Anticonsumismo.

O Word tentou corrigir o título para anticomunismo… seria a Matrix lutando contra o que eu vou dizer aqui? Consumismo é algo intimamente ligado com o sistema capitalista no qual estamos inseridos. Até mesmo em países que se dizem comunistas, a ideia de precisarmos comprar mais e mais coisas para nos sentirmos completos é parte integrante da mentalidade humana. Mas será que você precisa mudar muito a sua mente para lutar contra essa tendência?

Falar sobre consumismo não é novidade alguma, mas eu acredito que misturam coisas demais nesse tema. Espiritualidade, realização pessoal, visões políticas… realmente precisamos dessa bagagem toda para falar sobre querer ficar comprando coisas? Eu não quero ter que me decidir sobre o que é felicidade de verdade ou sobre qual sistema de governo funciona ou não, eu só quero pensar se a gente precisa mesmo de todas as coisas que acha que precisa.

Tipo abrir um armário que ficou esquecido por anos e ver se você ainda tem alguma função para aqueles trambolhos. Carregador de Nokia 3100? Um boné dos Raimundos? Um saco com parafusos que você nem sabe mais aonde vão? É normal começar a pensar sobre a função de coisas que você guarda, e a não ser que você tenha um problema psicológico, escolher o que fica e o que vai embora.

O meu argumento passa muito pela ideia de que acumulamos coisas como um efeito colateral da forma como nossa espécie evoluiu: seres humanos que se preparavam para o futuro conseguiam deixar descendentes. Todos nós somos resultado de milênios e milênios de seleção natural dos humanoides mais propensos a acumular recursos para momentos difíceis.

Os caminhos neurais do ser humano já vem de fábrica com uma tendência a priorizar manutenção de recursos. Uma espécie de ganância instintiva que nos diferencia e muito de outros animais que vivem de refeição em refeição. Sim, não somos os únicos, esquilos acumulam comida, ursos engordam para o inverno, formigas tem até fazendas de fungos que usam para se alimentar; mas só o humano consegue pensar em tudo isso ao mesmo tempo. E mais importante: fazer.

Quando complicamos demais o tema do consumismo com política e até mesmo religião, esquecemos desse elemento básico: seu cérebro vai colocar a ideia de comprar e estocar coisas como métrica do seu sucesso. Não porque ter muito é a medida do que você é, mas porque tem uma voz do passado ancestral na sua cabeça dizendo que é melhor sobrar do que faltar.

Só que essa voz ancestral não foi treinada com celulares e carros, foi treinada com comida, água e abrigo. Então, ela não sabe a diferença entre uma jóia e uma batata. Se os outros macacos pelados ao seu redor valorizam uma coisa, é bom você ter também. Afinal, quando o instinto se desenvolveu era mesmo questão de vida ou morte.

Aliás, instintos não tendem a considerar coisas complexas mesmo. Talvez nem mais algumas dezenas de milhares de anos de evolução consigam fazer que um conjunto de neurônios entenda o que é um aparelho eletrônico. Tem que ser algo bem mais direto para caber num instinto. Foco em coisas que você precisa para sobreviver nas próximas horas, não coisas que tornem sua vida mais confortável.

Por isso, o que eu noto aqui é que temos um problema fundamental causado pela imensa evolução social humana: a ideia de consumir e estocar vai estar sempre presente, mesmo que o ambiente ao seu redor já te permita reduzir esse grau de preocupação com subsistência. Uma pessoa do mundo moderno está inserida num sistema que oferece alimento, água e proteção dos elementos para a imensa maioria, sem a necessidade de fazer algo muito específico para conseguir isso. Você provavelmente não planta nada e não caça nada do que come. A água simplesmente aparece na sua casa, e salvo um desastre natural, chuva e ventos são apenas incômodos passageiros.

O impulso de ter esses elementos básicos acaba reduzido, nos acostumamos com a mordomia do mundo moderno. Só que o instinto ainda está lá, te dizendo que é para ficar esperto senão vai morrer. Qual o próximo passo na mente de uma pessoa média que tem suas necessidades básicas atendidas com facilidade? Procurar outras coisas para sentir falta.

Sentimos falta de internet e eletricidade hoje em dia. Eu sinto. Quando acaba a luz, eu fico perdido. Não preciso de nada disso para ser viável como ser humano, mas o passo já foi dado: a mente ancestral não sabe o que é um byte, mas eu faço tanta coisa no computador que já está conectado ao meu modo de vida. “Deve ser importante, tipo comida”.

É quando eu acredito ser válido se perguntar o que realmente faz falta. A ideia de consumismo e até anticonsumismo costuma entrar num contexto coletivo quando deveria ser totalmente pessoal. Você deveria saber o que te faz falta de verdade e o que é mero capricho. Quando a pessoa pensa no que realmente faz falta, ela pode se desvencilhar da parte danosa do consumismo: a confusão mental sobre quem é você e o que você possui.

