
Não me diga…
| Desfavor | Ele disse, Ela disse | 6 comentários em Não me diga…
Em qualquer tipo de relacionamento, às vezes lidamos com alguém que está demonstrando incômodo com algo, mas não quer conversar sobre o assunto. Sally e Somir não se entendem sobre o que fazer nesses casos. Os impopulares não fazem bico.
Tema de hoje: quando uma pessoa está emburrada e se recusando a conversar, insistir ou deixá-la quieta?
SOMIR
Deixá-la quieta. Acho muito bonita a ideia de que seja possível ir buscar algo que incomoda uma pessoa dentro dela e tirar feito um veneno, mas a vida não é uma coisa bonita. Pessoas falam sobre o que realmente importa quando estão prontas para isso, nem um segundo antes, nem um segundo depois. E, sinto informar, algumas pessoas vão ser bem intragáveis até chegar nesse momento, se é que vão chegar. Faz parte.
Diálogo passa longe de ser a coisa simples que a Sally vai tentar pintar aqui, e a margem de sucesso é bem mais baixa do que se imagina. Claro, pode ajudar e muito em situações ideais, mas a realidade é que essas situações são raras. A disponibilidade de se abrir aliada à capacidade de lidar com as armadilhas da relação entre racionalidade e sentimentos é um evento, não a norma. Algumas pessoas podem até estarem nesse momento com mais freqüência, e pelo o que eu conheço da Sally, ela é totalmente fora da média nisso. Então, eu não culpo ela por achar que realmente sempre vale a pena insistir, do ponto de vista de quem tem desenvolvida a capacidade do diálogo e do auto-conhecimento deve mesmo parecer até óbvio esse caminho.
Mas, o que eu também aprendi com o tempo é não tentar me comparar com pontos excepcionais de outras pessoas, pelo menos não como tentativa de medir meu próprio valor. E sugiro que vocês não façam isso também. É mais saudável reconhecer quando alguém tem uma capacidade mais desenvolvida que você e também prever que você vai ter uma ou mais que também saem da média. Se Sally é excelente no diálogo e na capacidade de analisar o que tem dentro dela, outras pessoas não são bem assim. Eu já fiquei muito puto com ela por causa dessa insistência, mas aprendi a ver essa diferença. Alguém com a habilidade do diálogo muito bem desenvolvida que quer seu bem vai tentar usar isso o máximo possível. Justo. Não é por mal, muito pelo contrário.
Só que temos que entender que nem sempre o que nos serve, serve para os outros. Digo com grande grau de confiança que a maioria de nós não tem essa desenvoltura toda para concatenar os sentimentos e necessidades numa comunicação clara. E isso não é crime não, claro que devemos nos focar em melhorar sempre, mas não adianta dar murro em ponta de faca. Falar com uma pessoa que não está pronta para falar é uma forma de violência que tem que compensar muito para valer.
Até porque gera uma reação negativa. Mexer com algo na hora errada normalmente só vai jogar o problema ainda mais fundo dentro das proteções internas da pessoa. Tudo nessa vida tem hora, e nem todas são agora. Não estou nem perto de dizer que o silêncio é sempre a melhor resposta, mas que ele é necessário no processo de auto-análise de quase todos nós. Não adianta colher o fruto verde. A lógica é que na maioria das vezes que você for falar com uma pessoa emburrada, ela não está no clima para falar, e não vai reagir positivamente. É estatística.
E aí entra o falso positivo da tendência de confirmação: se você vai cutucar uma pessoa que está emburrada e uma vez ela reage bem, tirando o problema do peito e chegando numa conclusão, parece que essa era a resposta desde o começo. Que bastava cutucar. A verdade é que na vez que você cutuca E a pessoa está pronta para falar, o resultado é positivo. O que não podemos esquecer é que pessoas prontas para falar não precisam de muita pressão para falar, basta oportunidade. As vezes que você pressiona alguém para falar e não dá em nada positivo são esquecidas e sua memória lembra das vezes que funcionou, trazendo o “mérito” da resolução para você, e não para o outro, que fez todo o esforço de se abrir para aquilo.
Eu adoraria que fosse verdade o ponto da Sally, porque isso significaria que existe controle nas relações humanas, que tem uma ação que resolve independentemente da vontade do outro. Infelizmente não é verdade, cada cabeça tem seu timing de resposta e análise, e não dá pra forçar isso de fora. O que se pode e deve fazer é deixar o canal de comunicação aberto. Não custa pentelhar a pessoa para dizer que ela pode falar com você, mas não é necessariamente positivo fazer a pessoa falar com você.
Existem muitas defesas no ser humano, e gente de má vontade faz tudo mal feito. Ir pra cima de alguém na defensiva por medo ou confusão só vai gerar a reação negativa relacionada com o sentimento original. A pessoa precisa resolver boa parte de seus próprios problemas antes que outra consiga ajudá-la no processo. Não existe esse controle. Adoraria que existisse, mas não é assim que a banda toca.
