Perguntar ofende?

Hoje o enunciado explica tudo. Sally e Somir discordam, os impopulares escolhem se ofender.

Tema de hoje: É ofensivo pedir teste de paternidade se uma mulher com a qual não se tinha um relacionamento estável diz estar grávida do homem e jura que não fez sexo com mais ninguém?

SOMIR

É sim. Ter sua honestidade colocada em dúvida é ofensivo. Eu compreendo perfeitamente os motivos para um homem fazer esse pedido, eu faria também. Mas isso não elimina a ofensividade dele. É muito importante entender essa questão, não só para esse caso específico, mas para a vida como um todo. Sim, tem coisas que são ofensivas sem estarem erradas. E faz parte da vida ofender o outro em busca da verdade.

Minha impressão é que toda a discussão sobre o politicamente correto na nossa sociedade tem sua base na dificuldade de compreensão de um elemento fundamental nas interações humanas: somos pessoas diferentes. Cada um de nós dentro de uma “prisão cerebral” fazendo todo tipo de truque para se entender com os outros.

Não temos acessos aos pensamentos puros do outro, temos apenas estímulos externos e imaginação para nos guiar. Você não ouve o que o outro está pensando, você ouve as palavras que o outro consegue utilizar para expressar um pensamento. Você não sente exatamente o que a outra pessoa sente, você presume algumas coisas e usa uma espécie de espelho neural dentro da cabeça para imitar o que percebe no outro.

Comunicação entre dois seres humanos é essencialmente limitada por isso. Eu entendo que num mundo ideal a gente deveria não se ofender por ser questionado, mas também não dá pra achar que vive nesse mundo ideal. Lidar com as coisas sem esse apego ao próprio ego e sentimentos pode ser maravilhoso em tese, mas na prática é impossível. É um ideal, não algo que alguém escolhe fazer.

Se possível, não se ofenda com o que outras pessoas dizem, não deixe ninguém te fazer mal com palavras, não coloque sua felicidade fora de você. Mas nunca se esqueça que nem sempre é possível. Você vai falhar muitas e muitas vezes nesse ideal, e não precisa se sentir mal por isso: na pior das hipóteses você tem algo para tentar fazer melhor da próxima vez, na melhor você fez tudo o que era capaz de fazer. O fracasso é parte do jogo.

O que expressamos para o outro sempre está dentro de um contexto. Você pode ter a melhor das intenções, mas o contexto vai fazer a pessoa se sentir atacada. Não tem pílula mágica para fazer um terceiro entender o que você realmente está pensando, você sempre depende de como a informação que você fornece vai ser processada na mente de terceiros.

E tem alguns contextos que geralmente vão causar uma sensação ruim no outro. Ter sua honestidade colocada em dúvida costuma ofender. Tudo bem que ninguém é obrigado a confiar em você, mas adianta pensar nisso quando você é alvo de dúvida? O sentimento é ruim, provavelmente porque milênios de evolução mental e social do ser humano definiram que as coisas seriam assim. Pare de achar que só porque você enxerga suas intenções como corretas que isso é verdade absoluta.

Não existe verdade absoluta quando mais que dois cérebros lidam com um tema. O outro pode estar totalmente errado… mas você também. A gente bate muito em certezas aqui no Desfavor, justamente porque é algo que surge igualmente de estudo aprofundado e ego fragilizado. Se você não consegue se lembrar de várias horas analisando aquela informação na sua vida, existe um risco enorme da sua certeza ser apenas seu ego dolorido por não ter uma boa resposta.

E isso tem sim tudo a ver com o tema de hoje: eu concordo que o homem tem o direito de pedir o exame e tenho quase certeza que pediria se acontecesse comigo, mas eu não vou me iludir achando que isso não ofende a mulher. Mulher mente e mulher fala a verdade, como todo ser humano faz desde a mais tenra infância. Se ela está falando a verdade, é muito natural que ela se ofenda. O homem não é obrigado a saber essa verdade antes do teste de paternidade, mas e daí? O mundo não funciona na base do que você acha que é correto, funciona numa espécie de consenso de realidade compartilhado pela maioria.

O ponto do meu argumento é: busque a verdade, mas saiba que a verdade exige sacrifícios, e alguns deles passam por ofender o outro. Fazer pouco do sentimento alheio para validar suas ações é um caminho que te afasta da verdade. A verdade é o que acontece… de verdade. Se a outra pessoa ficou ofendida, a ofensa dela é a verdade. Concorde você ou não.

Muitas discussões acontecem porque uma pessoa quer conformar a mente da outra de acordo com a sua. “Se eu não me ofendo, você não pode se ofender”. Adianta viver sua vida com uma expectativa furada dessas? O que você ganha no final das contas? Quando você tiver que ofender alguém, faça sabendo das consequências. Faça sabendo que exigir que a outra pessoa se sinta da forma como você espera que ela se sinta é brigar com a realidade. E que quem briga com a realidade sempre perde.

