Guerra! – Velha história.

Semana temática da Guerra no Desfavor. Nós não esquecemos e esperamos que você também não esqueça: a pandemia ainda não acabou.

Não tem como entender o atual conflito entre Rússia e Ucrânia sem entender o contexto. Então, dentro da limitação de quatro páginas, vamos ver um grande resumo simplificado do que aconteceu para que desemboquemos na atual situação.

O ano é 1922. Criou-se a União Soviética. A União Soviética, ou União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, era uma união de países (Rússia, Letônia, Lituânia, Estônia, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Moldávia, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Usbequistão), liderados pela Rússia.

Simplificando a coisa, a ideia central era transformar vários países pequenos, supostamente mais fracos e indefesos em uma grande nação única. E, para isso, foi realizado um trabalho de unificação cultural também: vai todo mundo ter a mesma religião, vai todo mundo falar o mesmo idioma, vai todo mundo ser um só.

Dentro dessa estratégia, várias medidas foram impostas (na marra) para unificar todo mundo. Uma delas era mover os povos de lugar: tirava as pessoas de um país e enviava para outros, misturava todo mundo, na tentativa de homogeneizar culturas, hábitos e população. Isso criou muitos problemas futuros, pois fez com que todos esses países que compunham a União Soviética acabaram tendo alguma quantidade de russos morando neles, por causa desse troca-troca. Estima-se que quase 20 milhões de russos vivam hoje destacados nesses países.

Em 1991, quando a União Soviética se dissolveu, os países voltaram a ser apenas países fracionados, separados e independentes, mas todos eles tinham uma população russa morando em seus territórios. Foi o que aconteceu com a Ucrânia. Ela virou uma nação independente, mas, cerca de 17% da população da Ucrânia é de russos.

Essa parte dessa população russa, por diversos argumentos, desde “não me sinto bem aqui” até “estão me hostilizando e tentando me matar” reclama de viver em um país “estrangeiro”. Mas também não quer sair do território onde nasceu. Então, como forma de solucionar o impasse, alguns adotam uma postura separatista: pedem que as partes com aglomerado de populações russa se tornem independentes do país onde estão. E esta, senhores, é a origem “oficial” do atual conflito entre Ucrânia e Rússia.

A alegação é de que os russos que residem na Ucrânia estão em risco, por uma série de fatores que vamos detalhar. Putin diz que não quer briga não, imagina, só quer defender seu povo. É tudo legítima defesa, é tudo uma questão humanitária, é tudo… pela paz. Sim, ele disse isso.

Verdade seja dita, Putin sempre foi defensor da Doutrina Karaganov (Karaganov é o nome do cientista político que criou esse conceito), que consiste na valorização do idioma russo, da nacionalidade russa e a proclamação da defesa de falantes de russo. Ele vê a dissolução da União Soviética como algo trágico que não deveria ter acontecido e boa parte de sua popularidade se sustenta no discurso de preocupação em defender o povo russo.

Então, a justificativa nobre padrão utilizada pela Rússia para esse tipo de ação como vemos na Ucrânia é: “ok, você é um país independente e soberano, mas tem gente minha morando aí dentro. Se você maltratar os russos que estão aí, eu vou entrar e a gente vai ter uma conversinha. A fronteira é sua, mas os cidadãos são meus, cuide bem deles ou vai ter treta.”

E a Rússia reclama da forma como a Ucrânia trata os russos, e não é de hoje. Inclusive já tiveram outros atritos militares por causa disso. Bem… oficialmente por causa disso, mas vocês vão ver que tem muito mais coisa envolvida. A gota d’água no caso atual teria sido a intenção da Ucrânia de entrar para a OTAN.

A OTAN (que vai ganhar um texto só para ela esta semana) é uma espécie de clubinho militar criado pelo resto do mundo para se proteger da União Soviética: você entra na OTAN para formar uma aliança militar com os países de lá. Se alguém te ataca, todos os outros membros da OTAN são obrigados a te defender. Se alguém ataca outro membro da OTAN, você é obrigado a ir lá e defender. É o famoso “Artigo 5”, que pode ser resumido como um “mexeu com um, mexeu com todos”.

