala vs. ensino a distância, mas enfim.
    O problema é que não é toda a humanidade que está caminhando junta, por isso essa preocupação com o desaparecimento dos empregos. Ainda tem milhares de pessoas, inclusive no Brasil, vivendo praticamente na era das cavernas, nunca conseguiram juntar um centavo, enquanto outros vão pra escolas bilíngues e cursos de programação e possuem a própria poupança no banco desde criancinha. Não estou defendendo trabalhos braçais e perigosos, é claro, mas o que fazer com essa massa de pessoas que estão à margem?

    • Não estou defendendo trabalhos braçais e perigosos, é claro, mas o que fazer com essa massa de pessoas que estão à margem?

      Esse é o problema do século XXI. A humanidade aumentou a produção de pessoas por alguns séculos, mas agora vai começar a encalhar… de um ponto de vista bem pragmático: tomara que os zoomers sejam tão gays quanto falam que são, porque vamos ter que baixar bastante a taxa de natalidade.

    • Eu acho que o mundo não vai ser destruído por uma máquina de clipes de papel infinitos.

      Mas o universo? Esse é quase certeza.

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