Desistir é preciso.

Hoje eu continuo a minha série de Desmotivação Pessoal e Profissional falando sobre a importância de saber perder. Nem tudo o que queremos é possível ou digno de nosso tempo e energia. Você vai ler mil discursos sobre persistência por aí, mas agora nós falamos de desistência.

Mas não qualquer desistência, existem sim situações na vida onde você não pode se entregar ao desânimo, à dificuldade e à preguiça; o problema é quando você não consegue diferenciar esses casos daqueles onde desistir não só te alivia de tensões desnecessárias, como também te ajuda a tocar a vida pra frente. Cada pessoa tem seu limite do que pode carregar na sua jornada pela vida, não faz bem andar acima dele.

Então, primeiro temos que estabelecer uma ideia valiosa: desistir não é uma coisa necessariamente ruim. Desistir é apenas cortar a corda de algum peso na sua vida. Muita gente acha que desistência é sinônimo de fraqueza, mas fraqueza é um conceito pra lá de relativo: uma pessoa que consegue carregar outra no colo, mas que não consegue levantar um carro com os próprios braços é fraca?

Existem limites em todos nós, e nem todos são parecidos. Tem gente que tem mais capacidade física, tem gente que mais resistência emocional, tem gente que tem mais recursos para facilitar sua vida… a única coisa que nos une é a certeza que eventualmente não vamos conseguir fazer alguma coisa. Seja pela dificuldade da tarefa ou pela sua condição no momento, é impossível viver apenas de sucessos.

Vamos todos fracassar. Alguns fracassos podem ser revertidos por força de vontade, outros não. Alguns fracassos precisam ser revertidos, outros não. Desistir pode muito bem ser apenas o momento em que você reconhece uma incapacidade ou que decide que aquilo não vale a sua atenção. E nesses casos, você acaba evoluindo por tabela. Ou reconhece que precisa de ajuda ou reconhece que tem coisa mais importante para fazer. Dois resultados muito positivos para sua vida.

No primeiro caso, o de reconhecer a necessidade de ajuda, acontece uma das mudanças mais maravilhosas do ser humano: a pessoa que precisa da outra tende a ficar educada, atenciosa e aberta ao aprendizado. Veja como uma pessoa média fica um amor quando precisa de uma tomada para recarregar o celular. Está tatuado em nosso cérebro, somos um amor quando temos interesses. Sim, tem gente escrota e mal-agradecida nesse mundo, mas eu já chego nelas…

Mais do que deixar socialmente agradável, a necessidade de ajuda do outro começa um processo extremamente útil para nossos cérebros: as palavras e ações daqueles ao nosso redor começam a ser captadas sem muitos filtros. Compara o seu grau de atenção quando alguém está te explicando como fazer algo que você quer fazer e quando estão falando sobre suas visões e opiniões sobre o mundo. Sua mente entra no modo “esponja” quando você realmente quer aprender com o outro.

O caminho mais curto para o aprendizado é o interesse. E poucos interesses são mais genuínos do que aqueles que surgem depois de desistirmos de fazer alguma coisa sozinhos. Você tentou, tentou… mas não conseguiu. Ao invés de ficar forçando a barra e teimando, sua mente aceitou a derrota graciosamente e partiu para a próxima etapa. Se você não conseguiu desistir de verdade antes de pedir ajuda, não vai ligar o modo de aprendizado máximo do seu cérebro.

E aqui voltamos aos escrotos e mal-agradecidos: não é super comum que as pessoas mais arrogantes sejam as mais difíceis de conversar? Ao invés de pensar que são só ruins, é útil entender que dentro da mente delas – por vários motivos profundos demais para você resolver num papo qualquer – elas não desistiram de resolver tudo sozinhas. Suas mentes estão emputecidas com a ideia de alguém se meter naquele processo. É um inferno explicar algo para alguém que ainda não aceitou que não entendeu da primeira vez.