A Rússia não gosta da OTAN – e tem bons motivos para isso, afinal, foi uma organização criada basicamente contra ela. Na tentativa de reduzir os conflitos, a OTAN prometeu para a Rússia na década de 1990, que armas estratégicas seriam limitadas na Europa e de que a OTAN não se expandiria rumo aos países do antigo Pacto de Varsóvia. Cumpriu essa promessa? Não cumpriu. Expandiu para cima da Rússia. Se você olhar um mapa com os países membros da OTAN vai ver que eles estão perigosamente próximos à fronteira da Rússia.

Um membro da OTAN pode ter bases militares e posicionar armas em seu território. É muito compreensível que a Rússia não queira um arsenal bélico na sua fronteira. É ainda mais compreensível que a Rússia fique muito chateada ao ver que países que até faz pouco tempo eram parte da União Soviética aderindo a um acordo militar com o “rival”. É uma clara perda de poder. Então, já existia uma putez antiga e crescente da Rússia com o aumento de países entrando para a OTAN. Quando seu vizinho/irmão Ucrânia começou a querer entrar também, foi a gota d’água.

A Rússia apresenta seus argumentos sempre escorados na preocupação com os russos. Ela entende como uma forma de ameaça que um país que abriga russos possa fazer parte de uma organização hostil à Rússia. Seria como se sua/seu ex se casasse com alguém que te odeia e você tivesse que deixar seu filho ir morar com eles. Porém, a Ucrânia é uma país livre e independente, tem todo o direito de pleitear sua entrada onde bem quiser.

Mas isso não é tudo. A Rússia não quer que a Ucrânia entre na OTAN, quer que o país se desmilitarize e que se torne um estado neutro, para assegurar a proteção e o bem-estar dos russos que vivem ali. Basicamente, quer que a Ucrânia seja independente, pero no mucho. Durante um tempo, até funcionou, mas quando a União Europeia acenou para a Ucrânia, a perspectiva de uma vida melhor seduziu o país e ele começou a cogitar se afastar da Rússia e passar para o lado de lá.

Os russos que vivem na ucrânia falaram “olha só, se vocês vão entrar em um clubinho cujo principal objetivo é intimidar, antagonizar e enfiar a porrada no meu país (Rússia) então, ao menos me dá licencinha de pegar o pedaço do país onde eu moro e declarar ele independente de vocês”. Os movimentos separatistas na Ucrânia começaram a aumentar.

A Rússia, por sua vez, disse “os russos que moram lá estão cobertos de razão, olha a merda morar em um lugar onde conspiram com seus inimigos. Ucrânia, favor liberar as províncias de Donetsk e Lugansk para as minhas crianças, vocês não merecem falar comigo nem com o meu anjo.”

A Ucrânia não deu bola e disse que “não se meta aqui, sou um Estado independente, os incomodados que se mudem”. E, oficialmente, isso gerou o conflito: a Rússia querendo “salvar” os russos que estão fora do país e tentando assegurar a integridade dos que estão dentro e podem ser escrotizados futuramente pela OTAN.

E esse conflito não é de agora. A Rússia puxando a Ucrânia para perto de si na base da força é algo antigo. E uma dessas tretas merece destaque.

Em 2013 o então Presidente da Ucrânia Viktor Yanukovich foi chamado para integrar a União Europeia, o povo disse “sim, queremos, olha como a Polônia melhorou de vida! Queremos ser europeus” e a Rússia disse “Nem pense nisso”. Yanukovich, que era aliado da Rússia, amarelou e desistiu. O povo ucraniano ficou tão puto da vida que foi às ruas protestar e, após confrontos violentos, derrubam o Presidente, que fugiu para a Rússia.

