Enquanto falava sobre o pré-jogo do Flamengo diante da torcida, a repórter Jéssica Dias foi surpreendida por um beijo no rosto ao vivo, diante das câmeras. Ela imediatamente parou o que estava fazendo para demonstrar sua putez com a situação. E não ficou por isso: o cidadão foi preso logo depois e o suporte à jornalista foi completo. Eu fico feliz que não tenham deixado por isso mesmo e que a moça tenha sido defendida por todos os envolvidos. Mas… será que já achamos o jeito de lidar com esse tipo de pessoa babaca?

Pode ser uma teoria só minha, mas eu acredito de verdade que exista uma categoria de pré-criminoso: o babaca. É alguém que pode causar incômodos e até mesmo assustar, mas que ainda não cruzou “a linha”. É a ameaça velada, é a postura agressiva, é o papo estranho… é alguém que te enche a paciência, mas tecnicamente ainda não ligou o seu alarme de autoproteção. O babaca nesse contexto é uma fonte de estresse a ansiedade com a qual é difícil de lidar.

O cidadão que assediou a repórter, por exemplo: no contexto onde ela estava, não era provável que ele tivesse a capacidade de fazer algo a mais do que falar baixaria e dar umas encostadas. Tinha uma linha invisível entre o que ele estava fazendo e o que todos ao redor reconheceriam como crime. Se ele tivesse agarrado ela, todo mundo ao redor teria a visão imediata de um crime acontecendo. Presumo que naquela situação de câmera ao vivo e equipe de filmagem, outros homens pegariam ele de porrada na hora. É contextual mesmo: a mesma situação poderia dar muito errado pra mulher caso estivesse no meio de um bando de homens sem “ninguém vendo”.

Mas naquele contexto, a moça estava bem protegida pela visibilidade. Naquele contexto, o homem que a beijou e incomodou de outras formas antes da filmagem começar estava na linha do babaca ainda. A pessoa que está incomodando com um pé atrás da linha óbvia de criminalidade para aqueles que estavam ao seu redor. Tanto é que a repórter topou entrar ao vivo naquela posição mesmo. Caso ele não tivesse dado o beijo ao vivo e dado materialidade televisiva ao comportamento podre, a jornalista provavelmente voltaria pra casa e comentaria que tinha um bêbado chato pra caralho na reportagem…

A minha vontade era jogar todos os babacas desse mundo – essa gente que fica incomodando com um pezinho atrás da linha do crime óbvio – numa prisão na Sibéria e jogar a chave fora. São pessoas especialmente irritantes para quem tenta viver sua vida com educação e respeito nas suas relações. É cansativo, é um desperdício de tempo e de vida ter que lidar com gente assim. Mas, por mais que meus arroubos de putez sejam sinceros, é impossível eliminar esse tipo de pessoa.

Quanto mais babaca a pessoa, maior a probabilidade dela só ter conhecido esse tipo de interação na vida. Via de regra a pessoa que faz sua vida ser uma merda também vive uma vida de merda. Agora, pense comigo: o que adianta punir essa pessoa e tornar sua vida ainda mais merda? A humanidade pode até ter definido regras razoáveis sobre o que fazer com quem cruza a linha do crime óbvio, tirando essa gente de circulação (prendendo ou matando), mas ainda não há uma teoria de como lidar com babacas. O babaca que passa pela punição do criminoso óbvio corre o risco de sair mais babaca ainda dessa situação.

Quem enche a cara e vai irritar uma repórter fazendo seu trabalho tem algo pra resolver internamente. Eu sei que tem a ver com machismo de achar uma mulher inferior e querer atacar o ser mais fraco, de achar que tem o direito de fazer o que quiser com elas, mas a babaquice está lá num nível ainda mais profundo. A pessoa quer fazer alguma besteira muito grande, mas fica presa antes desse ponto, provocando os outros do limite onde acha que não vai ser punida.

O que o Século XXI nos traz como solução é puxar a linha do crime óbvio (aquele que você entende instintivamente como algo errado que precisa de intervenção imediata) para alcançar a linha da babaquice. E mesmo assim, só dentro de alguns contextos como tratamento de minorias com visibilidade. Estamos mudando a forma de lidar com os babacas dentro do universo da justiça social moderna.

Se fosse nos anos 80 do século passado, o vídeo teria sido repetido na edição noturna do jornal como algo engraçadinho. Talvez a jornalista até desse entrevista depois dizendo que a torcida do Flamengo é muito animada, rindo do caso. Os tempos mudam e o que achamos aceitável muda também. É muito provável que nos anos 80 não fosse exatamente agradável pra jornalista, mas não estaria na categoria do babaca ainda, era um passo atrás.

Sei que o texto está rocambolesco, então vou tentar explicar melhor:

O que a gente considerava normal foi se tornando comportamento de gente babaca com o passar das décadas. E o que considerávamos comportamento de gente babaca foi se tornando crime nesse meio tempo. Percebem que a faixa do babaca está sendo empurrada para trás? Esmagando a linha do que era normal no processo?

