Bonding.

Tem um termo em inglês que eu gosto muito: “bonding”. Acho que não tem tradução perfeita para ele em português. Seria algo como “criar laços” com algum ser vivo, criar uma conexão, um vínculo, alimentar uma relação. Não é uma coisa superficial, um coleguismo ou uma relação cordial com o seu vizinho. É algo mais profundo. É o que uma mãe e um bebê desenvolvem durante a amamentação, é o que casais em princípio de relacionamento desenvolvem ao conversar horas e horas a fio um com o outro.

Pela incapacidade de pensar em uma única palavra em português que descrava isso, vou usar o termo em inglês, agora que todos sabem o que significa. Estabelecido o conceito, vamos ao tema do texto de hoje: as pessoas estão desaprendendo (ou nunca sequer foram ensinadas) a criar esse bonding e me parece que esta é uma das grandes causas de não conseguirem criar, estabelecer ou manter relacionamentos profundos e satisfatórios.

Vejo uma tendência a sempre colocar o erro nas pessoas (fulano é isso, fulana é aquilo) mas, os envolvidos não fazem a sua parte, não fazem o que precisa ser feito para criar esse bonding e, sem ele, não há relação que se sustente de forma saudável e satisfatória. Então, se as coisas não estão dando certo, tenta pensar por esse lado: tire o foco das pessoas e se pergunte se você está fazendo o que precisa para criar laços, vínculos, construir algo realmente significativo.

Longe de mim ter a arrogância de dar uma fórmula “certa”, existem infinitas maneiras de construir um vínculo significativo com alguém, a intenção é apenas dar sugestões para quem não sabe por onde começar.

O primeiro mal-entendido que deve ser esclarecido é que uma vez criado o bonding, o problema está resolvido. Não está. Ele é fundamental para começar qualquer relação significativa (amizade, familiar, relacionamento amoroso, etc.) mas, uma vez estabelecido, ele não está garantido. Ele precisa de manutenção.

Bonding é basicamente a manutenção de um relacionamento. Assim como você leva seu carro para revisar depois de X km rodados para assegurar que ele continue “saudável”, relacionamentos também precisam de checagem, manutenção e cuidados. É o bonding que mantém um relacionamento vivo e feliz. Sabe aquele discurso clichê, de que relacionamentos são como plantinhas, tem que regar, tem que cuidar, se não elas morrem? Pois é, o bonding é esse cuidado.

“Mas Sally, está tudo funcionando bem, acho que no meu caso não precisa”. Precisa. No caso de todo mundo precisa. Você não é a mesma pessoa que era um ano atrás, portanto, quem se relaciona com você tem que se atualizar diariamente sobre quem você, o que você pensa, o que você quer, caso contrário, estará se relacionando com o você de um ano atrás, que não corresponde mais à realidade, e isso gerará muitos problemas e frustrações.

Quantos casais não conseguem apontar um problema concreto mas, ainda assim, acabam se distanciando sem perceber e, quando se dão conta, são apenas pessoas que moram debaixo do mesmo teto? Renovar os vínculos diariamente é parte inerente a um relacionamento saudável. E nem ao menos é um esforço, pois, se você gosta da pessoa, tem interesse nela, acaba sendo um prazer se aprofundar na sua mente e na sua vida.
O que nos leva a um segundo mal-entendido: convivência, por si, não gera bonding. É possível morar debaixo do mesmo teto e que a pessoa seja uma completa estranha para você. Inclusive acontece com casais que se relacionam faz muito tempo: acham que por morar junto a simples convivência vai reforçar os vínculos e, aos poucos, vão se distanciando, não cultivando interesses em comum, se desconhecendo e se afastando mental e emocionalmente.

Bonding é ativo, não é passivo. Só se cultiva bonding com ações direcionadas para isso. E se você não as faz, vira aquela relação superficial que parece eternamente estagnada no tempo, que não evoluí e que, fatalmente, como tudo que não evoluí, fica para trás e acaba perdendo o sentido.

E não é uma tarefa que se possa desempenhar sozinho. Bonding é bilateral, não adianta que um faça se o outro não colabora e não faz de volta. O interesse tem que ser mútuo. Não adianta que uma pessoa conheça a outra muito bem, como a palma da mão, mas não seja recíproco. Relações só crescem, se aprofundam e se tornam fortes quando o bonding é uma via de mão dupla.

E, não se engane, sem bonding uma relação não será nem forte nem profunda. Pode até ser duradoura (é incrível o que o ser humano consegue quando está determinado a se acomodar), mas sempre terá uma brecha para que um terceiro entre e a desfaça ou para que o encanto apenas desapareça sem que ninguém entenda muito bem o motivo.

“Mas Sally, como faço para criar ou alimentar esse vínculo tão importante?”. Existem infinitas formas, vamos conversar sobre algumas e depois vamos conversar sobre como identificar quando algo se presta a esse papel ou não.

A primeira grande forma de bonding, a mais antiga e a mais barata é a conversa. Mas não qualquer conversa. Estamos falando de conversas longas e frequentes, conversas pessoais. Conversar sobre a outra pessoa, sobre si mesmo, sobre sentimentos, projetos, sonhos, passado, presente futuro.

Conversar sobre o tempo, sobre política ou sobre assuntos externos é interessante, mas, se não tiver um enfoque pessoal, não ajuda a criar ou reforçar um vínculo profundo, no máximo uma sensação idiota de pertencimento a um grupinho. E tem gente que parece que não sabe ter uma conversa com elementos internos, só externos.

“Mas Sally, o que é uma conversa com elementos internos?”. É uma conversa em que o o foco não é nada externo (política, futebol, notícias) e sim internos (sentimentos sobre si mesmo, desejos, projetos de vida, etc.).

Isso não quer dizer que assuntos externos estejam proibidos, é possível falar deles e também falar de você mesmo, mas, lembre-se: dar a sua opinião não é falar sobre você mesmo. Falar sobre você é compartilhar suas experiências interligadas com o assunto, seus sentimentos, mas não qualquer sentimento, os de vulnerabilidade, que você não sairia contando para alguém. Seus projetos, sonhos, objetivos, o que você é, o que você gostaria de ser, o que te assunta, o que te estimula, enfim, basicamente coisas que você não conversaria com colegas de trabalho ou pessoas com as quais não tem intimidade.

E este é um bom teste para saber se você está se aprofundando o necessário para criar um vínculo significativo: se o que você está conversando com a pessoa poderia ser postado em uma rede social, poderia ser dito a um colega de trabalho, poderia ser conversado em um elevador, você está na superficialidade, está no externo, está muito abaixo do necessário.

Pode parecer óbvio, mas não é. Muita gente simplesmente não sabe aprofundar e acaba tendo um único modo de relacionar, seja, com quem seja: cria o mesmo vínculo com um colega qualquer de trabalho do que com a esposa ou com o melhor amigo. Não aprofunda nada com ninguém. Vive relações superficiais de mera convivência, geralmente amalgamadas por um hobbie (futebol com os parças, amigos da academia, etc.) e nunca aprofunda nada. E, provavelmente essa pessoa vai dizer que não sente necessidade disso.

Spoiler: qualquer ser humano tem necessidade disso. Quem cultiva uma penca de relacionamentos superficiais paga um preço por isso. O vazio, a autossabotagem e as inúmeras disfuncionalidades que vem dessa escolha mostram, mais cedo ou mais tarde, que viver uma vida cultivando relacionamentos superficiais cobra um preço alto e geralmente ele é pago com a saúde mental.

“Mas Sally, eu não sei fazer”. Sabe sim. Todo mundo em algum momento teve um princípio de relacionamento com alguém, uma fase inicial de deslumbramento na qual ficou conversando com o outro por horas, falando até perder a noção do tempo, hiperfocado na outra pessoa e nos planos que queria fazer com ela. Não digo que você tenha que repetir isso, não é nem saudável ficar nesse estado na vida adulta, só estou te indicando o caminho: é isso, mas em proporções menores, em uma escala viável de manutenção.

É ter interesse diário no outro, no que ele é, no que ele pensa, em como ele se sente, em quais são seus projetos, seus sonhos, seus desejos. E eu não estou dizendo que necessariamente você deve supri-los, mas deve ao menos estar ciente deles. E, ciente deles, comunicar os seus. Depois, quando ambos estiverem cientes de tudo, gastar um tempinho construindo algo em conjunto que atenda a ambos.

Bonding não é só conhecer e compreender o outro, é incluí-lo na sua vida de forma ativa. É fazer projetos com a pessoa, realizar coisas com a pessoa. E não é necessário que seja algo de proporções cinematográficas, afinal, o que importa é a pessoa, não o cenário. Pode ser destinar 15 minutos do seu dia para passar com a pessoa, olhar nos olhos, tomar um café e conhecê-la um pouco mais ou criar um pequeno projeto em comum.

É por isso que muitos casais tentam viajar juntos para “salvar” o relacionamento: a viagem já facilitou muito o bonding, pois, via de regra, tirava todos os outros focos da vida da pessoa, permitindo que ela foque apenas no parceiro. Mas, existem dois problemas: 1) geralmente, quando as pessoas o fazem já é tarde demais (não adianta regar uma planta cujas raízes já morreram) e 2) smartphones, que não permitem que ninguém tenha foco em porra nenhuma em porra de lugar nenhum, já que estão sempre dividindo atenção com esse aparelho. Não adianta regar uma planta cujas raízes já morreram.

“Mas Sally eu não tenho dinheiro nem tenho tempo para fazer projetos com outra pessoa”. Não precisa de dinheiro, tem muita coisa gratuita que você pode fazer, desde que seja focada no interno, não no externo. O principal obstáculo não é o dinheiro, é direcionar qualquer atividade, qualquer conversa, qualquer projeto, para o aprofundamento voltado para o interno, não para o externo.

Vamos a exemplos práticos. Você pode assistir a um seriado com qualquer pessoa, é algo que não demanda intimidade. Inclusive a sociedade possuí um lugar onde desconhecidos se reúnem para assistir coisas juntos, chamado “cinema”. Então, achar que alimenta um relacionamento por ver seriado, filme ou qualquer outra coisa com a pessoa é uma presunção errada.

Você pode jantar com qualquer pessoa, inclusive em algum momento da sua vida você já deve ter feito uma refeição com desconhecidos (em aniversários celebrados em restaurantes, festas de casamento, etc.). Então, sair para jantar não conta. Porém, você pode fazer do jantar um momento especial de bonding se dedicar atenção exclusiva para a outra pessoa e se tiver interesse genuíno nela, no que ela anda sentindo, no que anda acontecendo na sua vida, nos seus projetos, planos e sonhos. E, é claro, se compartilhar os seus também e criar objetivos em comum.

Viajar para ficar cada um em um lado da cama mexendo no celular não é bonding. Viajar para ficar vendo séries não é bonding. Viajar e se entupir de atividades ao ar livre não é bonding. Tudo isso você poderia fazer com qualquer pessoa. Bonding é algo que você só poderia fazer com aquela determinada pessoa, pois seria extremamente inconveniente, inadequado e fora de lugar fazer com qualquer outra pessoa.

Então, parte essencial do processo reside no como fazer, e não no que fazer. Tirem o foco do que fazer e passem a pensar com muito carinho em como fazer. Até um cafezinho no intervalo do trabalho pode ser oportunidade de bonding.

“Mas Sally, isso dá trabalho”. Bem, relacionamento dá trabalho, se não quer trabalho, não se relacione. As pessoas querem o bônus (alguém ao lado) sem ter o ônus (fazer a manutenção para que isso cresça forte e saudável). E, cá entre nós, como eu disse lá no começo, nem acho que seja um trabalho não, quando você gosta de verdade da pessoa, é um prazer saber mais sobre ela, compartilhar mais de você com ela e criar projetos e objetivos em comum.

“Mas Sally, eu não tenho tempo”. Vai cagar no mato! Tempo é prioridade. Se você não quer priorizar isso, então não se relacione e não faça ninguém perder tempo em uma dinâmica superficial que nunca será satisfatória de acordo com as necessidades e humanas e nunca vai crescer.

Quando seus pais não te ensinam como construir um relacionamento profundo, verdadeiro e forte, fica muito difícil entender como se faz uma vez na vida adulta, por isso, espero sinceramente que este texto ajude alguém. Sem julgamentos: nossos pais fizeram o melhor que podiam à época que nos criaram, não é o caso de culpar ninguém. Mas é o caso de abrir as asas e aprender a voar sozinho, mesmo que ninguém tenha te ensinado, pois viver uma vida disfuncional culpando os pais é uma escolha muito triste.

“Mas eu estou ótimo sem fazer nada disso”. Está? Está mesmo? Quando a gente vai ver de perto, acaba percebendo que não. Tá com o peso em um patamar saudável? Está com o corpo saudável? Está com a mente saudável? Dorme bem? Tem problema para dormir? Sente ansiedade? Toma remedinho? Se sente completo e realizado? Tá com o estresse controlado? Passa a maior parte do tempo feliz? Vive uma vida serena e plena sem ficar se metendo em confusão? Tem relações reais, olho no olho, de total confiança? Tem pessoas que são seu porto-seguro, com as quais você pode contar para te ajudarem? Eu poderia fazer outras cem perguntas aqui, mas acho que vocês entenderam aonde quero chegar.

Cada vez mais pessoas pensam que se criam relacionamentos com atos externos: viver na mesma casa, sair para beber, fazer uma atividade em conjunto, ter um filho. Nada disso gera bonding. Um vínculo só cresce, se desenvolve e se mantém se, no que quer que você faça, houver intimidade, reciprocidade e troca voltados para o interno, não o externo.

Para dizer que continua sem entender, para dizer que não sabe nem por onde começar ou ainda para chamar a gente de fascista (afinal, em todo texto chamam…): sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • Uma palavra para descrever uma coisa que eu entendia como entrar na cabeça do outro, no sentido de saber quem é, o que gosta, os medos, etc. Raramente, as pessoas conhecem às outras dessa maneira mais profunda, é mais uma troca de fofocas para recontar alguma situação de fato do que realmente demonstrar a razão da chateação. Mas, eu acho que para querer conhecer o outro e criar laços, também é preciso saber muito sobre si próprio, e eu acho que as pessoas não se conhecem.
    Adorei o texto, fiquei muito reflexiva.
    <3

    • Sim, entrar na cabeça do outro é um ótimo termo!
      Concordo totalmente com você, as pessoas parecem só se unir a partir de vínculos externos (gostam das mesmas músicas, praticam os mesmos esportes, etc.), nunca internos.

  • “E não é uma tarefa que se possa desempenhar sozinho. Bonding é bilateral, não adianta que um faça se o outro não colabora e não faz de volta. O interesse tem que ser mútuo. Não adianta que uma pessoa conheça a outra muito bem, como a palma da mão, mas não seja recíproco. Relações só crescem, se aprofundam e se tornam fortes quando o bonding é uma via de mão dupla.”

    Sally, relembrei desse parágrafo do seu texto quando eu me deparei com isto:
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  • Adorei o seu texto, Sally. O alicerce de qualquer bom relacionamento é justamente o “bonding”, que é um encontro de almas, mentes e espíritos. E esse “bonding” só surge quando ambos, movidos por nada mais que interesse sincero e desinteressado, se põem a “ler” diariamente e com muita atenção as páginas do “livro da vida” um do outro. Ah, e uma palavra úinica em português equivalente a “bonding” talvez seja “conexão”; porque tem a ver com algo mais do que um simples “encaixe”, mas com estabelecer uma ligação de mútua interdependência em que as duas partes juntas produzem e/ou obtém um resultado que é a própria razão de ser de sua união. E esse “resultado”, em matéria de convívo entre pessoas, é, idealmente, um relacionamento saudável, duradouro e baseado em confiança.

  • legais as suas dicas, mas o mais difícil é encontrar alguém de quem realmente gostemos e que goste da gente também.

    • O gostar é uma construção, precisa de tempo e dedicação. Procure pessoas que tenham capacidade emocional de fazê-lo e fica mais fácil.

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