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Doce ironia.

Doce ironia.

| Sally | | 26 comentários em Doce ironia.

“Ain não acredito que com tanta coisa importante acontecendo o texto de hoje é sobre o Felipe Neto”. Não. O texto de hoje não é sobre o Felipe Neto, é sobre um mecanismo muito perverso que vem sendo normalizado no Brasil e também é muito importante: usar política para desqualificar críticas.

Vamos aos fatos. Felipe Neto, entre suas muitas cruzadas combatendo o que ele acha nocivo, se posicionou diversas vezes detonando o consumo e a produção de açúcar. Isso está documentado.

Entre outras coisas disse que, e abro aspas, pois foi exatamente o que ele disse: “um dos pilares da alimentação mundial (se referindo ao açúcar) foi inteiramente criado em cima de algo que mata milhões de pessoas por ano e ninguém faz absolutamente nada sobre isso pq ninguém se importa”.

Curiosamente, após muitas declarações alimentando esta cruzada nobre repleta de bondade, virtude e sabedoria, ele apareceu, do nada, divulgando o chocolate Bis, parte da indústria que, segundo ele, “mata milhões de pessoas por ano”.

Obviamente, as pessoas começaram a apontar a contradição, pois salvo o fã clube dele, todo o resto está de saco cheio da cagação de regra do Felipe Neto e de sua hipocrisia.

Só para citar alguns exemplos, ele cagou regra contra acúmulo de capital e dias depois estava mostrando sua mansão, ele defende causas ambientais mas anda de jatinho, ele era o maior divulgador da Blaze (inclusive para crianças), vendendo um cassino virtual como uma “renda extra”, ele criticou a separação de Shakira e Piqué quando ele mesmo terminou um casamento de anos (morava com a pessoa) por telefone e no Natal, no auge da pandemia quando pregava que todos fiquem em casa foi flagrado furando a quarentena para jogar futebol, sempre prega que todos sejam corretos mas foi flagrado trapaceando em uma partida de xadrez virtual e muitos outros exemplos.

Cheguei a listar todas as principais hipocrisias dele, mas como o somatório foi de sete parágrafos, decidir cortar e deixar só o primeiro, pois todas as contradições estão disponíveis online e são facilmente pesquisáveis. Vamos ao que interessa.

As pessoas estão de saco cheio dele. As pessoas sentem a hipocrisia, a falsidade, a patrulha moral virtuosa, a postura de Arauto da Verdade. Na real, eu acho que até Felipe Neto está de saco cheio de Felipe Neto e isso fica visível na sua saúde física e mental: depressão, síndrome do pânico (com direito a ele se filmando durante crise) e outras coisas que não vem ao caso citar aqui, pois nossa intenção não é humilhar ninguém. O ponto é: não é sustentável para a saúde mental de ninguém viver assim, patrulhando o mundo, fazendo cruzadas, lutas, batalhas. É inútil para melhorar o mundo, é nocivo para a pessoa e é extremamente pau no cu.

Nesse contexto, de todo mundo de saco cheio da patrulha moral, do desfilar de virtudes, da cagação de regras hipócrita, o episódio do Bis foi meio que a gota d’água para que as pessoas mandem um “chega dessa merda”. Não por política, mas por coerência, em uma via de mão dupla: que porra de pessoa que acha que açúcar mata milhões divulga chocolate cheio de açúcar e que porra de marca escolhe como garoto propaganda alguém que fez campanha abertamente contra açúcar?

As pessoas começaram a se perguntar que tipo de gente é essa, de ambos os lados, e com razão. Parecem pessoas que topam tudo, que não tem compromisso com nada, cujo lucro é o principal objetivo e estão cagando para coerência, bem-estar alheio e vergonha na cara.

Teve bolsonarista detonando? Teve, como sempre vai ter. Mas nem de longe eles são o grupo principal ou o argumento principal. Como sempre, são apenas um pequeno grupo barulhento (se fossem grandes, o Presidente do Brasil não seria o Lula). São chatos? São. São escrotos? São. Mas eles falam para sua bolha, quem não é bolsonarista não perde cinco minutos escutando o que eles têm a dizer. Então, eles não afetam o resto do país.

Se assumirmos que as reclamações foram com base em tudo que foi descrito na primeira página deste texto, fica bem feio, complicado e difícil para os envolvidos, pois fica muito improvável que apresentem um argumento coerente para rebater as críticas.