O Presidente do Parlamento da Ucrânia assume provisoriamente e, em retaliação à Rússia por ter impedido a entrada deles na União Europeia decide bater onde dói: abolir o idioma russo da língua oficial da Ucrânia. O recado foi claro: “É o cacete que somos todos um, nós somos a Ucrânia e queremos ser europeus”. Obviamente, a Rússia não gostou e, ao perceber que estavam se voltando contra ela, foi lá e tomou a Criméia (que, por um acaso, é a única saída para o mar quente da região). “Querem fazer pirraça? Façam, mas não impeçam minha passagem por este ponto estratégico”.

“Mas Sally, teve um referendo e o povo escolheu ficar com a Rússia, como assim tomou a Criméia?”. Olha, teve um referendo depois que já estava ocupada, nem todo mundo pode votar e, o motivo mais importante: não se faz um referendo sem consultar o país todo.

É como se você fizesse um referendo perguntando se São Paulo quer ser europeu só para São Paulo. É uma decisão que afeta o Brasil todo, o país tem que votar. A Ucrânia não votou. Na real, a Rússia queria uma saída para o mar navegável, pois no resto das suas fronteiras só tem água congelada. O que o mundo fez? Permitiu. Impôs sanções econômicas contra a Rússia. Percebem o precedente?

Estou contando isso para dizer que pode ser que essa invasão atual seja uma forma da Rússia criar um corredor direto para acessar a Criméia, a saída para o mar. Dependendo do quanto de território ela conseguir anexar, ela pode conseguir uma reta por terra para sua saída para o mar.

Por sinal, o que a Rússia está fazendo agora é bem parecido. Ela começou a acumular uma estrutura militar enorme na porta da Ucrânia, na cara do mundo todo. 200 mil solados. Tanque. Míssil. Lançador de Míssil. O mundo inteiro vendo. Só que em vez de referendo, um dia, o Putin disse “esse pedaço da Ucrânia (Donetsk e Luhansk) é um país independente” e o parlamento russo aprovou e reconheceu a independência. Então, Putin enviou as tropas (que já estavam ali, na portinha) “para garantir a paz”. Sim, ele disse isso.

Curiosamente, as tropas russas não estão apenas “libertando” Donetsk e Luhansk, estão marchando em direção a Kiev, a capital ucraniana. E Putin já foi a público dizer que não existe mais Ucrânia independente, que são todos irmãos, todos uma coisa só. E parece bem determinado a matar os irmãos.

Mas, ninguém é bobo nem inocente de acreditar que qualquer grande potência mundial toma decisões por motivos nobres. Geralmente, tomam decisões por dinheiro e poder. E, provavelmente, foi isso que moveu a Rússia de Putin. Vários fatores que não têm relação com “proteger os russos” podem ter contribuído para essa invasão da Ucrânia.

Além da OTAN estar se aproximando perigosamente das fronteiras Russas, Putin ainda tem a mentalidade de que todos os países da ex-União Soviética têm que voltar a ser “um só povo”, a “Grande Mãe Rússia” – ainda que na marra. Como dissemos no sábado, para a Rússia, a guerra fria foi só um round de uma batalha que eles ainda estão travando. Perder território para o inimigo começou a se tornar inaceitável.

Quanto mais gente ele incorporar à Rússia, mais poderosa a Rússia fica. E quanto mais ele bater nas “ovelhas desgarradas” que “traem e Mãe Rússia” querendo se “juntar aos seus inimigos”, menores as chances de que outros países o façam.

Sim, conquistar o mundo conquistando territórios é estratégia do jogo War, mas parece que Putin ainda pensa dessa forma. E essa ação da Rússia quebra um paradigma. Faz muitas décadas que países se invadem e se escrotizam buscando dinheiro ou recursos naturais, mas buscando poder não. Talvez por isso o mundo esteja atônito. Se essa é a estratégia dele para um “Make Rússia Great Again”, vamos ter mais problemas do que pensávamos.

O discurso oficial de Putin é o de que isso não é uma guerra, a Rússia não quer guerra, apenas estaria intervindo como um ato de legítima defesa. Em alguns momentos ele chega a falar que todos os ucranianos são russos (na Rússia chegam a chamar ucranianos de “Little Russians”, pois a Ucrânia seria uma pequena Rússia). Ele diz que os está defendendo “das garras do ocidente”, como se fossem inimputáveis que não sabem o que fazem.

Ele bate muito na tecla de “genocídio russo cometido na Ucrânia”, pois sabe que o mundo respeita essa palavra. Se tem genocídio, é grave. Existem grupos nazistas na Ucrânia? Sim, inclusive tiveram 3% dos votos nas eleições (o que, para um grupo nazista, é muito), mas, calma lá. Genocídio?

Além do Presidente da Ucrânia ser judeu, grupos nazistas existem em todos os países da região. Então esse discurso “Ucrânia nazista” não cola. Não há nenhuma prova concreta de que esteja de fato ocorrendo um genocídio Russo na Ucrânia. Há sim russos separatistas, há um conflito armado e estão morrendo tanto russos como ucranianos.

Mas, na Rússia não há livre imprensa, então, as notícias que circulam por lá são nesse sentido: a Grande Rússia tem que se unir e ser inteira novamente, “libertando” o bom povo ucraniano e trazendo-o de volta para casa, evitando um genocídio russo e evitando que a malvada OTAN chegue mais perto e coloque em risco a vida de todos.

Mas não é só isso. A Rússia pensa assim desde sempre, por qual motivo demorou tanto para agir?

Além dos interesses da Rússia, há uma confluência de fatores favoráveis para que se realize essa invasão, neste exato momento.

Para começo de conversa, nada disso estaria acontecendo se a Ucrânia tivesse armas nucleares. A Ucrânia era o país com o terceiro maior arsenal nuclear do mundo, mas, na década de 90, aderiu ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e as devolveu para Moscou. Isso foi acordado através do chamado “Memorando de Budapeste” e, “em troca” a Ucrânia foi reconhecida como um país independente e teve a garantia de sua segurança.

Muita gente critica essa “decisão” da Ucrânia. Bem, na real, as armas nunca foram da Ucrânia, eram da União Soviética e estavam ali por ser uma região de fronteira estratégica. A Ucrânia sequer podia operá-las pois não tinha os códigos de acesso nem gente que soubesse fazer isso. É como morar na casa dos pais e, ao se mudar para ir morar sozinho, levar todos os eletrodomésticos dos seus pais. Quer sair? Beleza. Mas constrói suas próprias armas nucleares.

Mas, um acordo foi firmado, portanto, se espera que seja cumprido. Em troca da desnuclearização de Kiev, os governos da Rússia, dos EUA e do Reino Unido se comprometeram a “respeitar a independência, a soberania e as fronteiras existentes da Ucrânia” e a “abster-se da ameaça ou do uso da força” contra o país. O que vemos hoje? Nem a Rússia se absteve de atacar, nem os EUA estão defendendo a Ucrânia. Escroto, muito escroto.

E não é a primeira vez que a Rússia descumpre esse acordo. Só para citar um exemplo, ela invadiu e anexou a Crimeia, lembram? E continuou desrespeitando depois, inclusive quando passou a apoiar os grupos separatistas que comandam rebeliões nas províncias de Donetsk e Luhansk. E o mundo sempre se omitiu.

E esse foi um dos argumentos da Ucrânia para querer entrar na OTAN: “os arrombados tiraram nossas armas prometendo proteção e não só não nos protegeram como já nos atacaram. Agora estamos indefesos e sendo sacaneados, então, gostaríamos de participar da OTAN.”

“Mas Sally, tem certeza de que a Ucrânia não guardou nem uma arminha nuclear? Eu li que detectaram um aumento da radiação em Chernobyl”. Sim, eu tenho certeza. O que aconteceu em Chernobyl é explicável.

