Skip to main content

Colunas

Arquivos

Desfavor Explica: Falácias. (Parte 1)

| Somir | | 109 comentários em Desfavor Explica: Falácias. (Parte 1)

Sei que pode ser um choque para vocês, mas eu adoro discutir. Seja lá o assunto, se permitir um embate eu já começo a achar divertido. E de tanto discutir e irritar outros seres humanos, acabei adquirindo um conhecimento mais… tático… sobre as falácias. Por isso escrevo um guia simplificado sobre as mais comuns, com um foco no que se pode depreender de quem as usa. Talvez tenhamos muitas partes… Mas vamos para a Parte 1.

FALÁCIAS

Falácias são argumentos logicamente inconsistentes. Mas não confunda isso nem por um momento com um argumento perdedor. Uma falácia bem colocada pode virar completamente uma discussão em favor de quem a utilizou. Aqui não adianta ser romântico: “Aprender” costuma estar abaixo de “vencer uma discussão” na escala de prioridades de muita gente.

Reconhecer falácias comuns e saber como desarmá-las é uma forma de defesa pessoal intelectual. Já disse aqui e repito: Retórica deveria ser matéria de escola, a quantidade impressionante de discussões vazias e inúteis que ocupam tempo e dedicação de tanta gente nesse mundo funciona como uma âncora social. Quero só ver empurrar religião goela abaixo de gerações treinadas em lógica e argumentação…

Várias das falácias se misturam, algumas argumentações golpistas podem estar carregando várias delas ao mesmo tempo. O meu guia não é um “tratado acadêmico” que visa falar sobre todas com suas denominações originais, e sim agrupá-las em blocos baseados nos seus objetivos.

Mas não vamos nos estender demais, tem muita falácia para mencionar e poucas páginas para preencher:

AD-HOMINEM

Começo com essa porque é uma das mais famosas, quase todo mundo já ouviu falar do nome em algum momento e pode apostar que eu, você e geral já usamos até cansar. Ad-hominem acontece quando alguém ataca quem diz uma coisa como forma de rebater o que essa pessoa disse. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa… Mesmo que você ache que alguém não tem “moral” para dizer algo, isso não derruba ou comprova o argumento dela.

O argumento é soberano. Se você não está tratando dele, você está discutindo outra coisa. Exemplo: “Histérica argumenta que homens só se importam com a aparência do sexo oposto. Somir rebate dizendo que Histérica é mais feia que a fome e que isso explica suas impressões”. Embora Histérica pareça mesmo com um cão chupando manga, isso não rebate a proposição de que homens se importam mais com a aparência do sexo oposto. Torna-se uma discussão secundária sobre a suposta feiúra de Histérica e suas implicações.

Como se pode perceber no exemplo, ad-hominem é excelente para matar uma argumentação (lógica) no berço. Tanto que tende a ser a resposta inicial padrão da maioria das pessoas incapazes ou sem vontade de travar uma discussão inteligente. Passeie por qualquer comunidade virtual hoje em dia e note como discussão é 90% ad-hominem. Essa falácia se espalha numa reação em cadeia quase que incontrolável, então MUITO cuidado se você quer travar uma discussão interessante: Evite usá-la e desarme-a IMEDIATAMENTE.

Felizmente, é relativamente simples controlar uma discussão ameaçada pelo ad-hominem se você estiver calmo e souber como reagir. Se você foi vítima dela, ignore completamente o desvio causado pela falácia e repita o argumento racional. Nem OUSE avisar que a percebeu, em muitos casos a outras pessoa nem entende que usou uma falácia e vai entender como um ataque pessoal. Repita calmamente seu argumento até ele ser tratado. Ou a pessoa cansa e desiste, ou você consegue a abertura necessária para avançar no seu ponto.

Se você usou uma, pode até parecer estranho vindo de mim, mas… retrate-se. Não precisa baixar a cabeça ou concordar com nada, só precisa dizer de forma clara que errou ao trazer a discussão para o campo pessoal e que quer mesmo é discutir o assunto de verdade. Normalmente as pessoas ficam desarmadas com civilidade dentro de uma discussão. Siga como preferir.

Agora, se você só quer encher o saco, comece a discussão com uma e não pare mais. Parabéns: Você aprendeu a fazer uma discussão de Facebook!

O que NÃO é ad-hominem: Uma briga entre duas pessoas onde se argumenta qual delas é pior. Se o cerne da questão é definir por que você não gosta de uma pessoa, criticá-la é um argumento logicamente consistente. Todo ad-hominem é um ataque pessoal, mas nem todo ataque pessoal é um ad-hominem.

APELO À AUTORIDADE

Estou misturando algumas outras falácias nesse bolo, porque o que vale para esta análise é a ideia básica. Apelo à autoridade é uma falácia clássica onde uma pessoa disfarça a opinião de alguém como argumento factual. Como somos uma espécie tarada por especialistas e figuras de autoridade para nos dizer o que é certo ou errado, é outra falácia que vive aparecendo por aí. Da mesma forma que o ad-hominem, aqui o problema é que QUEM diz se torna mais importante do QUE essa pessoa diz.

Mesmo os maiores especialistas e os experimentos mais detalhados podem estar errados. Além disso, não podemos confundir dedicação com eficiência e/ou capacidade. Exemplo: Existem muitos especialistas em curas por cristais, o que não torna suas opiniões menos inconsistentes com a realidade percebida e o conhecimento acumulado pela medicina.

Opiniões são opiniões independentemente de suas fontes. Se um criacionista tenta defender seu argumento de que a evolução é uma mentira baseado nas palavras de um cientista conhecido por ele que também é criacionista, isso não torna ambos menos deslocados ou negadores da ciência. O argumento DEVE ser capaz de andar com as próprias pernas.