Na dúvida, deixa a pessoa remoer o que ela precisa, deixe-a saber que assim que ela for capaz, você vai escutar, mas não adianta ir fuçar no que não está pronto ainda, até porque você vai mexer num sentimento no meio do caminho e provavelmente mexer com o desenvolvimento dele, criando um fato falso para o futuro. O que você mexeu antes da hora simplesmente retorna depois, talvez até mais perigoso do que antes.
Fechar a comunicação é realmente horrível, mas abrir ela na força não é a solução também. Tudo nessa vida tem seu tempo.
Para dizer que não quer falar sobre isso, para dizer que é só pose porque eu não tenho nada por dentro, ou mesmo para dizer que sempre faz o mais fácil: somir@desfavor.com
SALLY
O que fazer quando uma pessoa está emburrada e se recusando a conversar sobre um assunto: insistir ou deixar quieta?
Salvo situações excepcionais (trabalhamos com a regra geral nesta coluna), acredito que o melhor seja insistir. Se a pessoa está fazendo questão de externar que existe um problema, isso é um pedido claro de ajuda ou de socorro. No geral, quem não quer falar sobre um assunto, esconde muito bem escondido qualquer sintoma sobre o assunto, justamente para evitar perguntas. Se não conseguiu esconder, é sinal que a coisa é grave e impactante demais para ser ignorada.
Eu já pensei de forma contrária, como pensa a Madame. Mudei de ideia com o tempo. Sem dúvidas, deixar a pessoa quieta é muito mais fácil, porém, se você se importa realmente com a pessoa, ignorar não é a melhor saída. Não estou dizendo que tem que cutucar a pessoa de forma chata e insistente até ela falar, existem outras formas mais dignas de fazer brotar uma conversa adulta.
Supõe-se que estamos falando de uma pessoa que seja importante para você, caso contrário, não existiria sequer espaço para insistir. Se você realmente se importa com a pessoa, então a prioridade tem que ser resolver o problema, qualquer que ele seja. Conversar é fundamental, ainda que no final das contas a pessoa não queira falar sobre o assunto em si, ela pode explicar como está se sentindo e te ajudar a entender a situação e como você pode ajudá-la.
Sou fã do diálogo, não tem jeito. Nem que seja um diálogo para que eu entenda por qual motivo a pessoa não quer dialogar sobre o assunto. Ao menos as coisas ficam esclarecidas, não dão lugar a fantasias, medos e mal entendidos. Um dos grandes problemas em relacionamentos é gente presumindo e depreendendo errado. Então, se a pessoa não quer conversar sobre o que quer que a esteja aborrecendo, que ao menos converse sobre o sentimento de não querer falar, assim o outro pode compreender sem ficar angustiado.
Na verdade, acredito que as pessoas no geral não tenham essa sutileza de compreender que uma coisa é falar sobre o assunto que te aborreceu e outra é falar sobre os motivos em não querer falar do assunto que te aborreceu. Se há um problema desconhecido, se há algo importante não dito pairando entre as pessoas, o mínimo que se pode fazer é conversar sobre isso, ainda que sem entrar no tema: “não é com você, não se preocupe, preciso entender melhor as coisas para poder falar da melhor forma possível” ou qualquer coisa do tipo.
Quando uma pessoa tem um problema e não fala sobre ele, nem sempre é uma escolha racional. Muitas vezes a pessoa não o faz por alguma dificuldade, até mesmo de entender o que sente. Feio virar as costas para a dificuldade alheia, talvez a pessoa não esteja falando por precisar de ajuda para entender ou falar. Talvez esteja com medo, por você não criar um ambiente seguro para um diálogo aberto. Talvez ela precise que você mostre que se importa. Enfim, talvez uma infinidade de coisas, que você não vai descobrir se apenas virar as costas e deixar a pessoa quieta.
Eu sou chata, eu cutuco mesmo. Podem perguntar para a Madame. Eu não sou cachorro para acatar comando sem entender o motivo. Se a pessoa não quer conversar, eu quero compreender os motivos e entender qual é a minha parcela de culpa nesse não querer falar. E, muitas das vezes em que cutuquei a pessoa para falar, acabou sendo muito proveitoso e desfiz vários mal entendidos.
Pentelha, eu? Não acho. Se a pessoa realmente não quer falar, ela que dê um jeito de não externar que existe algo errado. A partir do momento em que a pessoa muda seu comportamento, ela faz uma comunicação não verbal de um problema e passa a ter a responsabilidade de esclarecer as coisas, pois afeta e preocupa o outro. Ninguém é obrigado a ficar tentando adivinhar ou imaginar o que está acontecendo. Ao causar uma preocupação no outro, nasce um dever de esclarecer minimamente as coisas, ainda que seja sem entrar no assunto principal.
Dá vontade de deixar pra lá? Dá sim, um saco que a pessoa seja mal resolvida a ponto de externar algo e se recuse a conversar sobre isso. Mas, todos nós temos defeitos, fraquezas e dificuldades. A coisa digna a fazer com quem tem uma dificuldade é ajudar, por mais que isso seja trabalhoso e sacal e por mais que o filho da puta do interlocutor se irrite com sua ajuda. Relacionamentos (de qualquer natureza) não são fáceis e demandam trabalho na manutenção.
Assim como muitas doenças, os problemas costumam ser resolvidos com mais facilidade quando os enfrentamos no começo. Com o tempo eles crescem, ficam mais fortes e mais difíceis de vencer. Problema se mata ainda filhote. Se a pessoa que detém o problema, por alguma fragilidade ou incapacidade, não está sabendo lidar com ele a ponto de nem conseguir falar sobre o assunto, cabe a quem a quer bem auxiliar nesse processo, antes que o problema aumente de tamanho. Se deixar a pessoa quieta e o problema crescer, pode ser tarde demais para resolvê-lo.
Respeitar a individualidade do outro é essencial. É por isso que não pego celular de namorado escondido para olhar mensagens. Bem diferente de quando uma pessoa externa um problema, deixa clara sua existência, te participa daquilo, ainda que de forma não verbal. Aí ela te dá o direito de se preocupar, de se esforçar para resolver, de tentar entender o que está acontecendo.
Você foi envolvido no problema, o problema te afetou. E, a partir do momento em que você toma consciência da existência de um problema que está impactando sua relação, é muita covardia apenas virar as costas e deixar a pessoa sozinha com ele. Me recuso a fazer isso.
Para dizer em tom de deboche que nem todo super-herói usa capa, para dizer que amar é deixar em paz ou ainda para dizer que eu estou exagerando e que os problemas se resolvem sozinhos: sally@desfavor.com
Não creio que os problemas se resolvam sozinhos. Também não vejo utilidade alguma em esperar o sol nascer.
Mas jogar mais combustível numa fogueira que já esta acesa…
Então eu aguardo os ânimos se acalmarem e volto a abordar o assunto.
É que nem sempre o não falar quer dizer que tenha uma fogueira acesa. Muito pelo contrário, pode ser o fogo se apagando e se você esperar pode ser tarde demais…
É.
Neste caso, sim.
Costumo a tentar o diálogo uma única vez Na verdade nem sei bem o que eu acho certo ou errado, penso que cada situação é bem diferente. Mas nesse caso concordo mais com o Somir.
Difícil , mas eu tbm não consigo fingir que não estou vendo. Somir tem razão quanto a habilidade de dialogo c, oisa que não tenho e acabo perturbando a pessoa em questão. Paciência, mesmo assim eu falo. ,
Se tem uma coisa que eu aprendi levando muita porrada é que problemas não se resolvem sozinhos!
Tô totalmente com a Sally! Aliás, por mais que eu não goste de falar de problemas, sentiria um certo “descaso” se pessoas próximas não se interessassem…
Eu concordaría 100% com o Somir, mas por uma incrível coincidência eu acabo de sair de uma situação dessas. Portanto eu também concordo com a Sally.
No meu caso eu me afastei de uns amigos meus. Daqueles amigos que em um ano de conhecidos já eram de levar pra sempre. Em resumo, foi quando comecei a gostar de uma guria do grupo e falei de uma maneia não muito clara pra um amigo. No fim das contas, esse meu amigo e a guria ficaram juntos. Me senti “traído”. Até conversei com os dois sobre isso, mas então me afastei do convívio. Fiquei mais de um ano sem falar com ninguém, passava do lado e nem as horas dava. Nesse meio tempo eu sentia raiva deles, saudade, inveja, quando descobria que levavam esporro eu dava risada, via fotos deles em festa e dava risada lembrando das bobagens que falavamos. Até que aprendi a conviver com a falta deles e não “sofria” mais, entendi que merdei tudo por não me expressar bem, mas sem saber ainda tinha ressentimento. Era uma cicatriz que eu fechei e quando doía eu lembrava que tinha fechado e esquecia. Foi então que semana passada (no meu aniversário), o cara que namora a guria me deu um livro de presente e falou que se sentia mal por eu ignorar todo mundo. Então eu me peguei pensando tudo isso de novo e tive o que eu chamei de epifania: entendi que toda essa situação de merda fui eu que causei por que não tive coragem de dizer o que sentia pra uma guria incrível e tive inveja de um amigo que ficou com ela. Sally e Somir tem razão ao meu ver, segundo o meu caso. O silêncio e a distância me ajudaram por que eu pude entende o que sentia e me dei conta de como dava valor aos meus amigos, mas entendi a minha culpa quando tive um diálogo novamente. Como a Sally disse em outro texto: é mais fácil projetar a culpa no outro do que aceitar a culpa pra si. Eu pude aceitar realmente a minha culpa quando tive diálogo.
Obrigado pelo texto!