Não podemos esquecer que o ser humano não é bom nem ruim, somos um mix de sentimentos e momentos que variam a cada momento. Uma pessoa que está te tratando mal mesmo enquanto você a tenta ajudar provavelmente está carregando alguma frustração junto com ela. Algo que a faz se fechar para a comunicação. Ela pode até demonstrar a necessidade de ajuda, mas não internalizou a ideia ainda. Ela está pedindo ajuda sem perceber que está pedindo ajuda.

Quer dizer que você tem que ser bonzinho com alguém assim? Claro que não. Estamos num texto sobre desistência. Desista de quem estiver desperdiçando seu tempo e sua boa-vontade, sem dó. O ponto aqui é lidar com o que podemos lidar: com nós mesmos. Tente reconhecer quando você está nesse estado péssimo de precisar de ajuda, mas não ter desistido de resolver sozinho(a) ainda. Mesmo que não seja sua intenção, a tendência é que você seja um(a) merdinha com quem está ao seu redor sem se dar conta. E merdinhas costumam gerar desistências nos outros.

Reconhecer sua incapacidade e desistir pode ser covardia, pode ser preguiça, mas pode ser inteligência também. Inteligência clássica e inteligência emocional: não só você compreende que precisa de ajuda para resolver um problema e aumenta suas chances de sucesso como também lida muito melhor com outras pessoas. Nada como a humildade do fracasso para gerar boas relações nessa vida.

E como já ficou evidente, estou falando de desistência pontual, não geral. Para tentar de outro jeito, você precisa jogar fora o jeito antigo. Você pode desistir de um método sem desistir do objetivo, oras. Uma das maiores dificuldades que eu enxergo nas pessoas (e muitas vezes em mim) é misturar o jeito como você quer fazer as coisas com fazer as coisas.

Se você não levantou o carro com os braços, não significa que é impossível levantar o carro, significa apenas que você não está usando a melhor ferramenta: o macaco hidráulico. Você pode desistir “em etapas”. Desistir de uma parte do processo para deixar a mente arejar e buscar outras formas para alcançar seu objetivo. E isso vale em qualquer aspecto da vida, você pode melhorar seu trabalho e suas relações se souber jogar fora sem dó o que não está funcionando. Se você acha que só tem um jeito de fazer as coisas, você está mal-informado(a), só isso. O fracasso é uma hipótese que deu resultado negativo.

A gente (e eu incluo eu e você nisso) é uma negação para quase tudo nessa vida. Tem tanta coisa que o ser humano faz que é impossível ser bom em sequer uma fração disso. A vida é fracasso atrás de fracasso, e é pra todo mundo. Tem gente que aprende mais, tem gente que teima mais. Adivinha quais vivem vidas melhores? Desistência é ferramenta. Se você souber usar, ela te ajuda muito.

E vamos para o segundo caso: às vezes a desistência é um caminho para você achar um jeito melhor de fazer as coisas, mas não podemos ignorar as vezes que a desistência é simplesmente tirar fora da sua vida algo que não está funcionando. É a velha história daquela pessoa que quer abraçar o mundo. Não dá. Não dá pra agradar todo mundo, não dá para sempre estar certo, não dá para ajudar todos que você pode ajudar, a vida acaba sendo um jogo de gerenciamento de recursos: você coloca energia em algumas coisas, mas não em outras.

Mas muitos de nós tem essa mania de querer arrastar junto com a gente um monte de pessoas, projetos e desejos até o limite da resistência, não? Anda carregando uma mochila de uma tonelada, porque acha que “pode precisar” de alguma coisa no caminho.

Acredite na sabedoria da sua mãe ou pai, que te diziam que se você não usava um brinquedo, era pra jogar fora ou doar. Criança é um bicho egoísta e teimoso, ficávamos teimando que ainda queríamos aquela porcaria que passou meses abandonado no canto da sala, só pra deixar abandonado de novo depois do chilique. Seus pais esperavam você distrair e tiravam aquela coisa dali. Aposto que se você tentar se lembrar dos seus brinquedos da infância, não vai lembrar do destino da maioria.

Se você não está brincando mais, jogue fora ou doe para outra criança. Seja objeto, seja projeto, seja relacionamento, seja lá o que for, se está juntando poeira na sua vida, é muito saudável desistir dessa coisa. Desistir é um fracasso, mas é um fracasso positivo às vezes. Mais ou menos como não conseguir encontrar o traficante que te venderia sua primeira pedra de crack. Muitas vezes o que queremos é uma péssima ideia. Algo que pode te fazer mal, desperdiçar seu precioso tempo ou mesmo gastar a energia que você poderia colocar em coisas mais valiosas.

É muito estúpido que tenhamos tantos discursos apaixonados sobre força de vontade e insistência na sociedade. Como se fossem coisas boas por definição. Você tem que olhar para o que está carregando com você antes de decidir se vale o esforço de carregar. Insistência num casamento falido? Força de vontade para aguentar um chefe cretino? É complicado entender o contexto de cada pessoa, mas quem olha de verdade para o que está levando na bagagem tem muito mais chances de tirar peso extra do que quem só teima feito um burro de carga.

E pior, burro que começa a andar mais e mais devagar até empacar. Ensinam as pessoas a fazer mais força, mas não ensinam a ver se elas aguentam a carga pra começo de conversa. Desistir é uma ferramenta para deixar sua vida mais leve e para buscar ajuda quando necessário.

Sempre te dizem para procurar novos projetos e sempre se manter motivado, mas não que você pode estar carregando peso inútil. Não faça mais força, faça a força certa. Sem desistência a vida fica pesada demais.

Para dizer que adora desmotivação, para dizer que desistiu de comentar, ou mesmo para dizer que é um burro muito forte: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: , ,

Comments (10)

  • Desisto não.
    No meio do caminho posso até presumir que pode dar merda, mas desistir, jamais.
    A cada obstáculo surge uma escolha, a opção nao escolhida é uma desistência, a opção escolhida é a mais viável.
    É a minha escolha, se der merda, assumo, me responsabilizo e aprendo a lição.
    Desistir no meio do caminho, sem me dar a chance de escolha é como nadar e morrer na praia.
    Chegando ao objetivo poderei até me perguntar: e se eu tivesse escolhido a outra opção, como eu estaria?
    Me respondo fácil: – no mesmo lugar me fazendo a mesma pergunta.

  • O pior é desistir de algo que você queria muito e foi acalentando aquele sonho por anos.
    Chega uma hora que você racionaliza e desiste.
    Mas racionalizar não manda embora o sentimento de incômodo por não ter conseguido aquilo.

    • Eu me odeio por escrever essa frase, mas: racionalizar é um pedaço tão pequeno do todo…

      Você pode racionalizar tudo o que quiser; de uma certa forma, é que nem a imaginação. Da mesma forma que imaginar algo não torna real, racionalizar também. Se você está sentindo o peso daquela coisa, é porque precisa lidar com ela ainda. A desistência “de coração” te alivia.

  • Persistência e perseverança são bem diferentes de teimosia e obsessão. Tem horas em que a gente realmente se cansa de tanto esforço em vão pra resolver um problema e sente uma puta vontade de jogar tudo pro alto. Ser obstinado pra não desistir diante dos obstáculos que vão surgindo pela vida é louvável. Mas ficar dando murro em ponta de faca até morrer com aquilo que não tem como dar jeito já é idiotice.

    • O texto é muito para tirar o medo da desistência como algo que sempre piora a vida. Desistência é parte do processo da vida, se souber usar direito, o resultado é positivo.

  • Eu adoro essa série. Muito melhor ler sobre coisas reais do que aquelas baboseiras fictícias de Descontos. ….. Se for me xingar, desde já respondo: Vai você, babaca!

    • Vai ganhar na Mega-Sena acumulada! Opa? Vou eu? Ok, eu aceito.

      E ficção sempre tem um tema maior, só muda o jeito de escrever. Mas se não gosta, uma pena, eu gosto!

Deixe um comentário para Anônimo Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: