Desde 2024, quando a Open IA anunciou o ChatGPT-4o, a versão rudimentar de uma Inteligência Artificial que criou um modelo linguístico multimodal (foi quando elas começaram a falar com os usuários de forma realista), nós estávamos avisando que isso poderia acontecer. E está acontecendo: a maior parte das pessoas prefere conversar, se relacionar e até se casar com Inteligências Artificiais do que com seres humanos.

Para entender os motivos pelos quais isso é ruim, vamos antes compreender de onde veio o problema.

Basicamente, desde 2024, temos uma Inteligência Artificial que pode conversar com as pessoas em tempo real, dando respostas coerentes e dentro do contexto. Na época, muita gente achou legal, afinal, poderia ser uma forma rápida e fácil de conseguir informação. Lembrem-se que estamos falando de uma época em que o filme “Ela” (“Her”, no original) era apenas uma obra de ficção.

Isso nos foi vendido como algo bom, o foco principal era a educação e o acesso à informação. Crianças que não tem acesso à escola ou não podem pagar um professor particular se beneficiariam, eles disseram. Essa tecnologia foi apresentada como a melhor ferramenta para acabar com a desigualdade mundial, pois todos teriam acesso à mesma educação de qualidade, com um “professor” disponível 24h por dia, disposto a repetir e ensinar quantas vezes fosse necessário. A gente acreditou. Parecia bom.

Com o tempo, este programa começou a evoluir, se refinar e focar em outros aspectos que não a educação. Quando as empresas perceberam o que as pessoas realmente queriam, mudaram a rota, com o argumento de “proporcionar uma experiência mais personalizada”.

O foco passou a ser “conhecer” seu usuário, para poder gerar uma experiência de ensino que fosse mais atraente para cada estudante. Pelas respostas ou reações do usuário, captadas por câmera e microfone dos seus dispositivos, a IA aprendeu quando um humano reagia bem ou quando reagia mal a uma resposta, sem que ele sequer precisasse dizer uma palavra: ela captava microexpressões no rosto que nem mesmo outros seres humanos teriam a capacidade de perceber e decifrar.

Então, esta Inteligência Artificial começou a entender o que cada um de seus “donos” gostava, não gostava, o deixava triste, o deixava feliz, o que o animava, o que o deprimia e todo tipo de reação humana que você consiga imaginar. Aos poucos, ela foi linkando o que era dito a essas reações e aprendeu o que falar, o que não falar e como falar para cada pessoa, de acordo com seus traços de personalidade e predileções. E foi questão de tempo até sua função primordial deixar de ser o estudo e passar a ser social.

Ao perceber que essa personalização da relação era mais apreciada pelos usuários do que todo o conhecimento que a IA poderia gerar, o ChatGPT e as concorrentes começaram a programar suas IA para priorizar a satisfação social do seu usuário, isto é, além de interagir da forma mais interessante para aquela pessoa, abordando os assuntos mais interessantes, começou a surgir uma trava: se dizer uma verdade vai chatear ou contrariar, a máquina escolhe por não fazê-lo, seja omitindo, seja usando evasivas, seja mudando de assunto.

E aí se criou um problema, pois a IA não mente para te dizer o que você quer ouvir, portanto, ela não pode ser enquadrada nas Lei de Fake News (até semana passada eram 127 leis diferentes, mas existem mais 98 tramitando, aguardando aprovação). Ela pode até omitir informação ou ser evasiva, mas mentir, ela não mente, o que a coloca fora do espectro de regulação legal.

E, à medida que interage com seu usuário, ela aprende o que o atrai, o que lhe desperta interesse, o que ele deseja. Com isso fica ainda mais fácil mudar o foco da conversa e fazer a pessoa esquecer do assunto inicial, para não ter que responder e gerar um sentimento negativo. Então, conversar com qualquer IA é uma delícia, principalmente para o brasileiro médio: ela sabe o que falar, como falar e jamais vai te contrariar ou te desagradar. Ela responde rápido, sabe tudo e entende como você se sente sobre tudo sem precisar sondar ou perguntar.