Então, qual é a saída? Colocar a culpa nos bolsonaristas. “Quem me critica é bolsonarista, estão me criticando por questões políticas, não pelo hipócrita que eu sou”. A partir do momento que você atribuí críticas a motivos políticos, você desqualifica todas as críticas pertinentes, principalmente quando você utiliza isso como uma narrativa maniqueísta, se colocando do lado do “bem” e incitando seus fãs a propagarem esse discurso. Foi justamente o que fez Felipe Neto:

“Oi, preciso falar algo importante… Como você deve saber, fiquei anos sem ter patrocinadores brasileiros, justamente pelo ódio que os fãs da extrema direita propagam contra mim. Agora a Bis resolveu me abraçar. E o que essas pessoas estão fazendo? Campanha de boicote e ofensas contra a marca para forçá-los a nunca mais me patrocinarem. Só existe uma maneira de vencermos isso: vocês mostrarem a força que nós temos. E onde tiver ódio, a gente precia jogar amor.

Como vocês podem ajudar:

1) No Twitter façam posts com “Felipe Neto” e “Bis” e falem coisas positivas (…)
2) No Insta, no perfil do Bis, eles estão invadindo os comentários dos posts para me ofender e atacar a marca. Façam o oposto. Invadam lá e mostrem nossa força (…)”

Se colocar como contraponto a um grupo de malucos que acham que vacina causa AIDS, que invadem o Congresso para cagar na mesa de juiz, que se penduram de caminhão em movimento é realmente o caminho mais curto para tentar angariar alguma credibilidade após anos de contradições e hipocrisias, não é mesmo? Se apropriar do amor e designar o ódio para o rival é de uma arrogância egóica sem limites. Tá feio. Tá horrível. Tá faltando saúde mental.

Não importa quem critique Felipe Neto e com quais argumentos, sempre será taxado de bolsonarista, ou seja, uma pessoa insana, obtusa, tosca, cuja crítica é fruto de um ódio gratuito, gerado puramente por antagonismo, por questões políticas que em nada estão relacionadas com a pessoa ou com as escolhas de vida do Felipe Neto. Isso seria aceitável se não houvesse motivos reais e concretos para criticar a escolha que ele fez. Mas há: em um dia ele diz que é uma indústria que “mata milhões” e no outro ele está divulgando essa indústria.
Vamos pensa racionalmente: vocês realmente acham que bolsonaristas tem poder para fazer com que um dos influencers mais bem sucedidos do Brasil e até do mundo, que geram uma visualização estratosférica de qualquer produto, seja boicotado por todas as marcas do Brasil? Será mesmo que nenhuma empresa em toda a porra de um país de dimensões continentais está deixando de patrocinar o Felipe Neto por causa de idoso maluco que usa celular para pedir intervenção alienígena?

Vocês acham mesmo que bolsonarista maluco que não boicotou nem vacina (Brasil, o país em que anti-vacina toma vacina!) vai causar algum impacto na venda de Bis? Vocês acham mesmo que desacreditados como estão, com fama de malucos e esclerosados estas pessoas, em sua maioria idosos, tem algum impacto em redes sociais ou no mercado de consumo a ponto de desencorajar uma marca?

Me parece que estamos diante de uma negação da realidade aqui. Vai lá nas redes sociais do Felipe Neto ver a quantidade de seguidores: Instagram, Twitter, Youtube… Vai lá e me diz se o boicote/gritaria de uns idosos malucos seria suficiente para afastar não uma, não duas, mas TODAS as marcas brasileiras. Está faltando autocrítica, não é mesmo?

A verdade é que marcas não gostam de polêmica. Pode ser boa, ruim, com razão, sem razão, por causa nobre, por causa fútil… não importa. Marca não gosta de polêmica, por mais certo que o gerador de polêmica se ache. E tem zilhões de influenciadores no Brasil. Então, como tem gente de sobra para escolher, obviamente as marcas optam por aqueles que não se metem em polêmica.

Mas é muito mais fácil culpar a política e o lado malvado da vez (sejam eles os petistas, sejam eles o bolsonaristas) por tudo que dá errado em nossas vidas, não é mesmo?

E aqui temos um duplo desfavor: se por um lado não se assume responsabilidade pela rejeição (“quem não gosta de mim o faz por ser bolsonarista e por razões políticas, pois não tenho nada que possa ser desgostado”), por outro, se alça os bolsonaristas a um patamar de poder, de antagonismo e de representatividade que eles não têm.

Atribuir tanta coisa a bolsonarista lhes dá poder, status e autoestima. Será que não aprenderam que essa gente tem que morrer na escuridão, sem voz? Será que não aprenderam que a esquerda é o maior cabo eleitoral do Bolsonaro, seja promovendo BatCu com dinheiro público, seja falando neles o tempo todo como uma ameaça? Depois se assustam quando, nas eleições, o brasileiro vota no Bolsonaro usando uma arma enrolada na bandeira de Israel.

Quando se marreta por anos ser “perseguido” por um “grupo de bolsonaristas” de forma eficiente, se gera o efeito enganoso de que todos que o criticam são bolsonaristas – e isso está longe de ser verdade. Se existe alguém que se irritou e combateu mais do que eu a desinformação que o governo Bolsonaro promoveu na pandemia, desconheço. Não sou bolsonarista, mas critico que uma merca que comercializa alimentos açucarados se vinculem ao Felipe Neto.

Não apenas critico, como deixo de consumir o produto. Não por odiar o Felipe Neto, não por questões políticas, não por nada que não seja a coerência e um mínimo de vergonha na cara. Eu não confio em uma marca que se vincula a alguém que disse que seu produto “mata milhões”. É uma marca sem bom-senso ou sem escrúpulos – e, seja lá qual for o caso, não tenho confiança no seu produto. Existem outros chocolates no estilo tão bons quanto. Por qual motivo vou consumir uma marca que mostrou uma postura que mina sua credibilidade?

Eu não desejo nenhum mal ao Felipe Neto, inclusive, ele mesmo se encarrega disso, detonando sua saúde mental, sempre atento, sempre apontando o erro alheio, sempre metido em “batalhas”, etc. E o resultado a gente vê nos problemas de saúde mental que ele enfrenta. Torço para que ele perceba que não é esse o caminho e evolua um pouco. Torço para que seu ego dê um descanso e ele pare de querer ser o salvador do mundo sempre procurando uma causa para lutar. Salvamos o mundo salvando a nós mesmos, o resto é distração e pirotecnia.

Sim, é perfeitamente possível boicotar um produto sem que isso esteja ligado a política, a ódio e a ataques ao garoto-propaganda. Você, que é leitor antigo do Desfavor, me diga se continuaria lendo o blog e nos dando credibilidade se a gente se a gente se vinculasse a uma empresa que julgamos causar “milhões de mortes”, por exemplo, uma empresa anti-vacina, a indústria bélica ou coisa do tipo?

Você, leitor antigo, depois de tudo que leu aqui de críticas a antivax ou a guerra, como você se sentiria se, do nada, em troca de dinheiro, o Desfavor começasse a divulgar esse tipo de coisa? Depois de mais de 50 FAQs, se a gente começasse a divulgar “reversão de vacina” ou “limpeza de DNA dos danos da vacina”, você acharia bacana?

E eu não estou falando mal de açúcar aqui, acho isso terrorismo alimentar. Estou dizendo que se Felipe Neto acha que a indústria do açúcar mata milhões, não deveria se vincular à indústria do açúcar. E, mais importante: a indústria do açúcar, tendo tanta gente para escolher, não deveria se vincular a alguém que divulga que seu produto “mata milhões”. Vocês já se perguntaram por qual motivo, podendo escolher entre tantos famosos, escolheram o Felipe Neto?

Ninguém é santo nessa história. Tem quem pose de santo, mas ninguém é santo. O CEO da empresa que produz o Bis (Modelez Brasil) integra o Conselhão do Lula (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável). Felipe Neto fez uma campanha escancarada para o Lula e, ao que tudo indica, recebeu esta retribuição do Governo, pedindo que um dos integrantes deste conselho dê uma forcinha e o patrocine.

É todo mundo imundo. Eu não compro produto de quem eu descubro que faz qualquer merda a pedido do Presidente, seja lá quem for o Presidente ou seu partido. Simples assim. Esse é o lado bom de não aceitar patrocínio nem dinheiro de ninguém: a gente vai morrer falando o que pensa. Não que o que a gente pense seja grandes bosta, mas ao menos vocês sabem que é uma bosta sincera.

Desacreditar pessoas atribuindo suas opiniões ou escolhas à política está se tornando recorrente no Brasil e muita gente, por vergonha de passar de bolsonarista, está recuando. Não se deixe intimidar. É possível discordar, criticar e boicotar qualquer pessoa ou produto vinculado com a esquerda sem ser de direita e qualquer pessoa ou produto vinculado com a direita sem ser de esquerda. Nem toda crítica é política. Se tem meio país te descendo o pau, reflita, provavelmente você fez merdinha.

Nem tudo é política. Não permita que te convençam de que todas as motivações são políticas. Tem muita gente racional criticando Bis e Felipe Neto por razões muito, mas muito coerentes. E se achar que tem que criticar, critique também. Não se deixe intimidar pelo medo de ter fama de bolsonarista. Feio demais calar a boca das pessoas usando tamanha baixeza.

Para dizer que somos Bolsonaristas (vai lá ver nossos textos de 2020), para dizer que o texto foi sobre o Felipe Neto (spoiler: você não entendeu o texto) ou ainda para dizer que não vai comprar Bis por ter diminuído de tamanho e aumentado o preço: sally@desfavor.com

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