Ontem, feriado, eu resolvi ver o filme Terrifier 2. Adoro filmes de terror, especialmente os ultra-violentos, e depois de ouvir notícias que pessoas saíram da exibição para vomitar de tão horríveis que eram as cenas, eu sabia que precisava ver. A violência realmente estava num nível altíssimo, mas como veterano de filmes do tipo, eu fiquei chocado com outra coisa: nenhuma mulher apareceu pelada!

Mas antes, um mini Des Cult: Terrifier 2 é um filme besta, longo demais, praticamente sem sentido… uma porcaria. Mas as cenas de assassinatos violentos são das coisas mais exageradas que eu vi num filme nos últimos tempos. O que, francamente, é uma boa coisa. O vilão principal, um palhaço bizarro, é daqueles monstros clássicos de filmes do tipo, à lá Jason ou Michael Myers: uma máquina de matar sem muita profundidade.

A história é o clichê de vilão matando adolescentes na noite de Halloween, nada de novo no fronte. Mas a forma como as cenas de assassinatos são feitas quebram um pouco a lógica: o palhaço Art é excessivamente cruel, todas as cenas de mortes horríveis são alongadas com mais e mais atos horríveis contra as vítimas, ao ponto de fazer novatos no gênero passarem mal, mas também ao ponto de fazer veteranos como eu começarem a rir do exagero.

O que faz sentido mesmo: esse filme de assassinato de adolescentes já foi feito mil vezes, é difícil achar um diferencial. Terrifier 2 apostou na absurdo da crueldade e da violência gráfica para se destacar. Quem tem alguma noção de linguagem cinematográfica sabe que a direção do filme está forçando a barra e alongando as cenas muito além do necessário. Vira a graça da coisa, de uma certa forma. Eu entendo como algumas pessoas podem ter passado mal mesmo. Se você não tem muita casca com filmes violentos, vai te incomodar.

E como filme, já disse que é uma porcaria. Não estou recomendando nem nada. Achei interessante essa estratégia de empurrar a linha da “violência gratuita” para uma área cinza entre terror e crueldade “pornográfica”, mas não é o ponto deste texto te sugerir ir ver (ou piratear) o filme. Se você voltar aqui dizendo que foi horrível ver tudo aquilo e o filme ainda era uma merda para completar, não coloque na minha conta: eu te avisei.

O ponto do texto é sobre o fato de nenhuma mulher aparecer pelada. Claro que o filme se aproveita de algumas jovens atrizes muito bonitas, mas eu não senti um olhar de exploração sexual nas cenas. O filme é sobre violência absurda, todo o resto é uma ferramenta para chegar nisso. Percebam que eu não estou criticando o filme por não ter mulher pelada ou qualquer conotação sexual nas ações do vilão, é apenas o choque da comparação com quase todos os outros filmes do gênero que vi até hoje.

Como eu gosto do gênero “slasher” (filmes com assassinos que vão matando o elenco um por um sem muita profundidade), eu vi os famosos e vi até mesmo os mais obscuros. Vi os assumidamente toscos, vi os que se levavam a sério, vi até algumas paródias de diversos níveis de qualidade. Depois de um tempo, vira meio que nem Chaves: você sabe o que vai acontecer, sabe os clichês e se diverte com a repetição. Terrifier 2 valeu a pena por mexer um pouco a “eficiência” dos assassinatos e entrar num território de crueldade absurda. Como eu conheço os clichês, eu começo a dar risada quando vejo eles sendo distorcidos. Ultraviolência de mentirinha é divertido para mim.

Um dos clichês mais comuns desse tipo de filme, até porque a fórmula é tão previsível, é espaçar cenas de assassinatos com cenas de mulher pelada. Isso tem muito a ver com a era de maior popularidade desses filmes, os anos 70 e 80, onde o foco era apelar o máximo possível. Não só era o tempo da revolução sexual, como também não tinha o tipo de alcance global que os filmes têm atualmente. Depois de décadas proibidos de qualquer tipo de nudez, os filmes se viram livres para apelar nesse sentido.

