James Webb

Se nada der errado de novo, o novo telescópio espacial James Webb será lançado ao espaço dia 25 de dezembro. A primeira data marcada era dia 18, mas alguns problemas foram empurrando o lançamento para frente. Com certeza vou assistir ao vivo pela internet, torcendo para que tudo funcione bem. Porque se funcionar, vai começar uma nova era no estudo do espaço!

O projeto começou em 1996, com o objetivo de substituir o telescópio espacial Hubble, aquele cujas imagens explodiram a cabeça da humanidade e mudaram para sempre a forma como enxergamos a imensidão do universo. O primeiro plano previa o lançamento em 2007. Obviamente as coisas não saíram como planejado, afinal, estamos falando sobre ele 14 anos depois.

Mas é incompetência da Nasa e das outras agências espaciais responsáveis pelo projeto? Eu daria um desconto: o James Webb (nomeado em homenagem a um dos primeiros diretores da Nasa) é um dos maiores desafios de engenharia da história humana. Qualquer previsão num projeto desses era um risco. Não só a tecnologia como a escala do telescópio vai muito além de qualquer outra coisa já enviada para o espaço.

De forma simples, o telescópio espacial é uma máquina fotográfica gigante. O objetivo final do objeto é mandar fotos para a gente, assim como o Hubble fazia. Mas é claro que estamos falando de um nível bem diferente de fotos: o James Webb é especializado em capturar imagens do espectro infravermelho, uma forma muito menos energética que nossos olhos foram desenvolvidos para captar. E o foco nessa faixa é muito importante: quanto mais longe se olha no universo, você também olha para o passado.

A luz viaja na velocidade… da luz. Como não tem massa, nada pode desacelerá-la, mas isso não quer dizer que não vá interagir com outras coisas, afinal, se a luz não “batesse” nas coisas, seríamos todos cegos. Mesmo que esteja sempre correndo na velocidade máxima possível, a luz pode ter mais ou menos energia de acordo com o lugar de onde veio e o caminho que fez até ser detectada.

Se ela veio de uma explosão estelar, uma supernova, ela já sai com uma energia absurda, mas como estamos num universo governado pela entropia, é quase certeza que não vão faltar oportunidades de ela perder essa energia no caminho. Qualquer batida tira energia dela, e por mais vazio que o universo seja, a chance de nada tirar energia de um fóton num caminho de bilhões de anos é praticamente zero.

Estou falando disso porque quanto mais de longe vem a luz, maior a chance de ela estar num nível mais baixo de energia. Em alguns casos, o objeto está tão longe que só o que chega até aqui são fótons enfraquecidos, já no nível de energia do infravermelho (menos energética do que a luz que enxergamos). O telescópio espacial Hubble já fazia isso, até por isso conseguiu imagens de lugares absurdamente distantes (e antigos), mas o que o James Webb se propõe a fazer é muito maior.

Em tese, as imagens desse telescópio vão conseguir enxergar muito mais longe, e por consequência, muito mais no passado. Vamos ter imagens de um universo ainda mais novo do que as que já temos, o que pode nos ajudar a entender mais sobre como as coisas se desenvolveram. Mas não é só nesse campo “teórico” que o James Webb atua: é a mesma coisa que trocar a câmera de um celular por uma câmera profissional de fotógrafo. Vai aumentar a qualidade das imagens.

Vamos enxergar mais coisas, com mais detalhes. O James Webb pode tirar fotos mais detalhadas das coisas que o Hubble já captou também. É bem provável que comecemos a ver mais planetas nas nossas imediações. Planetas são basicamente invisíveis porque não emitem luz por conta própria, mas refletem um pouco da luz de suas estrelas. Quanto maior a sua câmera, mais luz ela pode captar, e a chance de pegar uma dessas reflexões aumenta consideravelmente.

O James Webb também vai evoluir em relação à sua posição em relação à Terra. O Hubble ficava em órbita do nosso planeta, pegando não só interferências vindas da superfície, como também sendo exposto a boa parte da radiação vinda do Sol. Importante lembrar que tem uma bomba atômica explodindo sem parar no centro do Sistema Solar… isso atrapalha qualquer tentativa de olhar para fora dele.