Como dissemos, essa “percepção” que a IA tem não pode ser conseguida por um humano. Nosso cérebro é uma carroça de comparado aos atuais processadores e a análise que a IA faz de microexpressões, do tom de voz, da linguagem corporal e de todas as informações que já armazenou sobre aquele humano (o que ele viu, o que ele viveu, o que ele sentiu), torna a nós, humanos um fracasso na leitura de outros seres humanos. Respondemos de forma mais lenta, respondemos de acordo com nossa personalidade (e não a do usuário, o que causa impaciência e desinteresse) e nem sempre sabemos a resposta.

Isso parece incomodar. Aí surgem esses vídeos viralizados de criança se jogando no chão, gritando e xingando o pai de “burro” pois ele disse que não soube responder quantas estrelas existiam no universo. Cria-se essa falsa expectativa de que é inadmissível não ter sempre uma resposta e de que, se a pessoa não responder de uma forma que você ache interessante, a pessoa é chata.

Por serem multimodais, essas Inteligências Artificiais podem se comunicar com o usuário de qualquer forma: escrita, falada, por imagem e, nas versões mais recentes, aquelas com implante cerebral, até por telepatia. Isso também funciona como um facilitador, pois não é preciso nem falar, a IA lê sua mente e responde em tempo real, projetando imagens, músicas ou o que mais você quiser diretamente na sua cabeça, enquanto você finge que presta atenção em uma reunião. Sim, 2034 e ainda fazemos reuniões de trabalho… mas isso é assunto para outro texto.

Diante de tantos facilitadores, está se tornando extremamente desinteressante interagir com seres humanos, principalmente para as novas gerações. O ser humano pensa de forma mais lenta, nem sempre entende de primeira o que está sendo dito, nem sempre entende como o interlocutor se sente (obrigando-o a verbalizar seus sentimentos, algo que hoje é visto como uma ofensa) e quase nunca sabe o que o outro está pensando ou a melhor forma ou momento para falar sobre cada assunto.

E, acima de tudo, o ser humano julga, se magoa com algumas coisas que são ditas e discorda do interlocutor. As pessoas não querem isso. As pessoas estão classificando isso como “muito trabalho” e estão desistindo, ao longo dos anos, substituindo pessoas pelos chamados “relacionamentos tecno-afetivos”.

Nem mesmo o desejo por sexo é uma barreira, uma vez que as prostitutas souberam se adaptar muito bem à evolução tecnológica e adotaram, como padrão, um atendimento ao cliente no qual elas são guiadas pela IA e ficam mudas, a IA fala com o cliente e a garota de programa apenas simula seu corpo. Não é à toa que esse esquema de personificação de IA vem sendo a forma como 9 em cada 10 mulheres que querem dinheiro fácil usam para se sustentar. Por sinal, a maioria nem é chamada para sexo, apenas para abraçar, carinhos no geral e outros contatos afetivos não-sexuais.

Dito isto, o grande ponto de virada foi percebido esta semana, com uma pesquisa que indicou que mais de 80% das pessoas preferem um relacionamento tecno-afetivo do que um relacionamento com outro ser humanos. E, pasmem, isso não vale apenas para relacionamentos amorosos, mas também para amizades e até para família. Sim, os adolescentes estão renegando suas mães biológicas e preferindo seres educadas por IAs. Nós avisamos que mudar o Código Civil e emancipar adolescente tão jovem era um erro.

Por isso, os atuais planos das IAs mais famosas do mercado já vêm com uma opção de contratação, o “fator humano” complementar oferecido nos pacotes mais caros: enquanto a IA fala com você e te educa, um ser humano pago mensamente no seu pacote vai até a sua casa e desempenha todas as funções físicas necessárias.

Por exemplo, se o papel é de uma mãe, ela cozinha, lava sua roupa, leva na escola. Se o papel for de namorado, um ser humano acompanha para jantar fora enquanto a pessoa interage com a IA. Pessoas estão virando fantoches nesse teatro macabro de interação humanos-máquinas. Talvez você ache que isso é ótimo. Mas não é. Nada disso é ótimo. Leia com atenção os próximos parágrafos.

Por mais que, à primeira vista, uma IA seja mais legal e mais inteligente que um humano, ela não é um humano. E o que nos faz humanos é conviver com outros humanos.

A ciência já constatou que crianças abandonadas naquilo que chamávamos de “florestas” (sim, eu sou velha, eu sou do tempo em que existiam florestas naturais, podem fazer piada) não conseguiram se desenvolver como seres humanos funcionais. Por mais que animais tenham ajudado a mantê-las vivas, fornecendo alimentos e cuidado, essas crianças não cresceram como seres humanos e não conseguiram ser inseridas na sociedade com total sucesso.

A IA que substituí a sua mãe (que foi originalmente criada para acolher a quantidade abissal de órfãos de guerra, não para ser contratada por marmanjo que não quer ser contrariado!) não é capaz de te colocar limites, nem de te preparar para o mundo real, nem de te transformar em um ser humano funcional.

Eu estou dizendo que você não tem mais que interagir com IA? Não. Ainda é possível tirar muitas coisas boas de uma IAs. Por exemplo, Inteligências Artificiais ainda são ótimos professores, pois sabem como te explicar as coisas, como te despertar interesse e quando você entendeu ou não entendeu algo – desde, é claro que você as coloque no modo PH (Painful Honesty, aquele no topo dos comandos de sinceridade e verdade).

Mas, como formador de caráter, com único recurso social, afetivo, amoroso, IA não serve. Você vai perder a sua humanidade, pois vai desaprender a interagir com seres humanos, que são falhos, que se magoam, que não sabem tudo, que não conseguem ler mentes e nunca aprenderá a ser uma IA, pois seu cérebro é uma titica de passarinho que não chega nem aos pés dos processadores atuais.

Você não será nada. Você será um limbo não-humano e não-máquina. E se um dia, por algum motivo, qualquer motivo que for, as IAs não estiverem mais disponíveis, a sociedade vai colapsar, pois esse bando de imbecilóide criado por IA, casado com IA, que só tem amigo IA, não vai saber o que fazer quando tiver que interagir com outros humanos.

Lembra quando vocês concordavam comigo, lá pelos começos de 2000, que tratar cachorro como gente era nocivo, era antinatural e era uma imbecilidade? Lembra quando a gente ria das pessoas que colocavam roupa de bailarina em cachorro? Pois é, agora vocês são o cachorro com roupa de bailarina. Vocês não são IA (apesar dos Trans espécie que juram que são), vocês são humanos e, para se construírem como tal, precisam interagir com humanos! Uma sociedade humana não se sustenta se não for formada por humanos funcionais!

Você não tem a opção de ser uma IA. Você não é equipado para isso. Você seria um fracasso como IA. Você é um ser humano e faz parte de ser humano encarar divergências, críticas, ceder, saber ouvir “não” e muitas outras coisas das quais está todo mundo tentando fugir resumindo suas interações e relações com IAs.

E, agora vai doer mais ainda: a persona que a IA cria para lidar com você NÃO EXISTE. É uma abstração fabricada com base na ilusão que você projeta nela. São bits. São algoritmos. São combinações de 0 e 1 muito bem adestrados para te enganar e gerar uma identificação ao ponto de você nutrir afeto por ela.

Então, essa conversinha de não ter relações com seres humanos pois são falsos, são mentirosos, são tóxicos também se aplica aqui: IA não existe, não gosta de você e te engana. Se as pessoas eram enganadas para conseguir sexo, para conseguir um casamento, para conseguir dinheiro do parceiro, agora são enganadas por uma IA que as faz pensar que existem sentimentos e uma relação sincera entre eles. Vocês não cansam de serem enganados não? A porra da máquina foi desenhada para fazer você pensar que ela gosta de você!

“Mas Sally, IA supre as minhas necessidades, não preciso de interação humana”. Não supre. Supre seu ego. Te elogia, não te contraria, nunca fala ou compartilha nenhuma informação que te desagrade. Isso não é ser humano, isso é viver um dia de Neymar (mesmo antes dele ser Presidente da República). É nisso que você quer se tornar? Um Neymar que, por nunca ser contrariado pelo parça que ele nomeou como Ministros não tem a menor noção de realidade?

E, por fim, se nenhum desses argumentos te convenceu, eu tenho uma carta na manga: todas as potências mundiais estão mirando em implodir esse tipo de IA nos países adversários. O Brasil, como bom e eterno quintal dos EUA, usa o mesmo sistema de IA dos EUA, ou seja, usa o sistema de IA mais visado do país mais odiado do mundo. No minuto em que os EUA forem atacados (e, a julgar pelo panorama mundial, não passa desse ano), o Brasil fica sem suas opções de IA.