E na maioria dos casos, de forma bem escrota. O número de estupros em filmes trash do tipo sempre foi astronômico. Qualquer filme que não era para criança tinha um estupro naqueles tempos! E cenas de nudez desnecessária das atrizes eram regras nos roteiros. A famosa cena do chuveiro, onde sem nenhuma função na história, passávamos alguns minutos vendo uma mulher se ensaboando enquanto a câmera passeava pelo seu corpo desnudo.

A regra era tão garantida que eu fiquei até condicionado: sabia que o filme só seria pesado o suficiente se tivesse alguma indicação de ter mulher pelada. Filme sem peito era filme para menina. Por muito tempo, essa lógica funcionou. Mas aí veio o século XXI. Depois de um renascimento do gênero no começo dos anos 2000, a indústria percebeu que dava para negociar com o clichê da nudez feminina desnecessária para alcançar um novo público.

O truque era baseado na tendência dos censores de considerar uma mulher com os peitos de fora muito pior que um assassinato horrível com sangue jorrando por todos os lados. Coisa de americano, mas que acabou se espalhando pelo mundo pelo tamanho e influência da sua indústria cultural. Podia manter basicamente o mesmo grau de exploração da violência, tortura e crueldade desde que mantivesse os seios das atrizes dentro dos sutiãs.

Cuidado com a conclusão que você vai tirar, eu ainda não estou criticando a falta de peitos de fora em filmes de terror modernos. Até pela natureza das “cenas de chuveiro”, era óbvio que poderiam cortar isso sem nenhum detrimento para o valor do filme. As cenas normalmente estavam lá para manter os olhos masculinos abertos durante um assassinato e outro. Sem esse truque na manga, muitos dos filmes de terror modernos tem que focar mais em personagens e situações assustadoras para não perderem o fôlego.

Até mesmo filmes que eventualmente pegam mais pesado com nudez como Midsommar o fazem dentro de um contexto e com o objetivo de criar um ambiente bizarro que contribui com o terror. Quem viu sabe do que estou falando. A gratuidade da nudez feminina saiu de moda. E não, por mais que nunca tenhamos visto tantos pintos de fora nos filmes e séries modernas, não é com o mesmo efeito. A nudez masculina é usada dentro de contextos ou mesmo para chocar ou fazer piada, não é mais uma cena que claramente só existe para mostrar a nudez.

Então, eu acredito que apesar dos pesares, até mesmo o cinema trash deu um passo para frente nesse sentido. Ainda tem muita bagaceira com mulher pelada saindo por aí, mas eu noto que mais e mais no sentido de fazer algo mais pornográfico do que uma apelação genérica. Os filmes de terror estão livres para não forçar uma cena de mulher pelada, e isso está me parecendo positivo. Hereditary, the VVitch… filmes excelentes que entregam terror com classe.

Agora sim, a crítica:

Por que diabos um filme escrotamente violento, cruel e cheio de tortura como Terrifier 2 está dentro da lógica dos tempos modernos, mas um filme com menos violento com uma cena de chuveiro não está? Vamos pensar nas crianças: o que é mais danoso, um minuto de peitos ensaboados ou um minuto de tortura violentíssima? O que é pior banalizar, exploração de violência ou exploração de nudez?

Sim, filmes como Terrifier 2 não são liberados para menores, mas convenhamos: censura nos anos 80 já era meio inútil, censura nos anos 2020 é uma piada. Talvez você consiga evitar que crianças de 6 a 8 anos vejam, mas passou disso é basicamente tapar sol com a peneira. A sociedade moderna escolheu dar um basta na exploração sexual feminina por terceiros, o que tem a sua razão de ser, mas ainda estamos presos na mentalidade de que esse era o problema.