Eu entendo que podemos presumir muito sobre o outro pelo que sentimos, mas não tudo. E outra, é difícil sempre praticar o que prega. A Sally escreveu um texto inteiro sobre isso poucos dias atrás. Você deve se pautar por agir de acordo com o que fala, mas também ter a noção de que é falho. Você e o outro. Tem que ter margem de manobra nessa vida, espaço para errar e consertar depois. E isso só é possível se você entender que vai se ofender por coisas que outros não acham ofensivo da mesma forma como os outros vão se ofender por coisas que você não acha.

É chato, é difícil, mas é como as coisas são. Mentes separadas fazendo um enorme esforço para se conectar. Eu entendo de coração a mulher que fica puta da vida por ter sua palavra colocada em dúvida, porque eu fico puto da vida quando duvidam da minha. Talvez ela esteja mentindo, talvez eu esteja mentindo, a gente se ofende mesmo para buscar a verdade.

Eu acho justo pagar esse preço, mas é um preço do mesmo jeito. A verdade não é fácil, tanto que a mentira é parte integrante da vida. Dá trabalho sim, ofende sim, incomoda e muito. Por isso que a verdade é nobre: porque não vem de graça. Aceite que o outro se ofende e lide com isso da melhor forma que puder.

Para me chamar de mentiroso, para dizer que esse texto é hipócrita, ou mesmo para dizer que não quer olhar pra dentro agora mas agradece a oferta: somir@desfavor.com

É ofensivo pedir teste de paternidade se uma mulher com a qual não se tinha um relacionamento estável diz estar grávida do homem e jura que não fez sexo com mais ninguém?

Não. Considerando tudo que isso implica, me parece bastante normal que o homem queira uma confirmação de que o filho é realmente dele.

E antes que venha alguma mulher ofendida começar a discursar, gostaria de lembrá-las que nós, mulheres, também exigimos garantias quando o assunto nos implica de forma patrimonial/emocional de forma perene, para o resto da vida. Ou por um acaso você compraria um apartamento de um homem com o qual tem um relacionamento não estável sem documentação, confiando que o imóvel pertence a ele, apenas com a palavra dele?

“Mas Sally, um filho não é um imóvel”. De fato não, um imóvel, em algum momento, você para de pagar, enquanto filho é obrigação para o resto da vida, se você não for uma pessoa cretina. Filho é a maior responsabilidade que um ser humano pode ter, é o maior dreno de tempo, dinheiro e energia que existe. Acho muito justo que a pessoa queira ter uma certeza absoluta de que o filho é seu antes de embarcar nessa jornada.

Eu acharia ofensivo se uma pessoa que está em um relacionamento monogâmico longo com outra pedisse teste de paternidade, pois, nesse caso, se presume confiança: se você topou esse tipo de relacionamento, tem que haver confiança. Porém, se não era um relacionamento estável, se não havia pacto de monogamia, se não havia um casal unido empenhado em investir em uma relação, é forçar muito a barra pedir que se confie 100% no outro.

Você compraria um carro de uma pessoa nessas condições sem pedir a documentação? Compraria um imóvel? Se sim, você não é melhor pessoa do que eu, é apenas mais inocente e te falta vivência. Questão de tempo para você concordar comigo.

E vou além: eu acho que é melhor fazer o teste de paternidade até mesmo para a mulher, assim qualquer dúvida, qualquer fantasma, qualquer instabilidade se resolve em um primeiro momento. Não seria nada bom que, já em uma gestação avançada ou até com um bebê nos braços surja alguma questão sobre isso que levante estresse.

E, da mesma forma, pelos mesmos argumentos, mulheres não devem confiar 100% no homem nesse tipo de relação menos profunda. Quem te garante que, mais tarde, quando o bebê nascer, o sujeito não vai pular fora alegando que o filho não é dele? Tem noção da dor de cabeça que é entrar com uma ação de reconhecimento de paternidade com um bebê recém-nascido?

É melhor, inclusive para a mulher, resolver tudo, formalizar tudo, eliminar qualquer brecha, em um primeiro momento. Quem não mente não tem nada a temer. Exigir que uma pessoa com a qual não se tem um relacionamento sério confie 100% em você é um devaneio inaceitável para a vida adulta. Confiar 100% que uma pessoa com a qual não se tem um relacionamento sério vai assumir todos os compromissos de paternidade é igualmente um devaneio inaceitável para a vida adulta.

Tomara que saia tudo de acordo com a lei, a ética e o respeito mas… pode não sair. E, nessas horas, vai ser bom ter um teste de paternidade para respaldar a verdade. Se a verdade está do lado da mulher, o teste de paternidade só a protege. Repito: quem não deve não teme – e não se ofende.

Por um acaso vocês não fazem teste de HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis quando começam um relacionamento sério? Se não fazem, deveriam fazer, mesmo que o parceiro ou a parceira te garantam que eles não têm nenhuma doença. É feito pois o que está em risco é sério demais para deixar na conta da confiança de um relacionamento ainda em formação.

