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Desfavor Explica: Epilepsia.

| Sally | | 32 comentários em Desfavor Explica: Epilepsia.

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O assunto é vasto, não dá para florear muito. Desfavor Explica: Epilepsia. Atécnico em muitos momentos, com o objetivo de me fazer entender.

Epilepsia é uma desordem neurológica que se caracteriza por descargas elétricas anormais nos neurônios (células que compõe o seu cérebro). Muito simplificadamente, a crise epiléptica se dá quando ocorre uma descarga elétrica entre neurônios mais duradoura do que o habitual. É um curto-circuito cerebral que se reflete no seu corpo das mais diversas formas. Desde sempre gera muito medo e preconceito na sociedade, mas não tem nada de paranormal: por algum motivo cientificamente explicável, os neurônios se portam de forma anormal.

Essas descargas anormais nos neurônios podem ter várias origens. Entre outras, podem ser ocasionados por problemas genéticos, doenças infecciosas, uso de drogas, uma pancada forte na cabeça e até mesmo alguns tipos de parasitas. Mas certamente não são causados por demônios, possessões, espíritos nem nada parecido. Passou da hora de parar de divinizar algo que a ciência já explica. Em tempo: epilepsia não é contagiosa, não precisam ter medo de se aproximar de um epiléptico para ajuda-lo.

Epilepsia não se confunde com convulsões. Uma convulsão pode ser uma manifestação motora de uma crise de epilepsia. Grosseiramente falando, convulsões são aqueles espasmos involuntários que vemos quando a pessoa cai no chão e começa a se debater. Mas nem de longe a epilepsia se resume a esses espasmos, ela pode se manifestar de muitas formas diferentes e atípicas, inclusive sem convulsões. Assim como epilepsia não é necessariamente convulsão, convulsão também não é necessariamente epilepsia. Você pode ter uma convulsão e não ser epiléptico. Não seu auto-diagnostique, em qualquer caso procure um neurologista, só ele vai poder bater o martelo e dizer o que você tem. Normalmente os principais exames realizados em caso de suspeita de epilepsia são eletroencefalograma e tomografia computadorizada (em algum lugar Siago Tomir chora em posição fetal).

Infelizmente as pessoas associam epilepsia apenas a convulsões e isso faz com que alguns epilépticos passem uma vida inteira sem o diagnóstico correto e sofrendo por se sentirem loucos ou inadequados. Uma crise epiléptica pode não implicar em uma convulsão. Pode se resumir a um mero formigamento ou a tremores na face ou membros, distúrbios sensoriais como alucinações visuais, auditivas ou táteis (você não é médium, você é epiléptico, bem vindo ao mundo real), mudança de humor, perda de memória, mal estar, palpitações, suor, salivação ou um simples desmaio.

Estes sintomas, juntos ou separados, podem indicar epilepsia. Por isso qualquer sintoma que saia do seu normal, mesmo que não pareça grave, não deve ser ignorado. Eu já vi um crime cometido por uma pessoa que teve um acesso de fúria do nada, que os peritos atribuíram a um caso raro de epilepsia que gerou esta mudança comportamental. Estamos falando de CENTENAS de variações de epilepsia, muitas delas “sem cara de epilepsia”. Sério mesmo, está sentindo alguma alteração neurológica que não sabe explicar? Vá ao neurologista.

O tratamento mais comum é feito com remédios, só casos extremos que não respondem bem a medicação tem aconselhamento cirúrgico. A estimativa média é de que apenas 25% das pessoas com epilepsia precisem de cirurgia. Normalmente as crises podem ser controladas associando medicamentos com alguns hábitos de vida e medicamentos controlam o problema, assegurando uma vida normal. Tendem a funcional melhor quando além dos remédios a pessoa se propõe a majorar sua qualidade de vida com uma alimentação correta, horas de sono adequadas e outros cuidados. Em alguns casos é possível que a epilepsia desapareça por completo e que a pessoa nunca mais tenha uma crise.

Existem alguns fatores que podem ser desencadeantes. Por exemplo, bebida alcoólica costuma ser contraindicada para quem tem crises epilépticas, isso porque enquanto você está consumindo álcool diminui a sua atividade cerebral e, por consequência, quando você para de consumir, o cérebro volta a funcionar a todo vapor, ocorrendo uma espécie de “pico” de “refuncionamento” que normalmente desencadeia uma crise. Outros fatores que tendem a desencadear crises epilépticas: luzes piscando ou mudança repentina de luminosidade, mudança da temperatura corporal, febre, privação de sono, ansiedade, cansaço e o desenho Pokemon.