Eu realmente acredito que algumas coisas que consumimos e acumulamos possam fazer parte do que somos: eu não morro se ficar sem computador e internet, mas muitos dos meus talentos e interesses estão conectados com essa parte da tecnologia humana. É importante não se deixar dominar por elementos externos, mas o mundo está aí para ser consumido mesmo. A entropia está levando o universo para um final gelado mesmo, se você não consumir, o tempo vai.

Mas que a ideia de consumir seja consciente: e não consciente no sentido golpista que grandes empresas criaram para jogar a culpa do aquecimento global na gente, não é sobre deixar de comprar coisas e querer viver feito uma planta; consumir de forma consciente é entender o que você quer com cada coisa consumida. O porquê de você estar fazendo aquilo.

Se eu compro um computador melhor, é porque eu entendo que eu posso transformar ele em energia útil pra minha vida. Se eu compro um sorvete mesmo sem estar passando fome, é porque aquele alimento vai me trazer prazer. Somos seres vivos, nossa função no universo é consumir e transformar.

Então, nada de papo hippie de que não precisamos de nada, nada de papo comunista que você não pode ter algo que outros não tem, apenas o papo do porquê do seu consumo. Se você começar a perceber a diferença entre o que quer e o que tem medo de não ter, começa a diferenciar a vontade da compulsão. Começa a ouvir a voz ancestral que te manda acumular e saber do que ela está falando.

Você precisa consumir para viver. Mas não precisa aceitar nenhuma teoria complexa sobre o que é ser feliz ou o que é certo para toda a humanidade para entender o que te faz diferença. O que você quer e o que te faz falta podem ser coisas diferentes, e tudo bem ter coisas que você não precisa, desde que você entenda que não precisa.

Não deixe ninguém te dizer que ser anticonsumista é ser anticapitalista, ou mesmo que é papo de maconheiro ou adolescente rebelde. O consumismo é uma forma de funcionar do humano ancestral sequestrada pelo mundo moderno para vender mais penduricalhos inúteis. Se você não conseguir diferenciar as coisas que realmente tem a ver com você e as coisas que são empurradas como essenciais (por quem vende essas coisas), você vai acabar com um monte de porcarias na mão e várias dívidas no banco.

E quando alguém te disser que você não deveria querer comprar coisas, você vai ficar super confuso: “oras, minha mente está literalmente me dizendo que eu tenho que ter todas essas coisas que estão anunciando.” O seu instinto provavelmente está confuso com o mundo moderno, perdendo a capacidade de diferenciar necessidades básicas de ideias enfiadas na sua cabeça pela publicidade.

Não precisa fazer um curso de filosofia para desatar esse nó, basta olhar para as coisas que consome e pensar se é necessidade ou capricho. O resto você é muito capaz de resolver sozinho.

Pare de comprar porcarias.

Se não quiser comprar porcarias.

Para me chamar de comunista subversivo, para dizer que desistiu de comprar algo inútil por ler este texto (de nada), ou mesmo para dizer que isso é choro de pobre: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • Existem cursos e faculdades que ensinam a vender, mas não tem sequer uma aulinha de planejamento financeiro na escola, e quando um professor inventa de fazer, é “coisa de mão de vaca”.

  • Eu morro se ficar sem internet sim. Nem sou de ostentar coisas, mas meu celular top e meu computador eu preciso ter, acompanhando da internet mais pica que tiver.

  • Status Anxiety é um bom livro que fala sobre esse assunto.
    “e não consciente no sentido golpista que grandes empresas criaram para jogar a culpa do aquecimento global na gente” não precisa ser conspirador pra perceber que essas agendas “ambientais” não passam de ferramenta pra sabotar o desenvolvimento de países sul americanos e africanos. Os caras passam séculos pegando nossos recursos e agora querem nos proibir de explorar o que é nosso por direito.

  • Sou adepta do minimalismo/essencialismo e se fosse resumir em uma palavra a sensação que essa prática me proporciona seria:
    Paz.

    • Minimalismo é uma dádiva, é vida! Eu já pratico há algum tempo tendo só o mínimo do necessário mesmo de louças e talheres dentro de casa. Mas claro, isso também não significa ter que ser pão duro consigo mesmo e ter que se virar tendo só uma faca pra fazer tudo em casa. Em exagero daí não dá!
      Mas, embora eu reduza bastante ao essencial os itens de casa, ainda assim resta essa vontade de consumir que o Somir mencionou no texto, quando penso em investir em um novo computador, por exemplo.

      • A vida fica mais leve, sem dúvida. E minimalismo não tem nada a ver com avareza. Uma coisa é a pessoa saber viver bem tendo consigo apenas o essencial. Outra, bem diferente, é passar aperto desnecessariamente pura e simplesmente por pão-durismo. Comprar por impulso é algo a ser evitado, mas ficar sempre só na vontade ou ser mesquinho também não é bom. E, falando em gente mão-de-vaca, lembrei agora de um programa de TV chamado “Muquiranas”. Eu já vi uns trechos no YouTube e é chocante o tipo de coisa de que esses sovinas são capazes de fazer em nome de uma suposta “economia”.

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