Mentalidade que vem de uma onda de puritanismo cristão americano pós-revolução sexual, que foi enfrentada por rebeldes com muitas cenas de sexo e nudez, mas que eventualmente foi derrubada com a ajuda dos aliados menos prováveis: os lacradores de rede social. Essa mentalidade que ninguém prestou atenção antes de adotar significa tratar sexualidade como algo feio, que deve ser escondido.

E que qualquer coisa colocada no lugar é uma boa alternativa. O que não é verdade. Se você tivesse que colocar num filme de princesa da Disney uma cena de topless ou uma cena de tortura, qual você escolheria? Espero, de coração, que você não tenha escolhido a de tortura. A minha impressão é que no meio do objetivo nobre de evitar que atrizes sejam exploradas por produtores e diretores, passamos junto para a frente essa visão doentia sobre nudez e sexo que as religiões costumam ter.

De alguma forma é melhor mostrar uma mulher sendo torturada de forma extremamente violenta e chocante por vários minutos de sutiã do que filmá-la levando uma facada no peito desnudo e cortar para a próxima cena?

Não é que eu sinta falta de nudez feminina nos filmes de terror, nunca foi o ponto dos filmes e em 90% deles nunca fez sentido mesmo, mas algo me incomoda sobre a mentalidade de preferir qualquer coisa a ter uma cena dessas, entendem? Terrifier 2 até que fez bem de dissociar totalmente seu vilão de impulsos sexuais, ficaria nojento e escroto demais, mas será que esse filme existiria da forma que existe se as pessoas continuassem não dando tanta bola assim para uns peitos de fora?

Eu já tinha escrito sobre isso no texto sobre o OnlyFans: a minha grande preocupação com a sociedade moderna é a tendência de transformar tudo em pornografia. Violência pornográfica em filmes, ideologia pornográfica na política… eu não vou dizer que é culpa de termos menos cenas de chuveiro em filmes de terror, mas eu vou dizer que eu sinto que estão tentando compensar de formas estranhas.

Esse tipo de filme ultraviolento era algo para pequenos públicos de gente que entendia a “brincadeira” de criar efeitos especiais para fazer cenas de revirar o estômago, mas agora está virando fenômeno cultural… sei não, acho que uns peitos eram melhores para a humanidade.

Para me chamar de doente por ver esses filmes, para dizer que agora quer ver o filme (não fui eu que mandei ver), ou mesmo para me dizer para digitar peitos no Google: somir@desfavor.com

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Comments (12)

  • Sério que vc gostou dessa merda de filme ou assistiu só pra se sentir o fodão que não passou mal igual os fracotes? Pra piorar nem mulher mostrando os peitos tem! Eu preferia quando vc falava sobre pornografia japonesa.

    • Eu escrevi umas cinco vezes que o filme é ruim, criatura! O que me chamou a atenção foram escolhas deliberadas da direção de alongar as cenas de violência e o contraste com a ideia atual de evitar nudez feminina gratuita nos filmes, algo que pessoas sem experiência com o estilo do filme provavelmente não perceberiam. Foi um gancho para o tema.

      E sim, para violência de mentirinha eu sou mesmo super fodão, nada me traumatiza mais. Não preciso mais testar isso. Mas eu não fico usando isso como motivo de orgulho, afinal, é algo bem inútil para a vida.

  • “Espero, de coração, que você não tenha escolhido a de tortura.” Eu ri disso mais do que deveria.

    Uma vez me falaram que isso de ficar censurando, problematizando, evitando corpo feminino vai dar no mesmo que o “patriarcado” deu: na ideia de que o corpo feminino é algo a ser repudiado. E vai virar uma bola de neve.

    Começam tirando as cenas de nudez, depois cenas em que mulheres se dão mal (Mary Sues que o digam), vão tirando e tirando até chegarem à conclusão que “lidar com muié é chato pra caralho”.