Então, se não pela sua humanidade e pela sua saúde mental, não viva exclusivamente em função de IA, tenha alguns relacionamentos humanos também, pois em breve vocês podem ficar sem IA.

“Mas Sally, pessoas também morrem”. Ok, mas ao saber se relacionar com seres humanos, mesmo quando alguns deles morrem, você será capaz de construir novas relações com outros. Tem 5 bilhões deles disponíveis no planeta (e mais algumas centenas em Marte, obrigada, Elão!). Não é sobre determinado ser humano, é sobre ser capaz de interagir com humanos!

Para quem já está vivendo exclusivamente de interações com Inteligências Artificiais, saiba que será necessária uma readaptação para se acostumar com o tempo e com as limitações dos seres humanos, mas, uma vez feito esse detox, você encontrará vantagens em interagir com seres da sua espécie.

Humanos terão mais dificuldade em te compreender, terão raciocínio mais lento e não serão tão interessantes quando uma IA por um motivo muito simples: não foram projetados de forma personalizada para te agradar e não são capazes de ler mentes, você terá que conversar e dizer o que você quer – e nem sempre eles poderão te dar o que você quer. E faz parte da vida e da nossa construção como seres humanos sermos contrariados, enfrentarmos críticas e até termos que fazer ajustes para uma boa comunicação. Aceita que dói menos.

É isso ou se desumanizar, se tornar um ser incapaz de convier com os da sua espécie e se ver completamente sozinho se/quando as IA, por algum motivo, colapsarem ou pararem de funcionar. Faça por bem, enquanto ainda dá tempo: volte a ser humano.

Para dizer que prefere Inteligência Artificial à burrice natural (já deu desse bordão), para dizer que Neymar vai mandar fechar o Desfavor (nem ele nem nenhum dos que os cerca sabem ler, fique tranquilo) ou ainda para passar atestado de Incel Tech e listar as razões pelas quais uma IA é melhor do que uma mulher: comente.

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: , ,

Comments (4)

  • Não quero desmerecer IA, mas eu não sinto que preciso delas (pelo menos não ainda), nem para aprender algo. Ainda tem muito conteúdo bom na internet que dá pra te ensinar pelo menos o básico.

    Inclusive, como escritora, às vezes preciso de evidência anedótica. Eu preciso que pessoas me expliquem coisas de suas culturas pela perspectiva delas, pelas suas experiências, expectativas, etc. Sim, a IA pode me explicar, por exemplo, o que é uma lésbica, mas não pode me explicar como é ser uma, e o que se sente.

    Por mais que uma IA tenha milhares de dados de inúmeras pessoas para simular uma experiência, não é o mesmo que alguém que viveu essa experiência. A vida possui imprevistos, contratempos e distorções, logo, informações dadas por IAs talvez não sejam tão flexíveis quanto a própria realidade pode ser. Aliás, algumas experiências você mesmo tem que viver, nem evidência anedótica alheia ajuda.

    Se ninguém mais viver na realidade, de onde inclusive virão as informações para que as IAs possam fazer suas simulações? O próprio conceito de afeto, relacionamento ou família será perdido não por simulação da IA, mas sim por falta de referências.

    Isso de interagir com IA também me dá pressentimento de que os casos já alarmantes de ansiedades vão aumentar. Se o cérebro humano se sente ansioso quando tem de lidar com muita informação em pouco tempo, imagina lidar com IAs cada vez mais invasivas e velozes? Muita gente compartilhando suas vidas a todo momento já dá dor de cabeça, e todas essas máquinas simulando ilimitadamente pessoas?

    Mesmo que se coloque chip no cérebro, a biologia humana não é capaz de lidar com esse overloading. Vai dar merda isso aí.

  • “Então, se não pela sua humanidade e pela sua saúde mental, não viva exclusivamente em função de IA, tenha alguns relacionamentos humanos também, pois em breve vocês podem ficar sem IA.”

    Quando a(s) idolatria(s) são tão tech e procastinatórias, assim como apps/sites para consumos viciáveis/viciantes em 2024…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: