Quase dez anos atrás escrevemos um texto sobre FOMO, que significa, em inglês, “Fear of Missing Out”, algo como um sentimento de ansiedade ao não estar presente em um evento, um medo de ficar por fora, de não estar presente quando coisas acontecem, de querer participar de tudo caso contrário sente que não está aproveitando a vida. Se quiser saber mais sobre o assunto, o texto está aqui.

Hoje queremos falar sobre o oposto: JOMO, que significa “Joy of Missing Out”, algo como “a alegria de não vivenciar aquilo”. É a decisão voluntária de ficar de fora de algo, de não participar, de não estar presente em determinado evento, lugar ou situação.

Se no FOMO a pessoa quer sair, quer estar presente em todos os eventos, quer participar de tudo por medo de estar por fora, no JOMO é ao contrário: a pessoa fica feliz, satisfeita e muito grata de não ter participado daquilo.

Exemplo de FOMO: a pessoa está doente por isso é obrigada a ficar de cama e deixar de ir a uma festa. Ela fica nas redes sociais vendo as fotos do evento, sentindo uma grande ansiedade, desejando estar lá e lamentando tudo que perdeu.

Exemplo de JOMO: a pessoa escolhe não ir a uma festa e, quando vê as fotos ou escuta relatos, fica extremamente feliz e grata por não ter ido.

Não é apenas sobre festas. Se aplica a qualquer coisa. Se no FOMO a pessoa fica com medo de perder um momento único, valioso e inesquecível, seja ele um evento, seja uma postagem em redes sociais ou qualquer outra coisa, no JOMO a pessoa não apenas opta por se manter fora daquilo, como ainda se sente plenamente feliz, satisfeita e convicta com essa decisão. É basicamente uma sensação de alívio e de escolha certa.

Repito: não é necessariamente sobre sair de casa. Pode ser sobre muitas outras coisas, como por exemplo, ficar dias sem acessar a uma rede social sem se importar com o que você vai “perder”. É sobre deixar de fazer, deixar de estar, deixar de participar – e amar isso!

JOMO e eu somos melhores amigos. Cada vez mais sinto profunda alegria em não participar de eventos (presenciais ou não), formalidades, compromissos, celebrações e atividades, quando entendo que isso me é benéfico e que meu tempo pode ser melhor gasto de outra forma. Ou quando simplesmente não tenho vontade.

O problema é: este mundo hiperconectado, multitarefas, frenético e tarja preta não costuma compreender muito bem ou respeitar os adeptos da JOMO. Muitas vezes fazem parecer que é um problema, ou que você está “desperdiçando” sua vida ou até que existe alguma questão de saúde mental envolvida.

Então, este texto está aqui para te dizer basicamente duas coisas: 1) JOMO é comum, não é nada aberrante, tanto é que foi criado um nome para designar esse sentimento/escolha e 2) Não se sinta pressionado para acompanhar o ritmo dos outros em matéria de socialização, tá tudo bem em ter outro ritmo e sentir alegria em optar pelo recolhimento em vez da socialização.

“Mas Sally, JOMO não pode ser alguma fobia social?”. Depende. A frase chave é: estamos falando de uma escolha? Tudo que é escolha é válido. Se for em virtude de uma dificuldade, um medo ou algum outro sentimento negativo, aí sim temos um problema.

Esse é o balizador, você se pergunta “se eu quisesse, eu poderia fazer isso?”. Se a resposta for “sim, mas não estou com a menor vontade” estamos bem. Se a resposta for “não, tenho vontade mas não faria pois sentiria _______ (medo, ansiedade, pânico ou qualquer outro impeditivo interno alheio à sua vontade) aí temos um problema que precisa de ajuda médica.

E, vamos combinar que quando a pessoa não participa de algo por questões de saúde mental, dificilmente ela sente joy, alegria, portanto, dificilmente isso poderia ser chamado de JOMO.

De qualquer forma, o texto de hoje é para pessoas que, assim como eu, sentem alegria, satisfação, prazer em “perder” eventos, sem qualquer doença mental envolvida, por pura e simples escolha, por pura e simples falta de vontade de participar ou de se forçar a participar para cumprir um papel social. Meus queridos, tá tudo bem. Abracem a JOMO sem culpa e sejam felizes.

Vai ler um livro, vai maratonar um seriado, vai bater um papo com um amigo ao telefone ou simplesmente vai fazer nada, para recarregar as baterias. Faça o que tiver vontade. Pau no cu de quem quer te dar uma fórmula do que é “aproveitar a vida”.

Aproveitar a vida é fazer o que você gosta, o que te dá prazer e o que seu corpo e sua mente precisam naquele momento. Se for dormir o dia inteiro que seja. Só você pode definir o que, entre as muitas opções, é melhor para você.

Se bater ponto em festa, evento e encontro trouxesse felicidade, não tinha tanta gente que faz isso precisando de remédio para dormir. Se estar atento a tudo que acontece em redes sociais, postar sempre e receber muitas curtidas trouxesse felicidade, não tinha tanta gente tomando remédio para ansiedade. Se fazer networking em todas as oportunidades fosse realmente o único caminho certo, não tinha tanta gente com burnout.

Desconfie, sempre desconfie de quem quer te moldar a seu estilo de vida. A pessoas que é tão burra, autocentrada e egóica a ponto de pensar que o seu estilo de vida é o correto e sugerir que todos o sigam, não tem nada para te ensinar ou te oferecer. Ela pode até ser bem-sucedida em alguma área da vida (trabalho, dinheiro, flertes), mas está rastejando no quesito saúde mental e evolução espiritual. E de nada vale o resto se você não tiver saúde mental.

Gente feliz não importuna os outros. Uma pessoa feliz com suas escolhas não vai ficar buzinando no seu ouvido que você tem que ter o mesmo estilo de vida que ela para ser feliz. O fato de a pessoa estar se intrometendo na sua vida sem que você tenha pedido opinião só mostra o quanto ela está mal resolvida com essa questão.

Ela precisa “confirmar” que seu estilo de vida é o único, o correto, o que significa “aproveitar a vida”, provavelmente para mascarar que ela não consegue agir de outra forma. Mais ou menos o mesmo esquema das muitas mulheres que ficam pregando que uma “mulher que não tem filhos não sabe o que é felicidade”

Tem gente que não consegue ficar sozinha consigo mesma. Não consegue silenciar a mente e olhar para dentro. Não consegue momentos de recolhimento e reflexão, provavelmente por algum medo inconsciente do que vai encontrar. Estas pessoas camuflam sua dificuldade pessoal de “estilo de vida correto se você quer aproveitar a vida” e imputam aos outros um problema (depressão, por exemplo) por não seguirem essa cartilha frenética de socialização, quando, na verdade, o problema está com elas.

E, veja bem, eu não acho que as pessoas façam isso por mal ou conscientes do que estão fazendo. Acredito que o fazem na melhor das intenções. Mas, ainda assim, é tóxico. Em qualquer dinâmica da vida, quando tem uma pessoa tentando impor um estilo de vida à outra como único correto, é muito mais provável que a saúde mental de quem impõe esteja com problemas. Gente feliz não tenta impor nada ao outro.

JOMO, quando fruto de escolha, é um sinal de amadurecimento. A pessoa passa por cima do que os outros vão pensar, das obrigações sociais e do que a maioria convencionou fazer para optar por aquilo que realmente a faz feliz. Isso não é ser anormal, anormal é fazer qualquer coisa diferente disso.

Ter que fazer skincare? Só se a pessoa quiser. Ter que usar roupa da marca tal? Só se a pessoa quiser. Ter que ir a festa da empresa? Só se a pessoa quiser. Ter que sair toda quinta-feira à noite? Só se a pessoa quiser. Ter um perfil no Instagram? Ter que celebrar aniversário ou qualquer outra data? Ter filhos? Ter que casar? Ter que fazer festa de casamento? Só se a pessoa quiser. Se a pessoa não quiser, não faça e desfrute da alegria de não fazer.

Tive essa sensação durante todo o carnaval. Apesar de não viver mais no Brasil, ao ver fotos e vídeos dos foliões senti uma imensa satisfação de não participar disso. Não apenas por não ir a nenhum evento, mas também por não estar sequer perto disso, não ter ouvido um mísero batuque, não ter entrado em contato com absolutamente nada que me remeta a carnaval. Profunda Joy of Missing Out. Ao contrário da maioria que valoriza estar presente, eu valorizo estar ausente deste evento.

Onde está escrito que ficar na sua casa, com um filminho, com um livrinho, com uma boa xícara de café é uma opção menos válida? Ou só é válida em caráter excepcional? E se eu quiser que esse seja o lazer principal da minha vida, qual é o problema? Em que mundo um lazer é “válido” enquanto o outro é “perda de tempo” ou sinal de que “você não sabe aproveitar a vida”?

O mais curioso é que eu poderia listar uma série de motivos reais e cientificamente comprovados para provar que muitos dos hábitos e eventos tidos como “aproveitar a vida” são perigosos, inclusive para a saúde da pessoa. Se fosse para entrar em um debate do que é “desejável”, “saudável” ou “melhor”, certamente sairiam bons argumentos.

Mas não tenho a intenção de fazê-lo, pois sei que cada um tem o direito de escolher o que mais lhe agrada, pesando a relação custo-benefício que isso implica. O evento é tão importante para a pessoa que vale o risco de uma mão na bunda, um assalto ou um estupro? Beleza, vai lá. Porém, não critique as escolhas alheias, principalmente quando as suas apresentam um potencial nocivo tão grande.

Você já viu alguém que gosta de ficar em casa “assediar” uma pessoa que gosta de sair? Dizer “Você TEM QUE ficar em casa, ficar em casa é muito mais legal, quem não fica em casa não está aproveitando a vida!”. Provavelmente não. Gente feliz não enche o saco. Mas certamente você já viu o contrário, uma pessoa que quer sair tentando convencer alguém de que tem que sair também.

Então, viva sua vida, seu lazer, sua rotina da forma que mais te agradar e se permita sentir JOMO, essa profunda alegria por não estar presente, por não participar de algo.

Viu foto das amigas fazendo aquela fila de suas horas para entrar em uma boate e ainda pagar caro? Sorri abraçada com uma xícara de chá no conforto da sua cama e comemora não estar em pé em um salto alto em um lugar no qual o homem mais legal venderia seu rim por dinheiro. Viu foto dos amigos no calor, suados em bloco de carnaval? Sorri e pensa na alegria de estar o conforto da sua cama e acordar bem, sem dor de cabeça, sem enjoo no dia seguinte. Recebeu convite para fazer uma trilha? Sorri e come um chocolate enquanto assiste a um seriado, agradecendo a todos os santos por não estar suada e cercada de insetos. Cada um aproveita a vida como quer.

Se te deixa feliz “perder” ou deixar de vivenciar algo, sinta essa felicidade e celebre o fato de ter o autoconhecimento de dizer “não” para aquele convite, ainda que isso seja o que todo mundo está fazendo. Como já dizia sua mãe, você não é todo mundo. Ainda bem, né? Em um país onde a maioria precisa de remedinho para dormir, para trabalhar, para viver, é a maior alegria não ser todo mundo.

JOMO é um sentimento válido e eu sou totalmente a favor de celebrá-lo. E celebração não é ir para redes sociais postar “MUITO FELIZ DE NÃO ESTAR EM TAL LUGAR”, isso é ostentação, e ostentação sempre é cafona. Celebração é algo interno, é um sentimento, não uma bandeira. É a convicção de ter escolhido o que te faz feliz ainda que isso vá de encontro a o que é considerado “uma boa escolha”e a felicidade de saber que, dali em diante, você não vai mais se expor a o que não gosta. Fora as obrigações da vida para pagar as contas, ninguém “tem que” nada. Faça o que tiver vontade.

Diariamente celebro não ter Instagram, não frequentar eventos que envolvam aglomerações, o prazer de ficar na minha casa, a alegria em não andar em bandos e a prioridade com a qual trato minha saúde física e mental em detrimento de fazer social.

Faça o mesmo. Celebre o que você não está fazendo por escolha e o bem que isso te faz!

Para dizer que eu não sei aproveitar a vida, para dizer que se você não sair nunca vai conhecer ninguém (mentira, vai sim) ou ainda para dizer pau no cu da sociedade: comente.

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Comments (20)

  • Com o passar dos anos, venho cada vez mais sentindo essa sensação, que não sabia até agora que tinha um nome. Brinco que a cada ano que passa eu fico mais chata, mas amo muito não precisar me expôr a situações desconfortáveis por puro FOMO.

  • Passou anos esculhambando nerds que abdicaram voluntariamente da “socialização” e agora faz textão para celebrar o isolamento. Claro que nunca vai admitir que errou.

  • Nem Whatsapp eu tenho (Telegram e Signal pra mensagem), quiçá vontade de “socializar” em excesso.

    Quero beber, ouvir música, falar merda? Prefiro minha casa.

  • JOMO é O remédio contra toda essa obesidade mental causada pelo acúmulo desses estímulos incessantes que vão nos consumindo.

  • Eu sinto uma JOMO cada vez maior ultimamente, mas até gosto de ir a festas formais. Acabo me divirtindo bastante na hora de planejar roupas, cabelo e maquiagem e, por incrível que pareça, consegui conhecer pessoas interessantes em eventos assim. Talvez eu goste porque não acontecem com frequência e é socialmente aceitável ir embora cedo e sem estar bêbada.
    Uma outra fonte de JOMO pra mim é passar o dia sem entrar nas minhas redes sociais. Sem nem pegar no celular, na verdade. É muito bom pegar um livro fisico e esquecer que o mundo online existe por algumas horas…

  • “Cada um aproveita a vida como quer.” – Quando tu precisa escrever um mega texto só pra mostrar o mínimo do básico, algo que supostamente seria óbvio, dá pra ver que tem algo muito errado com a sociedade…

  • Sally, eu sou adepto do JOMO desde a adolescência e nunca me arrependi. Muito pelo contrário, isso só me fez bem. Gosto demais do silêncio, de ficar no meu cantinho e em paz. E, quando algum desses seres a que chamo de “baladeiros compulsivos” vem me aborrecer soltando aquele manjadíssimo: “Você não sabe o que é bom…”, eu respondo mentalmente: “VOCÊ é que não sabe o que é bom!”. Só não digo em voz alta para evitar dores de cabeça desnecessárias e porque, provavelmente, isso é algo que os baladeiros compulsivos jamais iriam entender…

    • Eu nem acho que precise responder (só se você quiser), o que não pode é se sentir mal e achar que existe uma única forma correta de aproveitar a vida.

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