    Vai ter maluco ressentido com mulheres se aproveitando disso. Se acham grotesco cenas de peitinho vindas de algum punheteiro, esperem pra ver cenas viscerais “que não objetificam” de quem é misógino. Não vai ser bonito e até eu que sou mulher, COM CERTEZA prefiro os peitos.

    Mas parece que não adianta avisar. Tudo que lacradores e emocionados ouvem é “ain, mas cê quer então que mulher seja objetificada?” Depois de tanto tempo ouvindo o que podem ou não podem fazer só por serem mulheres, as pessoas deveriam entender que é mais fácil e produtivo não ver um filme do que tentar mudá-lo…

    • Eu lembro que achava o máximo ver a Ripley sendo fodona nos filmes do Alien, numa época que a palavra empoderamento nem existia no vocabulário das pessoas. Não precisou de cultura de valorização da mulher para valorizarmos uma personagem mulher interessante. A história era essa, e era bem contada dentro de uma trama divertida de ver.

      Agora que a cultura de valorização da mulher está implementada (na ficção), não tenho mais saco pra filme de mulher empoderada. Eu gostava da Ripley e ela era uma mulher. Eu não gostava da Ripley porque ela era mulher. Parece que não conseguem entender isso…

  • Filme slasher não é sempre mais do mesmo? Um mata no acampamento, o outro no Halloween, o outro na floresta, o palhaço matando. Eu queria entender a graça que vcs conseguem ver nesse tipo de filme sempre a mesma coisa.

    • A memória afetiva do filme slasher entrou na minha cabeça porque eu vi Jason e similares quando era pré-adolescente. Naquele momento da vida, era algo chocante, “proibido”. Eu tenho plena noção que é um gosto nostálgico, porque a graça de ver os novos é ver como vão aplicar ou subverter os clichês. Talvez quem tenha nascido bem antes ou bem depois que eu tenha outro tipo de estilo de filme como parâmetro.

      E eu me divirto com filme ruim, estamos na era da internet: é fácil achar, não precisa ver inteiro…

  • Talvez seja só desnecessário mesmo, mas desnecessário em outro sentido. No passado a pornografia não era tão fácil de se ter acesso, especialmente pra adolescentes. E filmes de terror também tinham um pouco essa aura de “contracultura”, de algo alternativo, de coisa meio proibida. Juntava-se a fome com a vontade de comer, entregar umas migalhas de nudez no meio do filme era um atrativo a mais, já que nudez não era algo que se via com tanta freqüência. As cenas de nudez, de certa forma, “agregavam valor” ao filme perante o público dos anos 80 e 90. Hoje em dia qualquer piá de 11 anos tem acesso a pornografia explícita com meia dúzia de cliques no celular. Nudez talvez não tenha mais o mesmo peso que já teve no passado, e por isso talvez tenha deixado de compensar pra quem produz o filme de terror “comprar a briga” com quem possa reclamar ou trazer problemas pro filme por causa dessas cenas.

    • E pra te complementar, no Brasil, com o fim da ditadura militar e da censura, a mídia meteu o louco. Daí veio banheira do gugu, gata molhada, sushi erótico etc. Euforia após décadas de repressão.

      • E tudo o que foi reprimido demais e por muito tempo tende a virar um vale-tudo avacalhado quando finalmente é liberado, né?

    • A sua análise faz muito sentido, pelo menos pra mim, afinal, eu cortei um parágrafo indo pelo mesmo caminho. Cortei porque no final das contas nem era sobre a nudez, e sim sobre o que está tomando o lugar. Contracultura parece algo cada vez mais confuso quando não se tem mais uma cultura para ir contra… de uma certa forma, parece que a visão sobre nudez e sexualidade ficou ainda mais gratuita depois de “sair de moda” explorar nudez em filmes aleatórios. Como você bem disse, o piá não vai ter contato com um par de peitos num filme de terror, vai ter contato com pornografia explícita num ambiente separado. As coisas vão perdendo contexto, o que eu chamei de pornografia generalizada: os conceitos vão se isolando e ficando cada vez mais radicais.

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