Eu quero só ver o que a mulherada ia falar se, ao pedir um exame de HIV para o namorado no começo do namoro ele se ofendesse e falasse “Ain, você não confia em mim! Estou jurando que não tenho HIV!”. Chamariam de macho tóxico para baixo. Mas quando quem tem que prestar o exame são elas, se ofendem. Não tem o menor cabimento.

Confiança é algo que se conquista, que demanda tempo, esforço e construção a dois. Exigir confiança antes disso é infantil, imaturo e coisa de menina mimada. Se ofender por não contar com uma confiança que ainda não foi construída é se achar maravilhosa demais, perfeita demais e acima do resto dos reles mortais. Haja paciência.

Então, vamos descer do pedestal e entender como funcionam as relações na vida real? Não estou dizendo que a premissa tem que ser desconfiar de todo mundo, estou dizendo que a premissa não pode ser de confiança cega quando uma relação de parceria, cumplicidade e confiança ainda não foi construída. Essas coisas levam tempo, muito tempo, muito mais tempo do que a maioria imagina.

Te ofende? Usa métodos contraceptivos para não passar por isso e só engravide em um relacionamento estável que esteja permeado por total confiança. Métodos contraceptivos estão disponíveis para todos, inclusive de forma gratuita. Não usou proteção em um relacionamento que não era estável? Bem, você se colocou nessa situação, não adianta sair atirando contra o outro.

Se a verdade está do seu lado, não há qualquer motivo para se ofender, muito pelo contrário, resguarda a mulher ter um teste de paternidade em suas mãos. Por sinal, se um pedido de teste de paternidade nessas condições ofende, eu já adianto que essa mulher não tem a maturidade necessária para a maternidade. Repensa bem isso aí antes de decidir ter um filho.

Para dizer que eu sou uma fêmea tóxica, para dizer que homem que não confia 100% em qualquer mulher é macho tóxico ou ainda para pontuar como curiosamente o homem do blog defendeu o ponto de vista feminino: sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • Meu tio se meteu com uma adolescente de 16 anos. O Facebook da garota era puro Brasil: menina sem estudos, com sobrenome de fandom de subcelebridade, declarando aos 4 ventos que estava “realizando o sonho de ser mãe”, que já havia “tentado muito” engravidar.

    Achava que meu tio, pequeno empresário na cidade/estado dela à época, era um velho otário cheio da grana. A mãe estava achando a maior graça, dando apoio. Na altura que ela descobriu a gravidez, meu tio já tinha fechado a empresa e voltado para o nosso estado. Temos um sobrenome bastante incomum, e assim a menina nos achou, alegando que meu tio tinha metido o boneco nela e abandonado.

    Confrontado, meu tio não negou que tivesse tido um breve relacionamento, mas afirmou que era estéril fazia muitos anos. A menina entrou com processo, exigindo o DNA. Ele deu balão nela por alguns anos, e nesse meio tempo, a mãe a abandonou, quando percebeu que ela não tinha parido uma galinha dos ovos de ouro. O garoto nasceu com problemas de saúde e ela passou a ameaçar abandonar o bebê nas portas de familiares do meu tio. Bloqueamos geral.

    Anos depois, meu tio enfim concordou em fazer o DNA: negativo. Só então ela “lembrou” que tinha sido 3stupr4d4 uns dias antes de conhecê-lo.

    Nesse meio tempo, ela já tinha inclusive um segundo filho, fruto de um relacionamento com um pobre coitado que estava assumindo os dois Enzos.

    • Caramba, que história… E, com pouca variação nos detalhes, casos como esse também se repetem por aí com uma frequência assustadora…

    • Golpista safada…

      Mas eu não contaria essa história com tanto orgulho como que pareceu que você fez.

      Pq alem de ter se envolvido com uma vulnerável (pobre e menor de idade) seu tio fugiu da possível responsabilidade por anos.
      Afinal se ele já sabia que não tinha como ser dele, não era mais fácil ter providenciado esse DNA de imediato?

      Como toda boa história, não tem lado certo e lado errado.

  • aconteceu comigo, éramos ficantes sem qualquer compromisso sério e não éramos amigos. Fiquei grávida USANDO camisinha. Como ele sabia que tinha usado camisinha, ficou um clima de constrangimento silencioso quando contei da gravidez. Mas em vez de fazer drama, me coloquei no lugar dele e disse que eu fazia questão de provar com o teste de DNA. Ele até tentou ser gentil e dizer que não precisava, mas eu fiz questão. Deu positivo e ele não só assumiu a paternidade como é um pai presente e nunca atrasou pensão. Já faz 12 anos, eu casei com outro, ele casou com outra e hoje somos grandes amigos, nunca tivemos brigas e o filho vai bem.

    • Exatamente meu ponto: quando a verdade está do seu lado, o teste só joga a seu favor. Com certeza foi muito melhor deixar as coisas esclarecidas do que um ponto de interrogação pairando no ar.

  • “Ou ainda para pontuar como curiosamente o homem do blog defendeu o ponto de vista feminino”. Eu ia dizer exatamente isso. Achava que a Sally iria apresentar os argumentos do Somir e vice-versa. Seja como for, concordo com ela.

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