Zumbis.

Zumbis como são descritos na ficção são impossíveis. As características clássicas do morto-vivo esfomeado por cérebros só poderiam funcionar por mágica. Não existe sequência lógica de ação de vírus ou qualquer outro vetor biológico, químico ou até mesmo robótico que consiga dar conta de fazer o conceito funcionar na vida real. Mas podemos pensar em como isso poderia funcionar de verdade…

Primeiro, temos que abandonar a ideia de morto-vivo. Ou você está morto ou você está… vivo. O corpo não é um boneco encaixado num cérebro, o corpo humano está vivo em sua totalidade. O cérebro é a central de comando (e nem é a única) e depende do resto estar funcionando para ter qualquer efeito prático.

Cortar a circulação de qualquer área do nosso organismo por tempo suficiente significa a morte de todas as células e por consequência a incapacidade de mandar qualquer sinal ou mesmo criar os movimentos indicados pelos sinais. Se o zumbi da vez tiver suas células de um membro mortas, nenhum trabalho pode ser realizado ali.

As fibras musculares precisam gastar energia para gerar movimento. E para gastar essa energia, vários processos internos dentro de cada célula precisam estar funcionando. Mesmo que você queria considerar que por algum motivo órgãos como o cérebro, o coração e o sistema nervoso continuem ligados no zumbi, em pouco tempo depois da morte das células, não tem mais nenhum movimento possível.

E se você acreditar que nada além de um tiro na cabeça pode matar um zumbi, está esquecendo que sem sangue e oxigênio passando pelo corpo todo, nada vai funcionar. Um zumbi com o coração parado é tão funcional quanto uma pessoa normal com o coração parado. Seja lá o que faça o processo de reanimar o zumbi, ou refaz tudo do jeito que era ou simplesmente não vai funcionar.

Imagine um vírus ou uma bactéria que consiga substituir todo o organismo com cópias do que estava morto: volta a ser algo vivo. E algo vivo tem todos os problemas de estar vivo de novo. O zumbi restituído por microrganismos, mesmo que sejam nanotecnologia, ainda tem pontos fracos que vão muito além do cérebro.

E o principal deles é a necessidade de energia. Alguns universos ficcionais com zumbis até lidam com o fato de que depois de algum tempo os zumbis ficam fracos ou incapacitados, mas lembrando que o zumbi precisa estar vivo de alguma forma para agir feito um ser vivo, em uma semana 99% dos zumbis já estaria completamente inerte por falta de energia.

Cérebros podem ser nutritivos, mas a oferta é limitada; e mesmo nas versões onde os zumbis são canibais completos, devorando todas suas vítimas, ainda tem todo aquele problema de mastigar, engolir, processar… carne crua é bem complicada de digerir, leões ficam muito tempo parados digerindo sua refeição, e isso vale para a maioria dos predadores. Ah, e cada pessoa consumida é um zumbi potencial a menos, afinal, já sabemos que a morte é tão final para eles quanto para qualquer outro ser.

A parte que eu até entendo é a da força e da resistência dos zumbis: num estado primal com litros de adrenalina correndo pelas veias a maioria de nós é um bicho bem perigoso. É razoável imaginar que um zumbi teria seus centros de dor desligados para ser mais eficiente, e em tese o cérebro faz escândalo quando você começa a se machucar ou gastar energia demais, mas nada impede de verdade que você se esforce até morrer. Se a sua central nervosa não está tentando te incomodar ao ponto de você parar o que está fazendo, você está no limite absoluto das capacidades do corpo humano.

Dito isso, o zumbi que está sempre caçando não funciona mais. Na natureza, animais tentam equilibrar o tanto de energia gasta com o tanto de energia consumida. Quase todo predador usa sinais do corpo para saber quando passou do seu limite e quando é para parar. O zumbi não teria isso. Ele se esgotaria rapidamente com caçadas inúteis (até galinha dá trabalho de pegar, a natureza não é feita de seres que se entregam fácil) e gastaria muita energia sem nenhum alerta corporal decente para se recuperar ou tentar outros métodos.

E aí, outro porém: se você está num bando de zumbis que precisam estar vivos de alguma forma, o que faz mais sentido? Caçar pessoas normais que correm de você ou virar canibal? Uma praga zumbi acabaria mais rápido porque seria extremamente mais eficiente atacar e consumir outros zumbis. Talvez o que causou o contágio tenha alguma proteção contra canibalismo, o que nos faria voltar ao caso da comida acabar muito rápido e todos ficarem letárgicos até morrerem; ou não tem e eles se consumiriam ainda mais rápido por serem alvos mais próximos do que pessoas não infectadas.