Vamos analisar alguns tipos de argumentações falaciosas comuns nesse gênero:

“Somir diz que o homem é resultado da evolução. Zé Ruela rebate dizendo que Charles Darwin renegou sua teoria no leito de morte e aceitou a palavra de Deus.”

Essa é fácil de perceber porque vai TÃO longe que fica parecendo falácia mesmo, mas e para desarmar? MESMO concedendo que isso seja verdade (o que não é, não passa de mito), o argumento de que a vida no planeta Terra evoluiu está baseado em milhões de evidências independentes da opinião de seu proponente.

“Zé Ruela diz que tem inúmeros especialistas que corroboram com sua ideia de que brancos são mais inteligentes que negros. Somir segura a vontade de mandar um ad-hominem e pede as fontes. Zé Ruela apresenta um site chamado ‘Superioridade Ariana’.”

Pode até parecer que está fácil identificar a falha aqui, mas muita gente se perde. O problema é que os especialistas são especialistas em OPINIÃO, não se submetendo a padrões mínimos de credibilidade pelo método científico. Especialista na própria opinião todo mundo pode ser. A argumentação em si continua no mesmo pé.

“Somir diz que a humanidade evoluiu comendo carne. Maria Ruela rebate dizendo isso é mentira porque muitos especialistas concordam que o ser humano não precisa comer carne.”

Essa poderia até mesmo entrar em outra categoria, mas aqui é importante para ressaltar um ponto importante: O argumento é o que vale. Mesmo que todos os especialistas em nutrição do mundo concordem que comer carne não é necessário, não tem porra nenhuma a ver com o argumento de que o ser humano evoluiu comendo carne. Muita gente se esconde atrás de especialistas e autoridades.

Via-de-regra, toda a argumentação religiosa é um apelo à autoridade. Um ser mágico disse uma porrada de coisas e todas elas são verdade, porque ele é perfeito. E sabemos que ele é perfeito porque ele disse que era perfeito. Quer dizer, supostamente disse…

A melhor forma de lidar com quem usa essa falácia é novamente se ater ao assunto original. Mesmo que o especialista esteja “do lado” do adversário, esse especialista ainda precisa defender o argumento da mesmíssima forma. Muito metido a intelectual vai tentar te afogar em citações e referências a autores diversos para evitar o que mais teme: Ter que explicar porque tomou o lado que tomou na discussão. Continue apontando para a pessoa com a qual você discute, e não tenha vergonha de ir conferir uma ou outra fonte antes de retornar.

E se quiser ser chato: Rebata com MAIS fontes e especialistas. Lembre-se: Ganha quem citar mais obras. Bônus para quem passa bibliografia enorme com um monte de coisas que pouco ou nada tem a ver com o assunto.

ANEDOTAL

Essa merda de classe de falácia é tão comum quanto fácil de desmontar. Basicamente é usar uma experiência pessoal para desmerecer uma argumentação geral. Vemos isso com muita frequência aqui em nossa república, principalmente nos comentários da coluna “Ele disse, ela disse” quando o tema gira ao redor da “guerra dos sexos”.

Argumentos muito abrangentes são complicados, afinal, eles tem que colocar no mesmo saco muita gente ao mesmo tempo. Faz sentido que tenhamos cuidado com generalizações, já que muitas decisões importantes são tomadas com base nelas. Mas isso não significa que o conceito de média deixe de ter seu valor.

Médias levam sim em consideração extremos, e não é o ato de apontar um deles que invalida um argumento. Exemplo: “Sally diz que fumar faz mal para a saúde e que Somir tem que parar o quanto antes. Somir rebate dizendo que uma tia sua fumava três maços por dia e morreu com 98 anos de idade. Sally inventa um novo palavrão com 98 sílabas.”

Se a média sugerisse que tabagismo não interfere com a longevidade de uma pessoa, o argumento até faria sentido. Mas como a média sugere exatamente o oposto, apontar um caso de uma pessoa que durou tanto tempo fumando se torna uma falácia. Não prova nada. Não interfere na média e acaba levando a discussão para longe do ponto original.

Essa falácia é extremamente nociva para a qualidade de uma discussão se você estiver diante de uma plateia hostil ou pouco educada. É assustadora a quantidade de pessoas que não consegue entender que está aplicando um argumento furado nesse caso. O conhecimento empírico é uma das fundações do aprendizado humano; e pra muita gente, é basicamente o que sobra para formar suas opiniões.

Rebater uma falácia anedotal exige cuidado. Até mesmo para não ferir os sentimentos da outra pessoa, se é que você se importa com essa frescura. Por mais que a falha na argumentação seja muito clara, lembre-se que naquele momento a pessoa tende a se colocar no papel de fonte. Desmerecer uma falácia anedotal pode ser enxergado como desmerecimento da credibilidade da pessoa.

Se você não quer essa pessoa na defensiva, lembre-se de adicionar o exemplo à argumentação enquanto explica (de preferência bem devagar e com palavras simples) que mesmo aceitando o exemplo, não altera a média. Volte a falar da média o mais rápido possível e mantenha o assunto por lá.

Ah, e se quiser pentelhar… é só usar falácia anedotal, em qualquer situação, a qualquer hora.

Bom, quinta página, ainda faltam várias outras. Não sei se vocês gostaram de ler, mas como eu gostei de escrever, continua nos próximos capítulos…

Para dizer que um texto sobre falácias é o equivalente a armar a população aqui na RID, para dizer que eu não posso falar sobre falácias por usá-las o tempo todo, para dizer que especialistas discordam das minhas explicações, ou mesmo para contar uma história pessoal que invalida tudo o que escrevi aqui: somir@desfavor.com

Comentários (109)

Deixe um comentário para Pedro Campolina Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.