A área contaminada, chamada de “área de exclusão” é a região ideal para a Rússia invadir a Ucrânia, pois não é habitada e leva à capital. Fica bem pertinho. É uma forma de entrar no país sem ter que passar por muita resistência. Então, esse foi um dos caminhos que a Rússia escolheu para invadir o país. Quando tem soldado, tanque e cia passando para cima e para baixo, isso levanta poeira, e a poeira de lá, como sabemos, é radioativa. Quando você levanta poeira radioativa os índices de radiação aumentam.

Aliás, a questão territorial é outro fator que incentivou os ataques russos. A Ucrânia não tem obstáculos naturais que impeçam a entrada (montanhas, mares, etc). Tem, no máximo, um rio que corta a cidade ao meio, mas a entrada pode ser feita sem precisar escalar, se molhar ou passar por maiores contratempo. Além disso, também dá para entrar nela por países vizinhos amigos da Rússia (tá cheio de tropas em Belarus/Bielorrússia).

Basicamente, dá para entrar nela por todos os lados, e a Rússia vai tirar proveito disso, entrando em diferentes pontos, para que o exército não consiga defender todos eles. E, sabiamente, esperaram o inverno acabar. Foi tudo muito, mas muito bem pensando.

O momento também é economicamente favorável para a Rússia. Em 2001, é assinado um Tratado de Amizade com a China e em 2003 foi criada a Organização de Cooperação de Xangai, envolvendo países como China e Índia. Isso faz com que a Rússia possa relaxar nas fronteiras do lado da China e da Mongólia e possa levar mais tropas para o lado que está realmente ameaçando.

Fora, é claro, o conforto econômico. A organização envolve metade da população mundial, um mercado de respeito que permite se dar ao luxo de encarar uns embargos comerciais por um tempo. Ah sim, a Rússia acaba de assinar um acordo para fornecer gás para a China pelos próximos 30 anos. Para completar, Rússia e China realizam comércio em suas respectivas moedas, o que é uma forma de não depender da valorização ou desvalorização da sua moeda frente ao dólar.

Mais um fator que empurrou Putin a tomar a decisão de invadir a Ucrânia: necessidade de apoio popular. Em 2021 Putin perdeu muito apoio popular por uma condução desastrosa da pandemia. Rússia é um dos países com maior número de mortos. A popularidade dele já vinha caindo desde antes, por algumas medidas que foram rejeitadas, como uma reforma previdenciária em 2019, mas a quantidade de mortos por covid jogou a popularidade dele no patamar mais baixo de todos os seus governos.

Então, em parte para tentar ganhar mais popularidade (em 2015, após “anexar” a Crimeia, a popularidade de Putin disparou para 80%), em parte para distrair a população de tantos mortos (continua morrendo gente de covid), essa invasão foi considerada útil e este foi considerado o momento certo. Também é uma forma de demonstrar força ao mundo, exibindo como a Rússia ainda é uma potência. Não apenas por questões de vaidade, mas como um recado claro: pensa bem quem vocês aceitam na OTAN, pois podem ter uma dor de cabeça enorme com isso.

O timing mundial também ajuda: países preocupados com a pandemia, EUA com um líder visto como um fraco (se fosse o Trump, vocês acham que ele seria tão afrontoso?), a saída de Angela Merkel da Alemanha (Olaf Scholz tende a ser mais diplomático), uma Inglaterra descrente de seu líder (Boris Johnson ainda está pagando o preço de ficar de festinha na pandemia), a França passando por eleições este ano e tantas outras confluências fizeram com que Putin perceba que o cargo de líder alfa mundial estava vago, e arriscou uma jogada para tentar toma-lo para si.

Então, o que temos é a Ucrânia, um país independente e soberano, apanhando sozinho de forma covarde de outro país que o está massacrando alegando que “é para o nosso bem, somos todos irmãos”. Uma escrotidão sem limites, que o mundo todo repudia do sofá da sua casa, sem tomar uma atitude eficiente.

