Soma zero.

Pouco tempo atrás, a Bitcoin bateu o valor mais alto da história, e eu sabia que junto com isso vinha mais uma temporada de maluquice em criptomoedas. Tirei a poeira da minha carteira virtual e fui ver como estava o fascinante submundo das criptos menos… conhecidas. E não pude deixar de notar como burrice é um problema mundial.

Mas antes, só para avisar os incautos: apesar de falar sobre criptomoedas aqui, eu não estou dando nenhum conselho de investimento. Eu trato que eu faço como um jogo, não tenho plano nenhum de juntar dinheiro ou gerenciar minhas economias com criptomoedas. O divertido é o jogo, lucro é um bônus.

E qual jogo é esse? Bom, além das criptomoedas mais famosas como o Bitcoin, Ethereum e similares, existem criptoativos chamados tokens, que são subdivisões de criptomoedas grandes. Você pode, por exemplo, usar a rede da Ethereum para criar moedas derivadas (a garantia de valor dessas moedas derivadas é poder trocar elas por uma criptomoeda conhecida, no caso a própria Ethereuum, que as pessoas querem comprar de verdade) e aproveitar toda a estrutura dela para desenvolver projetos dentro dela.

Compra e vender Bitcoins é quase igual comprar e vender ações de empresas grandes e estabelecidas, já os tokens são um mundo à parte: é mais ou menos como uma startup que abre as portas e já tem ações na Bolsa de Valores. São neles que estão as oportunidades de lucros astronômicos atualmente. E é claro, são neles que todo tipo de golpe e esquema sujo acontece também.

O jogo está aí: conseguir ler os sinais dessas “startups” mais rápido que outros investidores para comprar ou vender os tokens na hora certa, e navegar pelo tempestuoso mar de golpes que estão tentando te aplicar. Eu jamais dependeria disso para ganhar a vida, porque seria um estresse horrível e me mataria do coração em questão de semanas; mas como um jogo onde eu posso me divertir acertando previsões e desviando de golpes cada vez mais avançados com a chance de ganhar um dinheiro extra? Sim, isso é muito bacana.

Repetindo: é até razoável ter uma estratégia de investimento que inclua criptomoedas bem estabelecidas, mas o mundo dos tokens é insanidade pura. Eu paguei para “comprar o jogo” alguns anos atrás e uso como diversão de tempos em tempos. O que eu uso agora para jogar é 100% lucro feito dentro do mundo cripto, sem afetar em nada minha conta bancária, até por isso eu consigo me divertir até mesmo quando tomo um golpe criativo de algum indiano, turco, indonésio ou brasileiro e afins.

Porque tem isso: é um jogo globalizado cuja língua franca é o inglês. Quase tudo acontece no Telegram, que é onde as comunidades são criadas e as pessoas discutem e vendem seus tokens uns para os outros. O WhatsApp não tem um milésimo das funções do Telegram para esse tipo de mercado, por isso o domínio total sobre o jogo dos tokens.

Como funciona uma rodada desse jogo: alguém cria um token, às vezes como se fosse uma startup tecnológica, mas na maioria das vezes como uma meme idiota (tipo o Doge) sem função prática nenhuma. As pessoas começam a comprar esses tokens apostando que eles vão se valorizar, e tem que decidir a hora certa de vender para pegar um preço bom. Todo dia são lançados dezenas, talvez até centenas deles.

E pela minha experiência, algo em torno de 50% são golpes descarados. Tem mil maneiras diferentes de te sacanear e vender antes de você, alguns até roubam o que você comprou ou te impedem de vender. Outros 49,9% são projetos meio perdidos, que você não sabe se são golpes ou se são só preguiça ou incompetência de quem criou. Apenas uma minoria desses projetos tem alguma chance de sucesso depois de uma semana ou duas.

Ganha o jogo quem investe num desses tokens que dá certo e valoriza bastante, mas ganha o jogo também quem consegue dar a volta nos golpes e na incompetência alheia, comprando e vendendo nos poucos dias (na maioria das vezes poucos minutos) onde tem um lucro a ser tirado dali.

Era de se esperar que um mercado caótico desses que exige muito conhecimento técnico para reconhecer golpes dados pelos programadores e um mínimo de noção de como funcionam os negócios para estimar chances de sucesso filtraria um público extremamente nerd como eu, certo? Mas não é bem assim que a banda toca: é um jogo de soma zero, ou seja, para alguém ganhar, alguém tem que perder.

Na média, para cada pessoa que sabe jogar o jogo lucrar, precisa de pelo menos uma que não saiba e acabe no prejuízo. Se todo mundo que estivesse nesse mundo dos tokens soubesse o risco de 90% de perder tudo e estudasse a fundo os fundamentos de investimento e a tecnologia envolvida, seria quase impossível tirar dinheiro dali. O que me impressiona é a quantidade de otários e/ou preguiçosos que entram com dinheiro para perder lá todos os dias. Multiplique por mil quando a Bitcoin começa a valorizar, porque a ganância ativa com força.