A área onde uma pessoa está agindo de forma normal reduziu pelo o que não aceitamos mais e a área onde a pessoa era só uma babaca reduziu junto: virou crime em muitos casos. Pode ser a evolução social humana em ação, mas pode ser uma armadilha: em pouco tempo, ficou mais fácil ser babaca e ficou mais fácil ser criminoso. As duas linhas desceram. E não sei se vocês estão percebendo, mas tem muita gente se rebelando contra isso. Muita gente comprando arma, agredindo cada vez mais rápido… não me parece à toa.

Tem muita gente radicalizando, dobrando a aposta tanto na babaquice como na criminalidade. O problema é que as linhas desceram, mas não sabemos ainda como resolver a babaquice. Criamos muito mais babacas com as novas regras sociais, e a solução está sendo criminalizar cada vez mais de seus comportamentos, punindo-os como criminosos.

A pessoa que não cruzou a linha “natural” do crime deveria ser a que merece mais atenção e cuidado: ela pode ser salva com muito mais facilidade. Um babaca normalmente fica menos babaca quando sua vida melhora. Cancelar não ajuda babaca, botar na cadeia não ajuda babaca, só aumenta sua babaquice. Dar um arco de redenção para o babaca costuma ser muito mais eficiente para diminuir seu impacto negativo no mundo. O criminoso assassino, estuprador, torturador eu até entendo que é um problema psicológico muito mais complicado de lidar, muitas vezes exigindo remoção completa da sociedade, mas o cara que encheu o saco da jornalista?

Ele tem que pagar de alguma forma, não pode ser uma lembrança positiva, mas ao mesmo tempo, se não tiver por onde esse homem sair do buraco e receber alguma forma de recompensa por se recuperar e agir melhor, a minha impressão é que a babaquice nunca vai sair dali. Posso ser um romântico, mas eu realmente acho que o babaca quase sempre pode ser salvo se tiver oportunidade de se redimir.

O que não deve acontecer nesse caso. Ele vai ser preso por um tempo, pra “mídia” ver, mas vai ser solto eventualmente. Vai ser execrado por um bom tempo até todo mundo ir prestar atenção em outra coisa. E aí… vai sobrar uma memória merda na vida que já deveria estar meio merda em algum aspecto. Talvez ele nunca mais seja babaca exatamente desse jeito, mas é quase certeza que vai continuar sendo um babaca em outros. Tomara que alguém dê atenção para esse cidadão e um caminho de volta, porque se o mundo precisa de uma coisa, é de menos babacas.

Para dizer que eu sou um babaca por defender babaca (não estou, seu babaca!), para dizer que pra esse povo é só na porrada mesmo, ou mesmo para dizer que daqui a 100 anos a gente discute o mundo de fantasia da rede social: somir@desfavor.com

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Comments (16)

  • “A minha vontade era jogar todos os babacas desse mundo – essa gente que fica incomodando com um pezinho atrás da linha do crime óbvio – numa prisão na Sibéria e jogar a chave fora”. A minha também, Dormir. Porque eu já convivi demais com esse tipo detestável de gente…

  • O babaca é o garoto bagunceiro na sala. Geralmente tem problemas em casa e quer chamar atenção. Se ajudado, se sai tão bem quanto os demais alunos. Agora se expulsar da escola, ele vai perder o maior contato dele com uma sociedade decente. Se nessa exclusão, der a alcunha de fracassado e marginal, realmente, aí cria-se um que não vai ter escolha então em se tornar o que acham que ele é.

  • Hosmar Weber Júnior

    Não não achamos, eu gosto muito de futebol, e nas páginas sobre futebol no Facebook o que mais tem é reação de “haha” e gente falando que é mimimi, eu quero ir embora do Bostil assim que possível pq isso aqui não tem mais salvação, tenho pensado no Canadá, o que vocês acham?

    • Canadá é um país muito civilizado, se você tiver a possibilidade, eu acho que nem tem que pensar duas vezes: vá!

    • Vá sim, vá o mais rápido que puder, e tente ir para a região chamada de British Columbia, onde os invernos são bem mais amenos. Não apenas é muito civilizado como também é espetacularmente bonito.

    • Pode ir ao Canadá sem medo, Hosmar. Eu mesmo ainda não tive condições pra ir, mas todos os que eu conheço que já estiveram por lá, quando perguntados, foram só elogios.

    • Sou mais um a endossar uma possível ida sua para o Canadá, Hosmar. Eu mesmo ainda não fui, mas a impressão que tenho do país é muito boa: me parece ser terra de gente educada, cortês e civilizada.

  • O homem médio só não sai estuprando mulheres e meninas a rodo por aí porque sabe que vai ser punido, não porque acha que é errado ou porque não tem vontade. São tarados, violentos e impulsivos por natureza. A maior prova é que 1) toda mulher tem alguma história de assédio ou abuso pra contar, até na infância 2) os lugares com mais altos índices de estupros e prostituição infantil são lugares onde leis criminalizando essas atrocidades são brandas/inexistentes ou a impunidade é grande. Sempre fomos só um buraco de diversão ou incubadora pra gerar mais homens.

    • Ok… eu não sei muito bem como isso se conecta com o argumento do texto, mas se te faz bem tirar isso do peito, tire. Espero que você não tenha que conviver mais com homens dessa natureza.

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