E só para reforçar o ponto: caso o zumbi não tenha nenhum processo biológico para renovar células, ele vai começar a apodrecer e morrer por falência múltipla dos órgãos em pouco tempo. A gente praticamente se refaz a cada dez anos, mas isso é considerando as partes mais lentas do corpo a se duplicarem: sua pele morreria e cairia do corpo sem um processo insano de reposição como o que acontece na prática. Boa parte da poeira desse mundo é pele humana que morreu e caiu.

Sem mágica, zumbis podem até causar um grande estrago, mas nunca vão ser capazes de durar e se multiplicar o suficiente para “acabar com o mundo”. Mesmo que a praga comece no meio de uma cidade indiana, mesmo que a população de zumbis chegue a vinte milhões em um dia… nada que algumas bombas atômicas não resolvessem na hora e nada que um bom ataque militar não finalize em poucas semanas.

Doenças como o coronavírus só alcançam tanta gente porque dá tempo das coisas acontecerem para ela: tem tempo de se espalhar muito antes de chamar atenção (quando se declarou pandemia a coisa já estava absurdamente espalhada) e algo muito importante, tem tempo de usar a evolução para se modificar e enfrentar os problemas que encontrar no caminho. Uma doença “estática” como a suposta praga zumbi teria uma cura pronta em poucos meses, talvez semanas se o mundo todo estivesse assustado.

Vírus como conhecemos são assassinos lentos e discretos perto do que seria uma infestação de zumbis. Se algo do tipo acontecesse, com zumbis biologicamente possíveis, seria um chamariz tão grande que realmente fechariam todo tipo de fronteira. E quando a pessoa infectada é alguém que vai tentar te mastigar como um pedaço de carne crua, eu aposto que até o brasileiro desistiria de ir para o barzinho durante a pandemia.

A versão mais realista de zumbis que eu já vi – no sentido de serem realmente perigosos para a continuação da vida humana – foi em Crossed, nos quadrinhos. Naquela versão, o ser humano infectado não vira morto-vivo, mas vira um psicopata com zero controle sobre seus instintos. A pessoa não fica tão fora de si ao ponto de esquecer como se usa uma ferramenta ou se lê uma placa, mas fica com a cabeça 24 horas por dia focada em saciar desejos primais de violência e sexo.

É como se a humanidade virasse uma gangue extremamente selvagem e depravada, e a participação nela não fosse voluntária: quem é infectado fica assim, e qualquer fluido corporal passa a doença. Não recomendo ler se você não lida bem com sofrimento e mundo cão ficcional, mas eu achei bem interessante como eles lidam com essa ideia de zumbis sem fazê-los serem mortos-vivos por mágica.

Tanto que na prática eu até acho que a humanidade pode ser contaminada por alguma forma de doença que mexa no comportamento e torne a sociedade menos tolerável, mas não de uma forma que nos faça perder totalmente a batalha.

Uma doença realista parecida com as definidas nas obras de apocalipse zumbi teria que ser:

1 – Não letal. Já expliquei, não tem o que fazer se o corpo não está vivo. Ele pode até prescindir de algumas funções, mas de alguma forma tem que chegar nutrientes em cada uma das células das quais se espera alguma função.

2 – Extremamente contagiosa. De preferência também por vias aéreas e com um longo período de incubação antes de tomar conta da mente da pessoa. Zumbi que dá bandeira minutos depois de ser contaminado é zumbi que acaba exterminado.

3 – Capaz de eliminar a empatia humana. Qualquer outra alteração no comportamento seria facilmente percebida e combatida. Ainda não se sabe se tem algum processo que faça uma pessoa virar psicopata ou se é uma característica inata, mas só assim essa doença conseguiria passar por baixo do radar até ser tarde demais.

Como estou falando aqui desde o começo, zumbis são basicamente impossíveis por questões fisiológicas e inviáveis até mesmo no curto prazo porque não precisa tomar decisões muito inteligentes para bloquear e eliminar uma infestação. O verdadeiro perigo é algo que seja extremamente sutil, contagioso, não letal e que vá desligando aos poucos a capacidade do ser humano de se enxergar no lugar do outro; afinal, só quando as pessoas começarem a se atacar de tudo quanto é jeito depois da massa crítica de psicopatas e sociopatas se instalar é que pode não ter volta.

Opa… peraí…

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