LK-99
Cientistas coreanos alardearam ao mundo a criação de um supercondutor em temperatura ambiente. O material, chamado de LK-99, se for realmente o que promete, deve avançar nossa tecnologia imensamente nas próximas décadas. Mas, tem alguma profundidade nessa especulação?
Não sabemos ainda. Eu até estava em dúvida sobre falar do tema antes de termos alguma confirmação científica sobre as propriedades do material, mas pode ser um bom gancho para mencionar outros temas interessantes no meio do caminho.
Primeiro, pés no chão: a publicação saiu há poucas semanas e ainda não foi confirmada pelos pares. Ciência séria é feita com revisão, e mais importante, replicação dos resultados. Não basta declarar que fez, outras pessoas têm que replicar o mesmo processo que você fez e chegar em resultados parecidos. Os coreanos deram um guia de como criar o material (com elementos comuns como o cobre) e várias universidades e laboratórios ao redor do mundo estão fazendo suas próprias versões para confirmar se é realmente um supercondutor em temperatura e pressão ambientes.
O assunto só está continuando porque alguns desses grupos tentando replicar a produção do LK-99 estão soltando vídeos animadores. Alguns com mais reputação já soltaram simulações dizendo que em tese, deveria funcionar. Mas não se engane: não tem prova de que o LK-99 é esse material milagroso. Ainda pode ser mentira ou engano honesto.
Se eu tivesse que apostar o meu dinheiro nisso, eu apostaria que não é verdade. Não se enganem, eu adoraria estar errado, porque esse material seria um salto tecnológico incrível para a humanidade, mas é mais lógico ser cético por enquanto. Numa comparação tosca, é como se um cozinheiro dissesse que descobriu como fazer queijo parmesão colocando um copo de leite com sal num micro-ondas por 10 minutos. Em tese os ingredientes fazem sentido, mas o resultado é basicamente inacreditável.
“Somir, desaprendeu a escrever? Primeiro precisa explicar o que é um supercondutor!”
Fiz de propósito. A primeira coisa a entender sobre o LK-99, que mais e mais estagiários de jornalismo estão usando como pauta, é que a probabilidade de suas propriedades “mágicas” serem verdade é muito pequena. E que mesmo que sejam verdade, existem várias formas de como isso pode não ser aplicável na nossa tecnologia. O hype aqui, se existir, não vai ser culpa minha. Entendido?
Então vamos flutuar!
Supercondutores são materiais que permitem o fluxo livre de energia. Materiais normais sempre tem alguma forma de resistência à transmissão de elétrons, alguns mais como a borracha (não passa quase nada) e alguns menos como o cobre (que é usado em todos os eletrônicos). É por isso que você coloca uma luva de borracha para mexer num fio de cobre. A eletricidade passa fácil pelo metal, mas dá de cara com uma parede na borracha.
Resistência gera perda de eletricidade (os elétrons se perdem no caminho) e talvez mais importante nesse caso, gera calor. Energia que não tem mais o que fazer vira calor. E calor é uma coisa que nem sempre queremos na vida, especialmente nas nossas máquinas. Pode ser bacana “jogar fora” energia com um aquecedor no inverno, mas dentro de um computador, por exemplo, é só problema.
Computadores (celulares incluídos) só ficam quentes porque a resistência dos materiais dos quais é feito faz com que energia se perca no caminho. Essa energia perdida do trabalho vira calor, e o calor vai acumulando, tornando cada vez mais difícil para a eletricidade seguir o caminho que queremos que ela siga. É por isso que todo eletrônico moderno tem que ter alguma forma de dissipar calor. Queremos ele fora do sistema, para que as coisas se tornem mais eficientes.
Mesmo que cobre e outros metais sejam muito bons nisso de transmitir energia, um pouco sempre acaba perdido. Supercondutores são especiais no sentido de pegar toda a energia que chega para eles e passar para frente, sem jogar nada fora no caminho. Não só fazem os equipamentos funcionarem mais rápido, como ajudam a economizar bastante eletricidade. Uma boa parte da sua conta elétrica é paga para aquecer o ar “à toa”.
Não usamos supercondutores na maioria dos equipamentos eletrônicos por um motivo simples: não tem nenhum material que consiga transmitir energia perfeitamente na temperatura ambiente da Terra. Mesmo nos dias mais frios nos lugares mais gelados do mundo, é sempre quente demais para qualquer coisa fazer esse tipo de supercondução.
Os computadores quânticos atuais precisam de supercondutores para funcionar, e para isso, tem que ser resfriados até muito perto do zero absoluto (vulgo mais frio que no espaço) para entregarem algum resultado coerente. Os cálculos dessas máquinas são tão delicados que se você der uma baforada no processador, ele perde completamente o fio da meada.
O Santo Graal da engenharia de materiais é encontrar alguma coisa que funcione como supercondutor em temperaturas razoáveis aqui na Terra. Mesmo que dependa de um ar-condicionado, já seria uma melhora incrível na capacidade e na eficiência de quase tudo ao nosso redor. Algo que funcione na rua, em Estocolmo ou em Nairóbi… medo do que o humano médio faria com um supercomputador no bolso o tempo todo.
Resistência e calor são problemas virtualmente impossíveis de resolver sem um supercondutor, e supercondutores que não precisam de milhões de dólares em equipamentos de resfriamento para funcionar seriam uma mudança real de paradigma para a humanidade. Daria para ter uma supermáquina gamer no seu relógio de pulso, além de não ficar perdendo energia o tempo todo, ainda escaparíamos dos limites da miniaturização atuais: chega um ponto onde as chavinhas que criam os zeros e uns da computação ficam tão pequenas que qualquer elétron perdido bagunça a conta toda.
Supercondutores em temperatura ambiente funcionariam de forma confiável com basicamente nenhuma perda de energia no processo, aumentando também, e muito, a durabilidade das baterias. Talvez um drone com supercondutores consiga buscar uma encomenda em outro estado e deixar na porta da sua casa. Carros elétricos poderiam ser bem mais leves ou ir muito mais longe com apenas uma carga. Quase tudo que depende de motores de combustão poderia ser transformado em elétrico…
E seria uma excelente saída para nossos problemas com produção de energia. Se tudo ficar mais eficiente, em tese gastaríamos muito menos do que gastamos agora para fazer as mesmas coisas. Mas é claro, o ser humano vai passar a gastar 10 vezes mais energia, não tenha nenhuma ilusão sobre isso.
Descobrir um material com essa característica parece tão pequeno e tão específico, mas não tenho medo de ser hiperbólico dizendo que se supercondutores em temperatura ambiente existirem e forem tão simples de fazer como o LK-99 parece ser, 2023 vai ser Idade Média em comparação com 2043. Ninguém vai ficar mais inteligente nem nada, em muitos pontos continuamos sendo os mesmos macacos teimosos de séculos atrás, mas o mundo muda ao redor das pessoas de tal forma que fica difícil até de compreender a diferença para quem não passou por isso.
O LK-99 pode ser um ponto de singularidade: quando a tecnologia avança tão rápido que o mundo anterior a ela parece meio bizarro. “Como assim as pessoas ficavam incomunicáveis por horas ou dias antigamente? Como vocês achavam alguma informação? Como chegavam nos lugares?”. Isso talvez vire algo como “Como assim vocês não tinham um Sbrubles que te diz em tempo real como interagir com cada pessoa perfeitamente? Ou Como assim vocês faziam cocô?”.
Muita coisa incrível pode acontecer depois de uma singularidade. E por definição, singularidades só podem ser percebidas por quem já está dentro de uma delas. Não existe comunicação de dentro para fora. Como eu já disse, é muito provável que os coreanos não tenham descoberto esse material incrível, até porque é uma mistura específica de materiais que todo mundo já usa, extremamente abundantes. A lógica dita que alguém já teria dado de cara com esse material, mas de repente só uma combinação muito única funciona e ninguém teve a chance de achar antes deles.
Se esse texto serve para alguma coisa, é para você entender qual é o hype ao redor do LK-99, porque se for verdade é gigantesco MESMO, mas também não se deixar levar por gente que só diz que “não foi confirmado ainda” no primeiro parágrafo, mas depois passa um tempão te fazendo sonhar com o potencial incrível.
Opa…
Ok, eu sou humano e sou falível. Estou empolgado, mas com o coração pronto para ser partido. Mas se a empolgação de tantos nerds ao redor do mundo fizer mais cientistas apontarem seus focos para essa área, já é um excelente começo.
Para dizer que é bom demais para ser verdade (infelizmente), para dizer que também vai ficar com o coração robótico partido, ou mesmo para dizer que já está pensando no nome que vai dar para sua empregada mulher-gato robô: somir@desfavor.com
UABO
Eu achava que suprcondutores tinham a ver só com aqueles trens futuristas experimentais sem rodas, que “levitam” sem ruído e sem atrito por sobre os trilhos.
W.O.J.
Descobrir um material com essa característica parece tão pequeno e tão específico, mas não tenho medo de ser hiperbólico dizendo que se supercondutores em temperatura ambiente existirem e forem tão simples de fazer como o LK-99 parece ser, 2023 vai ser Idade Média em comparação com 2043. Ninguém vai ficar mais inteligente nem nada, em muitos pontos continuamos sendo os mesmos macacos teimosos de séculos atrás, mas o mundo muda ao redor das pessoas de tal forma que fica difícil até de compreender a diferença para quem não passou por isso.”
Em certa medida, isso já acontece quando nós comparamos o nosso mundo hiperconectado de hoje com o havia na Virada do Milênio, 23 anos atrás. Certo, Somir? E, realmente, ninguém ficou mais inteligente, mas a maneira como fazíamos as coisas e interagíamos uns com os outros já mudou radicalmente em pouco mais de duas décadas. Quanto a esse novo material, tenho que confessar que não estava nem sabendo e, pelo que eu li, ainda não é mesmo caso para se criar muita expectativa a respeito, ao menos por enquanto.