Os EUA se ofereceram para mandar um avião para resgatar o presidente da Ucrânia, que todo mundo sacaneia por ser um “comediante”, mas o “comediante” disse que não, obrigado, vai morrer lutando, não precisa de resgate, precisa de munição. Os ucranianos estão lutando como podem, mas tem menos soldados e menos armamento. Aqueles que prometeram proteção estão apenas fazendo embargos econômicos.

Rússia já ameaçou países da União Europeia (Finlândia e Suécia) dizendo que se entrarem na OTAN também vão sofrer “resposta militar” e disse que qualquer país que tente se meter no conflito atual com a Ucrânia sofrerá “consequências nunca antes experimentadas na história”, o que dá a entender que estariam dispostos a usar armas de destruição em massa, provavelmente inéditas.

Putin é um bom estrategista (saiba mais sobre ele no texto de quinta) e sabe que blefar e não cumprir é altamente desmoralizante, portanto, não temos qualquer motivo para duvidar que ele está partindo para um segundo round da grande batalha, tentando reverter o resultado desastroso do primeiro round, a Guerra Fria.

Números oficiais indicam que a Rússia tem 3 milhões de soldados em condições de lutar. Tem armas de destruição em massa. Tem todas as vantagens. Mas lutam pela anexação de um território qualquer. Ucranianos lutam pela sobrevivência do seu país, da sua família, da sua nação. Talvez por isso estejam conseguindo resistir tanto.

E se você está bem puto da vida com a Rússia (o mundo todo está), saiba que tanto Lula quanto Bolsonaro o defendem e não tiveram culhões de condenar o que ele está fazendo. Guarde sua putez para outubro, para as urnas.

Para dizer que nem parece que este texto tem oito páginas, para reclamar que faltou informação importante (compartilha aí nos comentários!) ou ainda para fazer a infame piada de que Putin está putinho: sally@desfavor.com

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Comments (20)

  • Parabéns pelo texto Sally, completão!!!
    Sim, já li todos ;)
    Faz tempo q não comento num texto seu, mas esse ficou excelente e você nem precisou voltar tanto na história para dar um ótimo panorama da situação.

    • Obrigada! Tem muito mais para ser contado, mas acho que com essas informações já dá para conversar sobre o assunto sem passar vergonha.

  • “Criméia (que, por um acaso, é a única saída para o mar quente da região)”: há um equívoco, pois o porto de Odessa também é saída para o mar Negro. Por enquanto, é da Ucrânia. A Rússia já tinha o porto de Novorossisk, ao menos.

  • Discordo que o Trump ladraria. Ele tem muito investimento na Rússia e quanto mais ele “apoiar” o Putin (ainda que às escondidas), melhor.

    Sim, Biden é um banana (e um banana tarado), mas ele tem menos rabo preso que o antecessor com a Rússia.

    • Se o Putin fizesse algo que desmoralizasse o Trump, que o irritasse, que o deixasse puto, certamente ele faria algo a respeito. Por muito menos ele ficou berrando que o botão dele era maior do que o do Kim Jong-Un? “Meu botão é maior, é melhor e funciona”.

      Não deve ser acaso que o Putin expandiu e enriqueceu sem nunca pisar no calo do Trump. Tudo que era importante para o Trump ele deixou quieto.

  • Vou mandar o link desse texto pra todos os meus parentes, vizinhos e amigos. Quem sabe assim ele finalmente entendam o que tá acontecendo e parem de dar tanto palpite errado.

  • Vale lembrar que esses tantos conflitos não são de hoje, nem do século XX. No século xix, não podemos nos esquecer da guerra na Crimeia, em 1853, supostamente por motivos religiosos e também de dominação territorial, e a guerra russo-turca, em 1878, envolvendo também a região dos Balcãs.

    Aliás, essa ideia de uma Rússia pan-eslava, somos todos um, também não é de hoje. Dostoievski no século xix já proclamava essa ideia, não só seus textos literários, como também escreve em cartas a amigos e mesmo no diário de um escritor, que foi uma publicação jornalística de próprio punho.