Para quem não sabe, um episódio específico do desenho animado Pokemon desencadeou crises epilépticas em massa. Só no Japão foram registrados 12.000 casos de crianças que passaram mal, muitas chegando efetivamente a ter uma crise convulsiva. O fato foi atribuído ao piscar de luzes coloridas freneticamente. Eu sei que vocês são malucos, eu sei que vocês querem saber qual foi o episódio. Foi o episódio 38, mas eu recomendo que não vejam, pois não sabemos quantos de nós tem propensão a epilepsia. E para quem já está em tratamento, nem pensar em ver esta merda.

Mesmo quando os medicamentos funcionam bem para o paciente, é comum que ele tenha crises eventuais. Como é uma medicação que pode causar efeitos colaterais desagradáveis, depois de algum tempo de uso a pessoa fica confiante e pode decidir suspender ou reduzir a medicação por conta própria, tendo a falsa sensação de estar curado. Isso é mais comum do que você imagina e jamais deve ser feito. Por mais que você ache que está ótimo e que sua medicação é excessiva ou desnecessária, JAMAIS mude a dose ou suspenda sem a autorização do seu médico. Se os efeitos colaterais estão atrapalhando sua vida, sempre podem ser tentados outros medicamentos, existem diversas opções.

E se você deseja ter filhos, sorria, o fato de você ter epilepsia (seja pai ou mãe) não aumenta o risco do filho ter este problema, as chances são as mesmas de qualquer outra pessoa. Pode ter filhos sem medo. Epilepsia não passa necessariamente de pai para filho e também não passa de uma pessoa para a outra, não é contagioso. Pode ajudar a pessoa que está tendo uma crise sem medo algum.

E por falar em ajudar… agora vem a parte mais importante do texto: como ajudar uma pessoa que está tendo uma crise epiléptica. Primeiro procure não se apavorar, a cena é feia mas dificilmente alguém chega efetivamente a morrer por causa de uma convulsão. O que PODE acontecer externamente com uma pessoa que está sofrendo de uma crise epiléptica: enrijecimento do corpo, grunhidos, “revirar” os olhos, movimentos bruscos com a cabeça, movimentos e espasmos no corpo todo, salivação espumosa, liberação de urina e fezes e perda de consciência. Não costuma durar muito, mas pelo terror que a cena causa, parece uma eternidade.

Muitas vezes a pessoa já tem um histórico de epilepsia e consegue detectar que vai ter a crise por pequenos sintomas que podem antecedê-la (formigamentos ou coisas do tipo). Nesse caso, talvez dê tempo dela te avisar “vou ter uma crise epiléptica”. Imediatamente coloque a pessoa deitada de lado, ou ao menos com a cabeça de lado, para que ela não se engasgue com a própria saliva ou com eventual vômito. Remova os objetos que estão à sua volta para que a pessoa não bata neles. Afrouxe as roupas da pessoa caso elas estejam apertadas e possam dificultar seus movimentos ou respiração.

ATENÇÃO, MUITA ATENÇÃO: JAMAIS COLOQUE UM OBJETO NA BOCA DA PESSOA. Eu sei que tem muita gente que manda colocar algo para impedir que a pessoa morda a própria língua, mas este procedimento não é correto. Ao colocar objetos na boca da pessoa, além do risco de sufocamento, há o risco que ele quebre os próprios dentes. A orientação médica atual diz que é melhor deixar que a pessoa morda sua própria língua do que arriscar um sufocamento ou dentes quebrados. Também não meta a mão dentro da boca da pessoa “para desenrolar a língua” ou puxar a língua para fora, você pode perder os dedos. E nunca está de mais dizer que é impossível que a pessoa engula a própria língua em uma crise convulsiva. O que ocorre é uma contração de todos os músculos do corpo, inclusive da língua, mas podem ficar sossegados que não há o risco disso acontecer. Para que fique claro: NÃO COLOQUEM NADA NA BOCA DE UMA PESSOA QUE ESTÁ TENDO UMA CONVULSÃO. E passe esta informação adiante para tentar acabar com este mito!

