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Estética nazista.

Estética nazista.

| Somir | | 14 comentários em Estética nazista.

Eu tenho uma coisa para falar sobre o nazismo: pelo menos na sua versão original alemã, tinha um design lindo. O símbolo principal foi um achado, um logo visualmente único no ocidente, utilização precisa de cores e símbolos, uniformes feitos por estilistas, era toda uma estética coerente que passava a imagem de poder e unidade. Visualmente, anos-luz à frente da concorrência. Tanto que até hoje é uma estética poderosa. Mas… tem algum motivo para falar disso num texto?

Uma das frases que eu gosto de repetir é: “você não é imune à propaganda.”, porque a mente humana é suscetível a muito mais coisas do que imaginamos. Não só temos um inconsciente que determina bem mais de nossas opiniões e atitudes do que gostamos de admitir, como também temos um prazer imenso em reconhecer e seguir padrões.

Isso tudo se conecta no poder que a estética exerce sobre movimentos políticos. O fascismo, que é quando o conservador resolve ser revolucionário, bebe muito dessa fonte para se estabelecer na mente das pessoas. Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha trabalharam muito com simbologia, cores, fontes, formas, sons… tudo para criar um sentimento no povo que os conduzisse para a fantasia de poder de um homem forte liderando uma nação rumo à resolução de todos os seus problemas.

Difícil saber o quanto dessa preocupação com estética foi consciente e quanto foi “sorte”, mas o resultado é o mesmo: era mais do que política, era uma imagem forte para as pessoas por trás do movimento. Ideologia pode te levar até certo ponto, mas o cidadão médio não costuma ter profundidade nos seus pensamentos para manter essas ideias sozinhas, ele precisa de uma bandeira para carregar.

Algo que transforme o sentimento num símbolo reconhecível, que o ajude a articular um sentimento difícil de explicar e o faça sentir que mais pessoas estão enxergando a mesma coisa. O fascismo trabalha com a insatisfação de uma população pelos mais diversos motivos, canalizando a frustração numa vontade de se rebelar contra o “mundo moderno”. É transformar em arma aquele sentimento comum de perceber algo errado, mas não saber o que fazer com isso.

O fascismo vem de um lugar confuso da mente. Tanto que a pessoa que começa a apoiar o movimento rapidamente se torna agressiva na defesa do que acredita que está seguindo. É meio que uma regra do espectro político: assim que você se afasta demais do centro, começa a ficar complicado explicar direito como você quer resolver todos os problemas da sociedade sem admitir que é na base da ignorância mesmo. Talvez para não ter que lidar com as consequências do seu pensamento radical, a pessoa ergue uma barreira antes disso, e rosna para quem estiver tentando fazer senso daquilo.

Fascismo (e é claro, ideologias mais alinhadas à esquerda) tem um fator emocional muito forte. E quando você não tem como articular isso direito, nada melhor do que bons símbolos. Não estou dizendo que o nazismo cresceu tanto só por causa de um bom design, mas estou dizendo que com certeza foi um fator importante. Muitos dos estudiosos sobre o fascismo batem nessa tecla das imagens e símbolos como muito importantes para a alma do movimento. No Brasil, o “fascismo das bananas” tentado por Bolsonaro e similares cooptou o verde e amarelo, além da bandeira, como símbolos pare expressar o sentimento de revolta contra violência urbana, economia ruim e conservadorismo religioso num mesmo lugar.

Tanto que na época da Copa do Mundo, muita gente que não queria se sentir conectada com os ditos patriotas começou a evitar símbolos como bandeiras e camisas da seleção brasileira. É claro que para uma mente mais crítica isso soa como uma grande bobagem, mas a triste verdade é que em todos os países, mentes críticas não formam a maioria. O símbolo passa por cima da racionalização.

Até porque mesmo se você e seu grupo de pessoas próximas forem mais bem articulados e capazes de discutir política sem histeria, ainda sim é muito mais fácil se unir ao redor de um símbolo do que ao redor de ideologias específicas. Se for para discutir mesmo o que cada um acha que o mundo tem que ser, vai ser difícil achar duas pessoas que pensam igual, quiçá a quantidade necessária para gerar alguma ação real na sociedade.

Símbolos são atalhos, e símbolos estéticos são mais poderosos que símbolos toscos. O nazismo foi crescendo ao mesmo tempo que dava muita atenção à forma de se apresentar. Até o jeito caricato de Hitler fazer seus discursos tinha uma lógica visual: não tinha telão ao vivo naquele tempo, e ele discursava para cada vez mais pessoas. Sua voz era amplificada pelo microfone, mas sua diminuta silhueta tinha que ser muito emotiva à distância na qual a maioria de seus seguidores o via.

O movimento bebeu tanto dessa fonte que até hoje lembramos do ministro da Propaganda nazista, Goebbels. 80 anos depois, um ministro da Cultura brasileiro foi demitido por parecer que o estava imitando. Esse é o nível de presença no imaginário popular que o nazismo conseguiu manter. Em pleno 2023, a simbologia do regime nazista é considerada polêmica ou mesmo ilegal em vários países do mundo.

Tinha algo de muito atrativo para o cidadão médio naquilo tudo. O povo alemão foi hipnotizado pela estética nazista ao mesmo tempo que engoliu a ideologia assassina de seu líder. Achar que as bandeiras eram bonitas, que os uniformes dos oficiais eram chiques ou mesmo se impressionar com os monumentos e eventos realizados pelos nazistas é natural. Precisamos admitir que eles criaram um espetáculo visual como poucas vezes visto antes, um que passou perto de dominar a Europa nem tão pouco tempo atrás.

Não muda a reprovação às ideias genocidas dos nazistas, mas é importante perceber um dos caminhos pelos quais eles conseguiram entrar na cabeça das pessoas, porque o ser humano continua fraco para resistir um design bonito e padronizado. Funciona para a Apple e funciona para o fascismo. Em alguns países como China e Índia, onde o impacto da cultura ocidental é grande, mas a reprovação ideológica ao nazismo não tem esse peso todo, é comum ver muita gente usando a estética como se nada. Sim, eu sei que a suástica é um símbolo deles originalmente, mas não é só sobre esse símbolo, existe uma estética nazista do cinza, vermelho e branco, algo sério e imponente; e é algo que num vácuo ideológico continua sendo muito atraente.

Não somos imunes à propaganda, e todo o pacote visual do “totalitarismo fashion” continua tendo o mesmo efeito no cidadão médio que sempre teve. Eu argumento que a identidade visual dos romanos foi parte integrante do poder que exerceram sobre o mundo. E não é segredo que muitos dos ditadores ocidentais desde então tinham o desejo de criar algo parecido. Uma bandeira e um estilo que projetasse seu poder com uma espécie de beleza opressiva. Águias funcionaram em Roma, águias funcionaram no nazismo, águias funcionaram com os americanos.

Isso não quer dizer que design seja uma ferramenta apenas de tiranos, é algo que usamos em todos os lugares onde precisamos usar mais do que palavras para nos comunicar. Design serve para defender democracia, para proteger pessoas (o “+” da medicina, por exemplo, precisa ser respeitado por todas as convenções de guerra), para divulgar ONGs que protegem animais, para vender guaraná… é apenas uma ferramenta, uma que pode ajudar ou atrapalhar a humanidade de acordo com o que ela tenta vender.

Por isso, eu acho importante vencer bloqueios mentais sobre como lidar com a belíssima estética nazista: a ferramenta foi muito bem usada para divulgar uma ideia horrível. E não existe nenhum motivo para acreditar que não será usada novamente com grande sucesso. Continuamos tão vulneráveis agora quanto éramos no começo do século passado. Você não pode depender do que acha bonito ou feio para decidir se uma ideologia presta ou não, porque basta acertar algumas cores e símbolos para dar um ar de dignidade e poder para basicamente qualquer besteira.

Somos mais… fúteis… do que normalmente estamos dispostos a admitir. Da direita à esquerda, existem várias formas de enfeitar totalitarismo e intolerância com símbolos bonitos e nos tapear a achar que tem algo de positivo ali. É normal achar estética nazista, fascista ou mesmo comunista muito bonita sem ter nenhum motivo ideológico por trás disso. Design funciona. E pode te passar a perna se você não estiver atento.

Para me chamar de nazista, para dizer que se sente aliviado(a) por achar bonito, ou mesmo para dizer que ainda bem que a bandeira brasileira é muito brega: somir@desfavor.com


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