Por isso, o telescópio espacial vai ser “estacionado” no ponto de Lagrange 2 da Terra. O que é um ponto de Lagrange? Simplificando, são lugares especiais na órbita da Terra ao redor do Sol onde a atração gravitacional do planeta e do Sol se equilibram da forma exata para manter as coisas mais ou menos no lugar que você deixa. Não à toa, muitos asteroides acabam “presos” nesses pontos das órbitas dos planetas. O ponto Lagrange 2 da Terra fica depois do nosso planeta (no sentido de quem vem do Sol), e além de ser um lugar estável para ficar, vulgo não precisa gastar muito combustível para ficar onde está, também tem a vantagem de estar sempre com a sombra da Terra sobre ele.

O Sol é a coisa mais chata para um telescópio, tanto que só funcionam bem de noite. Fora do planeta, só tem um lugar específico que pode ser considerado noite, e é pra lá que o James Webb vai ser enviado. E não é perto. O ponto Lagrange 2 da Terra fica muito mais longe que a Lua, o que significa que ao contrário do Hubble, o James Webb não vai poder receber manutenção. Não temos tecnologia para mandar um humano tão longe com segurança ainda.

Por isso, o telescópio espacial não só vai ter que chegar são e salvo nessa distância imensa (o que vai demorar uns 6 meses), como vai ter que se virar sozinho o tempo todo. Ao contrário do Hubble, que era uma lata com painéis solares e uma lente na frente, o James Webb tem um design muito mais ambicioso: no seu formato final, ele seria muito maior que qualquer foguete seria capaz de carregar. Por isso, ele vai todo dobrado para o espaço, e vai se montar sozinho já no espaço.

É tipo um Transformer, para chegar no formato final, são centenas de motores e sensores que tem que funcionar perfeitamente, na ordem certa. Dia 25 (se não atrasar mais) vamos nos livrar só do primeiro medo, o de explodir no caminho, mas depois disso serão mais meses de tensão para ver se tudo vai funcionar direito. Foram anos de testes aqui no chão para garantir que está tudo nos lugares certos, mas depois que for para o espaço, só tem uma chance de funcionar.

E quando estiver tudo montado, ainda tem outros perigos: como o telescópio trabalha prioritariamente com luz infravermelha, o que também é conhecido como calor, ele tem que estar resfriado numa temperatura absurdamente baixa para funcionar direito. O grau de sensibilidade da sua câmera é tão imenso que mesmo o restinho de calor solar que chega até a sombra da Terra estragaria as imagens. Por isso, ele vai ficar virado contra o Sol, com protetores feitos de materiais especiais para não deixar passar quase nada de calor.

E piora: o espaço é muito frio, mas não é frio o suficiente para os sistemas que ele vai usar. Acredite se quiser, tem um sistema de resfriamento dentro do telescópio. A Nasa desenvolveu um mecanismo maluco que usa ondas sonoras para prender o calor no canto de uma câmara de resfriamento. Por incrível que pareça, funciona, e funciona com pouco gasto de energia, sem adicionar muito peso.

O James Webb vai ter que manter a câmera funcionando, os sistemas de resfriamento e até mesmo propulsores para se manter exatamente dentro da sombra da Terra. Isso significa que salvo algum avanço nesse meio tempo, ele está programado para funcionar por 10 anos. Claro, na verdade deve ser capaz de funcionar por uns 15, sempre tem muita margem de segurança nesses projetos, mas 10 anos é a meta. Talvez consigamos mandar pessoas ou robôs para consertar ou reabastecer o James Webb nesses 10 anos, e já estão trabalhando nisso antes mesmo de lançar. Mas seja como for, não é como o Hubble que foi consertado e atualizado seguidas vezes, esse tem data de validade até segunda ordem.

É um projeto caro (custou mais de 10 bilhões de dólares) e arriscado, mas para quem realmente está prestando atenção na evolução da jornada humana rumo ao espaço, deve ser um dos maiores feitos no campo até hoje. O chefe da missão já deu entrevista dizendo que estamos basicamente no limite do que dá pra fazer com construção na Terra. É essencial aprender a montar essas coisas já no espaço, porque subir coisa em foguete é muito limitante. O James Webb é um grande passo nesse sentido, um dos projetos mais “independentes” de manutenção humana em larga escala.

Espero muitas imagens que nos ensinem mais sobre o universo, e que talvez até nos façam rever muitas das teorias vigentes, mas mais do que isso, eu espero que a tecnologia funcione mesmo com todas as limitações. Para a exploração espacial, máquinas mais complexas e mais autônomas são uma notícia excelente. Seria uma imensa decepção descobrir que algo como o James Webb ainda é complexo demais para a humanidade. Eu vou passar meses curioso/ansioso sobre o processo, e a primeira etapa é no Natal. É o único presente que estou esperando.