Você pode tentar segurar a pessoa, sem machuca-la, mas em alguns casos é inevitável que ela se debata mesmo com você tentando contê-la. Foque na cabeça, é fundamental evitar que a pessoa bata com a cabeça no chão. Você pode colocar um travesseiro, uma bolsa ou qualquer superfície macia abaixo da cabeça para te ajudar a conter a crise. Fique ao lado da pessoa e procure tranquiliza-la. Uma dica tanto para quem sofre a crise como para quem ampara: não lute contra a crise, ele é mais forte do que você. Apenas tente ter serenidade e espere ela passar. Não tem como interromper uma crise. Ampare a pessoa sem tentar imobilizá-la por completo fazendo a crise cessar (já vi pessoas que parece que estão lutando jiu-jistsu quando tentam amparar epilépticos). E para quem tem a crise, dizem que contar ajuda: procure deixar a crise acontecer, se manter calmo e conte mentalmente bem devagar até dez (ou mais, se for o caso), isso costuma tornar o episódio menos tortuoso.

O normal é que a crise dure entre um e dois minutos, que é o tempo que o cérebro leva para liberar neurotransmissores que inibem essa corrente de eletricidade entre os neurônios. Se passar de cinco minutos, a coisa é mais grave e você deve chamar imediatamente uma ambulância. E mesmo que a crise dure pouco, deve ser procurado um médico para ter certeza de que tudo realmente voltou ao normal. Se a pessoa perdeu a consciência durante a crise, é normal que ela volte em slow motion, que se movimente de forma lenta e até mesmo que esqueça que teve uma crise convulsiva. Não se assuste se a pessoa estiver lenta e confusa. Também é comum que a pessoa durma muito após um episódio como esse.

Recentemente um pastor evangélico agrediu fisicamente um fiel que estava tendo uma convulsão em sua igreja. Virou notícia de jornal. O pastor alegava que o fiel estava “com o demônio no corpo”. Infelizmente esse tipo de preconceito e ignorância ainda encontram espaço para se disseminar no Brasil. Epilepsia não é um fenômeno paranormal e certamente NÃO É PROBLEMA ESPIRITUAL, que fique claro. Muito se bate nos evangélicos, mas os espíritas também adoram atribuir problemas físicos cientificamente explicados a “problemas espirituais”. Se você tiver crises epilépticas, ESQUEÇA qualquer religião e vá ao neurologista.

Epilepsia não impede que a pessoa leve uma vida normal, apesar de pequenas restrições, como estilo dar preferência a um estilo de vida mais saudável e eventual medicação diária. Porém alguns cuidados devem ser tomados, principalmente com crianças. Recomenda-se que não desempenhem atividades “arriscadas”, como por exemplo nadar, sem a constante vigilância de alguém, pois uma crise convulsiva nesses momentos pode ser fatal. Em adultos, dependendo do caso, se recomenda que evitem dirigir, sobretudo à noite, onde as oscilações de luminosidade são maiores.

A título de curiosidade, foi feito um eletroencefalograma do cérebro de Chico Xavier e o resultado foi dado para que um médico o analise sem saber quem era o paciente. O nome do médico, salvo engano, é Juvenal Guedes. Sem saber qual cérebro estava analisando, o médico afirmou que havia uma descarga elétrica anormal, capaz de provocar crises epilépticas. Portanto, é bem provável que as “vozes” que ele ouvia fosse fruto de uma epilepsia conjugada com a enorme vontade de acreditar por parte dos familiares das pessoas mortas com uma pitada de estelionato daqueles que o cercavam. Ruim viver em um mundo onde você não vai reencontrar aquela pessoa querida que morreu, né? Mas pior ainda é viver em um mundo de mentiras.

Espero que este texto ajude pelo menos uma alma boa a desmistificar a epilepsia ou a socorrer alguém que se encontre em uma crise. Finalizo com as sábias palavras do ET Bilu: busquem conhecimento.

Para perguntar se as coisas que Siago Tomir faz podem ser atribuídas a algum tipo bizarro de epilepsia, para ficar triste por descobrir que você não é médium super especial escolhido ou para preferir acreditar que você é médium super especial escolhido do que ter que encarar que tem um problema neurológico: sally@desfavor.com

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