Eu não sei se é o efeito psicológico da pessoa muito limitada ter confiança demais nas suas habilidades, mas é assustador como não percebem a jaula na qual entraram com tigres famintos por todos os lados. O mundo dos tokens é lotado de terceiro mundistas (de país ou de alma) como indianos, chineses, russos, turcos, indonésios e brasileiros; boa parte sem nenhuma reserva moral para tirar dinheiro de quem vacilar na sua frente.

E sem nenhum refinamento também: quando lançam suas “empresas” para pedir investimentos, fazem imagens toscas com inteligência artificial, sites sem pé nem cabeça e promessas tecnológicas bizarras que claramente foram escritas com o ChatGPT. Eu achava que todo mundo percebia como aquilo não tinha profundidade nenhuma e eram só promessas de dinheiro fácil para enganar otário, mas… as pessoas acreditam.

Todo dia eu vejo um ou mais grupos de Telegram virarem campos de guerra porque um bando de pessoas não prestou atenção na completa falta de lógica do token em questão e perderam uma dinheirama nele quando inevitavelmente perdeu todo o valor. Gente que investiu o que não podia, que acreditou que estava fazendo um investimento seguro, que não prestou atenção nos mil sinais vermelhos que a incompetência dos criadores do token fatalmente mostram…

Pra mim é um jogo, eu acho divertido vender antes do indiano em questão puxar o gatilho do golpe que ia dar, estudar qual é o truque no código da criptomoeda onde eles vão tirar o dinheiro investido pelos outros… inclusive influenciar nos grupos com mensagens de apoio quando quero vender (aumenta o preço) e mensagens de terror quando quero comprar (diminui o preço).

E sim, existem projetos reais e honestos que estão lá para crescer a tecnologia e oferecer produtos e serviços úteis, mas são raros e disputados a tapa por investidores. Quando a coisa é de verdade, os mais ligados percebem e colocam dinheiro pesado, até para evitar que gente com pouco dinheiro ganhe muito poder de venda no futuro.

Eu achei que estava jogando com uma maioria de jogadores conscientes como eu e que apenas uns coitados perdiam dinheiro por arrogância ou inocência. Eu rio quando perco dinheiro com um golpe bem bolado, porque eu não tenho mais exposição financeira ao jogo: eu vou renovando meu estoque de dinheiro de mentirinha com boas jogadas, perdendo com golpes e erros de cálculo, e se um dia ficar de saco cheio, é só trocar por dinheiro real e comprar uns sorvetes.

Mas não, é soma zero com uma maioria de incapazes mentais. É um grupo pequeno de golpistas muito espertos sempre dando os mesmos golpes em um público de otários que se renova todos os dias. Minha regra ética é tentar ser mais rápido que o golpista, esse é o jogo divertido. Quanto mais sujo e descarado o golpe, mais eu acho interessante vencer a batalha. Até por isso eu ganho e perco em proporções meio iguais, é sempre jogar na dificuldade máxima.

Mas eu sou eu, eu faço por esporte. O problema é o povo que entra nisso achando que vai ficar rico, apostando o dinheiro que mal tem. E essa é a parcela da população que conseguiu aprender como chegar no mundo dos tokens. Se ninguém te contar como faz para chegar lá e começar a jogar, é quase impossível achar.

Imagina o que aconteceria se isso fosse muito bem divulgado e ficasse fácil de mexer? Eu tenho medo do que o ser humano médio faria se jogado nesse mundo, se apostar em tokens fosse tão fácil quanto apostar em futebol. Eu enxergo um futuro onde startups vão começar a funcionar dessa forma com “ações imediatas” muito baratas com uma taxa de risco enorme. Existe um caminho para as criptomoedas se misturarem à economia normal, e me parece que esse é o ponto central: a popularização do mercado de ações transformado em tokens de moedas digitais.

Não é à toa que grandes fundos de investimento estão colocando bilhões em Bitcoin e outras grandes moedas que permitem a criação de tokens. Não é só reserva de valor, é uma oportunidade espetacular de se posicionar num mercado de soma zero que vai ficar infestado de gente perdida e francamente, bem limitada, enfiando dinheiro em promessas de riqueza imediata e perdendo tudo para golpistas.

Me parece que a tendência de concentração de renda só vai aumentar com essas novas possibilidades tecnológicas: a ilusão de simplicidade de comprar barato e vender caro vai enganar cada vez mais gente, e assim como no mundo dos tokens atual, um grupo pequeno de espertos vai engolir todo esse dinheiro.

Eu estou brincando de toureador com golpistas lá, mas tem gente ganhando e perdendo a vida de verdade. E isso é um sinal preocupante sobre o que vem por aí em matéria de economia e investimento no futuro. Os truques que usam para arrancar dinheiro da gente no mundo real são fichinha perto do que pode vir com uma economia mais focada em criptomoedas e tokens.

E o ser humano médio não tem cultura, foco ou mesmo saúde mental para lidar com essa montanha russa de adrenalina e dopamina. Mas de novo: se quiser brincar como eu estou brincando, é bem divertido dar olé em golpista e lucrar na cabeça dele. Até começar a próxima expansão do meu jogo preferido, eu vou ficar nesse.

Para dizer que já vendeu o carro e vai apostar tudo (o que pode dar errado?), para dizer que quem anda com bandido é bandido, ou mesmo para dizer que é seleção natural tirar dinheiro de otário arrogante: comente.

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