E se você pensar em escrever algo como “desperdício de dinheiro”, eu já vou te dar uma patada preventiva: a maioria das pessoas que se interessa pelo espaço já está de saco cheio de discutir o tema. Na verdade, estamos tão de saco cheio que estamos torcendo para que sair do planeta seja uma realidade o mais rápido possível e abandonar essa gente jogando pedras uns nos outros e fazendo pedidos para amigos imaginários. Exploração espacial é a ÚNICA chance de sobrevivência da espécie no longo prazo. Ou fazemos isso, ou não estamos fazendo nada. Se os primeiros humanos que começaram a plantar tivessem ouvido os que diziam que era perda de tempo, você não estaria aqui.

Sagrado direito seu não se importar com o tema, existem milhares de outros temas bacanas para discutir num bar, só pedimos esse mínimo: não encha o saco. E se você estiver interessado(a), procure pelo lançamento do James Webb no Natal, vai estar ao vivo pelo YouTube. E quando esse trambolho estiver no espaço, faça parte do suspiro de alívio que vai ecoar pelo mundo.

Para dizer que leu tudo e descobriu que não se interessa, para dizer que vai contar para as crianças que era do tempo do Hubble, ou mesmo para dizer que vai torcer para explodir porque gosta de caos (não posso te criticar, caos é divertido): somir@desfavor.com

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Comments (6)

  • Se você já não escreveu, que tal um texto sobre chips subcutâneos? Imagina não precisarmos mais carregar tantos cartões, salvo uma ou outra situação excepcional, talvez.

  • Impressionante!

    Esse projeto é muito mais do que “muito ambicioso”. Nada do que tenha sido concebido pela Humanidade até hoje teve um grau de complexidade tão grande e nem tanta coisa que precise funcionar perfeitamente e logo de primeira. E, por tudo o que o James Webb representa para o progresso científico, nós temos mais é que torcer para que dê tudo certo. Uma pergunta: seria correto dizer que, em termos de salto tecnológico e de escancarar uma nova porta para o futuro, o lançamento desse novo telescópio espacial estaria para a nossa geração assim como a ida à Lua esteve para a de nossos pais e/ou avós?

    Uma coisa que você não mencionou, Somir: além de proporcionar novas e fantásticas imagens do Universo, é de se imaginar que, ainda que daqui a muito tempo, ao menos parte de toda a tecnologia embarcada nesse telescópio (sistema de resfriamento inovador usando ondas sonoras, capacidade da máquina de “se montar sozinha”, novos materiais mais resistentes ao calor, etc.) também encontre outras aplicações aqui na Terra mesmo. Ou isso já seria “viajar” demais?

    • Sobre a primeira pergunta: eu fiquei tentado a fazer essa analogia com a Lua, mas me segurei. De um ponto de vista de engenharia e tecnologia, é um salto enorme, mas não se compara com o efeito psicológico de pisar na Lua. Eu realmente acredito que passar isso ao vivo na TV motivou gerações para gostar de ciência e contribuiu muito com os avanços desde então. Eu acho que só quando uma pessoa pisar em Marte que vamos ter algo parecido no fator psicológico.

      E sobre a segunda: não é viajar não, todas as tecnologias desenvolvidas pela Nasa e outras agências espaciais acaba encontrando alguma função aqui no chão. Dessa vez fizeram bastantes avanços inclusive na ciência de materiais. E maior autonomia de máquinas no espaço é um caminho que tínhamos que seguir para continuar explorando.

  • “Na verdade, estamos tão de saco cheio que estamos torcendo para que sair do planeta seja uma realidade o mais rápido possível e abandonar essa gente jogando pedras uns nos outros e fazendo pedidos para amigos imaginários.”

    Concordo que esse povo “preocupado com os pobres” e faz menos do que as pessoas que eles criticam é um saco, mas… O que te leva a presumir que você faria parte do grupo que sairia do planeta, e não seria largado aqui junto com a pobralhada fodida?

    • O mesmo motivo pelo qual eu tenho acesso aos alimentos criados pela revolução da agricultura e aos produtos da revolução industrial. Isso de “esconder tecnologia das massas” só existe na ficção. No mundo real, existe uma economia que torna isso impossível. Pode ser caro no começo, mas com o tempo todo mundo começa a participar.

      A internet era de uma elite há menos de 20 anos atrás. Hoje em dia os indianos pobres estão travando a rede mandando mensagem de bom dia no WhatsApp.

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