FAQ: Coronavírus – 52

Tenho um hamster e estou preocupada, eu sei que é fútil, mas você pode me ajudar a entender quais são os riscos?

Não julgo quem se preocupa com seus pets, é o mínimo que a pessoa pode fazer depois que assume a responsabilidade de cuidar um animal: promover os melhores cuidados possíveis para ele. Sua preocupação é válida.

Colocando no contexto para que todos entendam a dúvida: Hong Kong decidiu sacrificar mais de 2 mil hamsters depois deles testarem positivo para coronavírus. A notícia pegou o mundo (de nós, leigos) de surpresa, pois, até então, o que se sabia era que o corona só passava para visons.

Tudo começou quando funcionários de um pet shop e alguns clientes testaram positivo para coronavírus e não foi possível rastrear de onde haviam sido contaminados, pois nenhum deles relatava nenhum contato com possíveis infectados. Decidiram testar os animais à venda na loja e perceberam que todos os hamsters estavam com coronavírus.

Preocupante? Sim, mas pelo contexto geral, não pelos hamsters. Seus hamsters vão ficar bem (já vamos chegar lá).

O fato do vírus “aprender” a pular de um bicho para o outro com tanta facilidade assusta pois torna mais difícil erradicar a doença. A varíola, único vírus que o ser humano conseguiu erradicar (na base da vacina) só foi erradicada por nunca ter migrado para outros animais. Em tese, você pode controlar e vacinar humano, mas vacinar todos os animais é muito mais complicado.

A covid raiz não tinha a capacidade de infectar hamsters. As variantes Alfa, Beta e Gama também não. Porém, estudando esse caso de Hong Kong, se descobriu que a Delta tem uma mutação que lhe deu a capacidade de infectar os hamsters. É o que acontece quando deixamos o vírus circular à vontade, ele muta até conseguir novas proezas.

Felizmente a Ômicron não parece ter essa capacidade de infectar hamsters. Ao que tudo indica, quando a Delta mudou para Ômicron, perdeu esse “dom”, que, convenhamos, não era de muita utilidade para o vírus. Fique tranquila, pois a Delta tende a desaparecer, a variante que hoje prevalece é a Ômicron, portanto, as chances de que seus hamsters sejam infectados, por hora, é zero.

Mas vale o alerta geral: o vírus está mutando tanto que pode saltar para outros animais. Hoje foram os hamster, amanhã pode ser outro animal mais presente na nossa sociedade, seja ele animal de estimação, seja um animal essencial para nossa alimentação. Já pensou ter que sacrificar cães, gatos, vacas ou galinhas?

Mas, não tem nada ruim que não possa piorar. O caso dos hamsters foi um susto passageiro, mas um caso registrado em Ohio, nos EUA, é um problema real.

Nos EUA descobriram que o vírus pulou para um certo tipo de veado (de cauda branca). Mais de um terço da população desses veados está infectada – e estavam com diferentes linhagens de coronavírus. Hoje, sabemos que nessa região o coronavírus circula livre e bem adaptado entre veados selvagens, animais que, ao contrário de hamsters, não podemos controlar.

Vejam como é o mundo: a regra seria que nós humanos nos preocupemos com as zoonoses, doenças vindas de animais, como a raiva, por exemplo. Como estamos? Nós é que estamos infectando os bichos com humanoses, doenças de gente que atacam os animais. Senhores, estamos chegando ao fundo do poço. Os bichos vão ter que começar a se vacinar contra a gente.

Não sabemos se esse vírus que infectou os veados pode infectar humanos de volta. Se puder, isso é um belo problema. Vai ser muito difícil conter a transmissão entre animais selvagens, pois, assim como muitos humanos, eles não sabem usar máscara e é muito difícil conseguir vacinar todos eles.

Então, hoje temos um coronavírus na natureza, circulando entre animais selvagens, sem controle, que pode continuar mutando entre eles, se transformando em algo completamente diferente do que conhecemos, infectando novas espécies e, a qualquer momento, infectar de volta seres humanos, depois de sofrer essas inúmeras mutações.

E que esse coronavírus dos veados infecte humanos é apenas um dos problemas. Também tem uma variação dessa danação: pode acontecer desse coronavírus que infecta animais selvagens mutar e depois se “misturar” com o coronavírus humano. Isso já aconteceu com o vírus da gripe (Influenza), que afeta porcos e pessoas.

O vírus dos humanos segue em uma direção evolutiva e o vírus dos animais selvagens segue outra. Quando uma pessoa com o vírus encontra um bichinho com um vírus, os vírus podem se misturar, criando um terceiro vírus, bastante diferente do original, ou seja, que pode tem grandes chances de não ser reconhecido pela vacina.

Foi isso que aconteceu anos atrás, em 2009, quando surgiu a Gripe Suína: um novo H1N1 humano com pedacinhos da gripe de porcos. Um humano gripado esbarrou em um porco gripado e os vírus se fundiram. Nesse caso, felizmente a humanidade reagiu a tempo e evitou uma pandemia. Se algo similar acontecesse hoje, não sei se seria possível.

Então, sua pergunta vai muito além dos seus pets. É bom que todos entendam o que significa que o coronavírus está circulando entre outros animais, inclusive animais selvagens, que não controlamos.

Isso pode fazer com que, quando a gente acha que a pandemia acabou, ela ressurja com um vírus vindo de animais selvagens que pulam de volta para humanos, retornando para nos assombrar, quando achamos que estava tudo acabado e controlado.

Por hora, palmas para nós, criamos o coronavírus cervidiário (de veados), mas… vai saber que outros animais já não pegaram? Tem país que não testa nem as pessoas, muito menos seus animais. Existe a real possibilidade que o coronavírus esteja circulando neste exato momento entre vários animais selvagens, mutando, se aprimorando e que um dia essa versão nova passe para humanos. Pode nunca acontecer? Pode. Pode acontecer? Pode.

Eu diria que, com o vírus em animais selvagens, acabou nosso resquício de esperança de erradicar completamente o coronavírus em tempos próximos. Infelizmente acredito que não viveremos para ver um mundo sem coronavírus. Controlado? Sim. Erradicado? Acho muito improvável.

Seus hamsters vão ficar bem, já a humanidade… pode ser recontaminada a qualquer momento por mutações vindas de animais selvagens, para as quais não há anticorpos nem vacinas.


Que porra é essa de variante da variante? O que é ba2?

Até a data de hoje, a BA.2 é considerada um subtipo da Ômicron, mas não se sabe o suficiente para uma classificação definitiva. Dependendo do que encontrarem em um estudo aprofundando, ela pode ganhar status de variante preocupante autônoma, com sua letrinha grega própria. A confirmar.
Hoje vamos tratar a BA.2 como uma nova linhagem da Ômicron e, se esse status mudar, a gente volta no tema no próximo FAQ.

O que há de diferente na BA.2 para ela ser considerada uma nova linhagem? Ela tem várias mutações em comum com a Ômicron raiz, mas tem algumas diferenças importantes, entre elas o fato de que, ao que tudo indica, é mais contagiosa e pode contaminar quem já teve Ômicron, o que é mais uma pá de cal naquela diarreia mental de Ômicron ser “um presente de Natal” e uma “imunização natural” que vai levar ao “fim da pandemia”.

Em alguns países como Dinamarca e África do Sul, a BA.2 está tomando o lugar da Ômicron, o que é bastante assustador, pois a Ômicron original já era absurdamente contagiosa. Por hora, os estudos preliminares estimam que a BA.2 seja ainda mais contagiosa do que a Ômicron. Se a Ômicron imunizasse naturalmente a humanidade, como supunham alguns, a BA.2 não estaria contaminando pessoas que já tiveram Ômicron, certo?

Então, é provável que quem teve a Ômicron não esteja imunizado contra a BA.2, pois países com muitos contágios de Ômicron estão apresentando muitos contágios de BA.2. Então, não tem conversa: ou toma três doses da vacina, ou tem grandes chances de pegar.

O que começamos a ver é que países que passaram por uma onda de Ômicron, com a África do Sul, que achavam que teriam um respiro quando a onda de Ômicron fosse embora, se depararam com uma outra onda logo depois, e ainda mais contagiosa. Sim, isso mesmo, não temos um segundo de paz. Mas a culpa é nossa, enquanto humanidade, pois não fazemos o que tem que ser feito para que uma pandemia acabe.

Pode ser que seja só um susto inicial, pode ser que ela tome o mundo todo. Ainda não sabemos. O que eu posso te dizer é: não conte que quando passar a onda da Ômicron vai vir um período de abertura e calmaria, pode vir outra onda de BA. 2 logo em seguida. Pode não vir? Pode. Pode vir? Pode.

Até onde se sabe, a BA.2 tem o mesmo escape vacinal que a Ômicron, ou seja, nada muda: com três doses de vacina suas chances de pegar são mínimas e com duas doses suas chances de pegar são grandes. O que ela causa em matérias de covid longa, as sequelas que ela deixa e o quanto ela vai se alastrar ainda não sabemos.

Lembrando sempre que a Ômicron era, até aqui, o vírus mais contagioso com o qual a humanidade já teve contato e que esse tsunami do Ômicron gerou, até onde se sabe, a maior quantidade de pessoas infectadas no mundo no menor tempo. Literalmente, meia humanidade teve, tem ou vai ter Ômicron. Agora você pega e aumenta ainda mais o poder de contágio desse vírus e pensa o que pode acontecer com a BA.2

Não faz parte da pergunta, mas eu faço questão de deixar aqui: a mídia brasileira insiste em dizer que com duas doses a pessoa está com o cronograma vacinal “completo”. NÃO ESTÁ. Quando falamos de um vírus em constante mutação, não há cronograma vacinal completo até que a pandemia esteja controlada.