    O pior mesmo que eu acho, é o autor justificar isso com um discurso xenófobo misturado com misticismo religioso fundamentalista . Dostoievski dizia que a Rússia tinha uma grande missão no futuro do planeta, e que ela salvaria todo o mundo da degradação moral que estava em alta na Europa, através da preservação dos valores cristãos existentes na ortodoxia russa.

    Antes dele, Puchkin também proclamava ideia parecida, enquanto outros como Herzen e Turgueniev, até saíram da Rússia por não suportar mais tanto atraso civilizatorio diante da europa.

  • Baseado no que Putin se sente no direito de ameaçar Suécia e Finlândia, sendo que elas nem eram parte da União Soviética?

    • São próximas geograficamente da Rússia e querem entrar para uma organização militar que é declaradamente contra a Rússia. Isso significa armas na fronteira.

      Imagina que tem uma pessoa ameaçando sua vida, armada, que forma uma quadrilha com o objetivo de te matar.
      Imagina que a pessoa fica rondando no quarteirão onde você mora. Você chama a polícia, você tenta tirar ela dali.
      Imagina que seu vizinho deixa ela entrar e morar na casa dele, coladinha, porta com porta, com a sua casa.

      Nenhum de nós gostaria. Mas porra, sair matando inocente por causa disso é passar um pouco dos limites…

      • Oi Sally, obrigada por responder. Isso eu tinha entendido, e até “justificaria” (na cabeça do Putin, claro) exigir isso da Ucrânia, que era da União Soviética e tem Rússia na população (algo do tipo temos interesses em comum em função de nossa história), mas Suécia e Finlândia, mesmo vizinhos, não tem nada a ver com esse enrosco da União Soviética, e aí eu acho mais bizarro ainda ele se achar no direito de ameaçá-los.

        Vai entender o que se passa na cabeça dessa gente. Aliás, fica como sugestão para um Desfavor Convidado caso algum psicólogo ou área afim queira falar sobre o possível perfil do Putin. No mínimo deve ser um sociopata.

        • O problema é que se sabe muito pouco da vida pessoal do Putin, não sei se alguém consegue analisar as atitudes de um homem que foi espião profissional e aprendeu todos os macetes para esconder sua vida privada.

    • Detalhe: o argumento do Putin sobre “proteção aos russos” para justificar a guerra se torna insustentável neste caso, mesmo que os habitantes da Rússia sejam extremamente crédulos. Talvez isso sirva de freio à declarações de guerra contra os dois países, tendo em vista o desgaste interno do presidente russo.

      • Há uma propaganda de guerra forte, com muitas mentiras sendo espalhadas, inclusive online e pela mídia russa. Nelas há imagens de campos de concentração prendendo e matando russos na Ucrânia e coisas ainda piores. Seria como perguntar a uma nação de origem judaica se concordam que o país entre em guerra contra Hitler. Muitos vão dizer que sim, pela revolta em ver seus irmãos sendo mortos e o medo de que um dia “o inimigo ganhe poder” e isso chegue neles.

        • Estou ciente, mas continuo achando difícil replicar com o mesmo êxito tal tipo de propaganda contra Finlândia e Suécia.
          A propósito, algum artigo abordará o controle da internet exercido na Rússia? Recordo-me vagamente de ter lido de que todo o fluxo de informações é registrado em determinados servidores para fins de espionagem, mas que não chegava no nível dos bloqueios chineses.

  • Nem percebi que tinha oito páginas, gente que escreve bem é outro nível <3
    Mas a posição do Bolsonaro não tem a ver com parcerias comerciais e essas coisas? Eu li que a Rússia fornece muito fertilizante pro Brasil.

    • Obrigada pelo elogio!

      Sobre Bolsonaro: não necessariamente. Não tem país mais lambe cu da Rússia que a atual Argentina (a população está toda vacinada com Sputnik!) e mesmo assim o governo repudiou os ataques violentos. Não precisa declarar guerra contra a Rússia nem cancelar acordo comercial, basta dizer que não concorda com as agressões.

      Continue conosco, já já tem texto da Paula, especialista no assunto!

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