Hoje, o cronograma completo seria com três doses, mas amanhã serão quatro, ou até mais. E isso não é falha da vacina, isso é a ciência evoluindo diante dos seus olhos, se adaptando a um novo vírus cada vez que ele muda. É motivo de orgulho, de alegria, que a ciência consiga se adaptar tão rápido para te proteger. Então, não caia nessa conversa jacu de achar a vacina ruim por uma única vacina não resolver tudo para sempre.

O ponto é: se você está com duas doses, saiba que não está com a vacina “completa” e não está protegido. Com a Ômicron, a sua proteção que era de 90%, caiu para 30%. Isso significa que você tem mais chances de adoecer do que de não adoecer se tiver contato com a Ômicron ou com a BA.2. Por hora, o cronograma de vacina está completo com três doses. TRÊS.

E vale lembrar que o fato de o vírus estar “focado” em aumentar o contágio não quer dizer que ele escolheu esse caminho “em vez de” tentar o escape vacinal. Há mais pessoas sem vacina do que com vacina no mundo, a melhor estratégia para o vírus, por enquanto, continua sendo focar na quantidade de infectados.

Mas, quando ele encontrar mais barreiras do que facilidades, as variantes que vão surgir podem começar a ser com escape vacinal grande, até completo. Nada de achar que a guerra está ganha, pois ela só esta começando.


No hospital onde eu trabalho tem 10 pessoas não vacinadas internadas e 10 pessoas vacinadas internadas. E aí? Cadê a sua teoria que tinha mais não vacinado no hospital do que vacinado?

Tá aí, na sua frente, bem debaixo do seu nariz. Manda um forte abraço para o seu professor de matemática, ele deve ter sofrido demais para te ensinar algo.

Quantas pessoas vacinadas tem na sua cidade? Como seu comentário veio do Rio de Janeiro, eu vou usar a base de informação publicada pelo poder público do Rio de Janeiro.

Para fins didáticos, não vou usar o número exato de habitantes, pois é um número enorme e quebrado. Vamos usar números redondos e curtos, mantendo a proporção, que, segundo divulgado (não cabe a mim dizer se corresponde à verdade ou não), na cidade do Rio de Janeiro é de quase 90% da população com o “calendário vacinal completo”.

Se uma cidade tem 1000 habitantes e, desses mil, 90% estão vacinados, temos um total de 900 pessoas vacinadas e 100 pessoas não vacinadas, certo?

Se, dessas 900 pessoas vacinadas, 10 estão hospitalizadas, isso significa que 1% da população vacinada foi hospitalizada.

Se, dessas 100 pessoas não vacinadas, 10 estão hospitalizadas, isso significa que 10% da população não-vacinada foi hospitalizada.

Então, ainda que em números absolutos existam a mesma quantidade de vacinados que de não vacinados em um hospital (o que nem de longe seria, por si só, indicativo de algo), a quantidade de não vacinados hospitalizados é maior. Tem 890 pessoas vacinadas que estão muito bem em suas casas e só 90 pessoas não vacinadas que estão muito bem em suas casas.

Além disso, o Brasil considera o “calendário vacinal completo” duas doses, que nós já cansamos de repetir que não bastam para impedir contágio da Ômicron.

Se os dados fossem medidos da forma correta e se observasse a quantidade de internações entre pessoas com três doses x pessoas sem vacina, a diferença seria ainda maior.

Então, vamos parar de duvidar das vacinas, que já passamos dessa fase. E por favor, não me obriguem a usar matemática, eu abomino contas.

Para dizer que não basta o ser humano foder com ele, tinha que desgraçar a vida dos bichos também, para dizer que isso não são ondas, é um maremoto: sally@desfavor.com

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Comments (10)

  • O fato de covid ter virado epizootia nao significa que nao pode ser controlada. Isso, claro, em paises com governo e serviço de vigilancia funcionais.

  • Sobre a última pergunta, eu acho que cabe uma tentativa de explicação: dificuldade que a maioria das pessoas – inclusive as da imprensa – tem para entender certos conceitos matemáticos como porcentagem e proporção + má intenção de muitos calhordas que estão por aí apenas para apresentar dados propositalmente distorcidos de acordo com as suas “conveniências”. A soma desses dois problemas costuma dar margem a todo tipo de confusões, mal-entendidos e/ou safadezas.

  • Branca de Neve Pornô

    Pra conseguir a terceira dose da vacina, tive que ir praticamente do outro lado da cidade, me esquivando de um bocado de velho tossindo porque limitaram o acesso a essa região, que fica longe da área central.

    • Com licença, mas… Por que é que, de uns tempos pra cá, quase todo texto aqui tem um comentário como este, que nada mais é do que um link pro próprio texto?

      • Eu não sei exatamente quem está fazendo isso, mas eu deixo porque o Google gosta quando alguém te linka, isso aumenta nossa relevância. É só fingir que não está aqui.

      • Se você clicar no nome do comentário vai pra um blog chamado cliniceye.wordpress.com (no template antigo do Desfavor nomes com links eram destacados em vermelho, mas o template atual não tem isso, mas ainda dá pra inserir um link no seu nome sim)
        Deve ser algum seguidor arquivando os textos para o caso de o blog cair.

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