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Números…

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| Desfavor | | 29 comentários em Números…

William Bonner se tornou um dos assuntos mais comentados na noite desta quarta-feira (06) no Twitter por conta de seu posicionamento no “Jornal Nacional” ao anunciar o crescimento dos números de mortes por conta da Covid-19 (…) “Você já nem deve lembrar, mas, na quinta passada, eram 5.901. Os números vão aumentando desse jeito, cada vez mais rápido, vão dando saltos. E vai todo mundo se acostumando”, disse o jornalista (…) LINK


Desfavor e Globo concordando? Está na hora de levar isso a sério. Mas parece que o brasileiro médio está achando que não é com ele… Desfavor da semana.

SALLY

Você sabe que o fim do mundo está próximo quando o Jornal Nacional e o Desfavor falam mais ou menos a mesma coisa. Quão grave tem que ser uma situação para que o William Bonner concorde 100% com a gente? Todos os meios de comunicação, por mais diferentes que sejam as linhas editoriais, estão falando a mesma coisa, mas estar alinhados com o Jornal Nacional é algo que não acreditávamos ser possível.

Por qualquer que seja o motivo (irrelevante para o ponto deste texto), chama a atenção que a Globo apresente argumentos similares ao Desfavor, que sempre se propõe a trazer um novo ponto de vista e contestar o status quo. Ao que tudo indica, o assunto chegou num ponto tão crítico que todos os polos estão alinhados no mesmo discurso.

O que o Bonner falou a gente vem repetindo faz anos: essa desconexão que o brasileiro tem entre o abstrato e a realidade. Por algum motivo, provavelmente negação, esses polos não se conectam. A pessoa sabe uma coisa em tese, mas se porta como se isso não existisse. De diferentes formas, o brasileiro se aliena da realidade e protela qualquer atitude para resolver problemas. E isso não é de hoje, por causa da pandemia. É desde sempre, com sua vida pessoal, com sua vida profissional, basicamente com tudo.

O brasileiro sabe tudo sobre a pandemia, até aquilo que nem a CIA nem a OMS são capazes de provar. Te diz “a verdade” sobre onde o vírus começou e por quais motivos ele se espalhou. Te conta mil teorias da conspiração que podem ou não ser verdadeiras. Mas o básico, que é ficar em casa, não pedir delivery, não pedir prestação de serviços em casa, fazer sacrifícios, sair apenas quando é estritamente necessário e tentar conscientizar os outros, isso ele não faz.

As pessoas têm respostas para tudo, teorias para tudo, mas não parecem ter a capacidade de colocá-las em prática. Um grande mal do brasileiro, seja ele um intelectual, seja ele um iletrado, é ser cheiro de teses, ideias, invenções e ser incapaz de executá-las. O brasileiro não é um bom executor, nem mesmo na sua vida pessoal.

É capaz de ficar anos em um relacionamento falido mesmo com todos os indícios de que aquilo apodreceu. É capaz de ficar anos em um emprego de merda onde está infeliz e se sentindo injustiçado. É capaz de ficar anos com um problema de saúde e não cuidar do corpo ou fazer o que tem que ser feito para controlar o problema. E não é por desconhecimento, é por incapacidade de execução. Mas na hora de desfilar teorias, teses, ideias, achismos, todo mundo é muito bom. O resultado a gente sabe qual é: um povo acomodado, desacreditado, incompetente. Só que agora, a repercussão é mundial.

O brasileiro sempre foi aquele pobre endividado que vai pro Twitter dizer o que Paulo Guedes tem que fazer para melhorar a economia. E, até aqui, ficou impune. Mas agora, estão macaqueando sob o atento olhar internacional. Existirão consequências para o vexame que o brasileiro está dando, incapaz de executar o que tem que ser executado para evitar um massacre de mortes no país.

Não é apenas um vexame internacional, é a visão que o mundo vai passar a ter dos brasileiros, que certamente fechará portas para todos vocês. Por muito menos do que isso japonês ficou com fama de pau pequeno e judeu de pão duro. Pensem no grande asterisco que vai acompanhar a nacionalidade brasileira daqui pra frente. O brasileiro tem que aprender a olhar para a realidade e executar atos de acordo com ela.

E o primeiro passo para se olhar para a realidade é olhar para a sua realidade. Basicamente, a vida de uma pessoa se divide em: família, amigos, relacionamento amoroso, profissão, corpo e mente. Se esses campos da sua vida estão exatamente do jeito que você gostaria que estivessem, se você está plenamente satisfeito com todos eles, então faça o que bem entender. O corpo tá ok? Tá saudável? Tá no peso certo? A mente tá ok? Tá saudável, tá equilibrada? Belezinha, faz o que você quiser.

Mas se não, irmão… Faça um favor a si mesmo e em vez de olhar para fora, foca em olhar para dentro e sair desse atoleiro, mudando o que pode ser mudado. É simplesmente ridículo ver uma pessoa com a vida fodida te “esclarecendo a verdade” sobre o que está acontecendo no mundo, gastando seu tempo com fofoquinha política, teoria da conspiração e similares. Para de se distrair com o externo e resolve tudo que tem para resolver interno, caso contrário, vai viver à base de bebida, remedinho, de qualquer anestésico, pois o interno, de tempos em tempos, vai transbordar por falta de cuidado.

É a mesma crítica que fazemos sobre um país sem esgoto para metade da população, mas que se preocupa com pronomes neutros. Se suas relações com família, amigos, amorosas, profissionais, com seu corpo ou com sua mente não estão em seu melhor, desculpa, mas é uma puta negação ficar olhando para fora, conjecturando sobre Bolsonaro, sobre Moro, sobre estarem enterrando caixões vazios ou qualquer outra coisa externa. Tenham vergonha. Limpem sua casa antes de querer arrumar a casa dos outros.

Mas o brasileirinho continua correndo para reabertura de shopping com saxofonista na entrada (tinha que ser um instrumento que impeça o uso de máscara, não é mesmo?) e, quando o número de infectados triplica, parece que não entende o que aconteceu. Não passa a se portar como quem sabe que sair na rua faz disparar o número de casos. Continua achando exagero.

A informação está lá, mas a pessoa não assimila. Provavelmente até meu cachorro entende que se você reabriu o comércio e, pouco tempo depois, os casos triplicaram e estão começando a sair do controle, deve, quem sabe, existir uma relação entre um e outro. Mas o brasileiro se recusa a fazer essa conexão. Medo, negação, alienação da realidade, imbecilidade… pouco importa o motivo, não dá mais para viver assim, pois agora a vida de vocês está em jogo.

E não me refiro a pessoas que precisam sair para trabalhar para colocar comida na mesa a seus filhos. Falo de gente que poderia ficar em casa, mas não fica, pois, apesar de ter todos os dados para executar um lockdown, por alguma falha, não vêm necessidade de que isso seja posto em prática. Gente que defende publicamente que as medidas contra o covid-19 são um exagero, gente que presta um desserviço à sociedade com seus achismos, quando deveria olhar para seu próprio rabo e tentar melhorar a vida patética que leva.

Enquanto os casos sobem, ele se preocupa em te contar como o vírus escapou de um laboratório chinês, ou que o Bolsonaro tem uma gravação secreta contra o Moro, ou qualquer outra coisa do tipo. Irmão, tá morrendo muita gente todo dia, vamos focar em como ajudar? Como colaborar? Como não piorar a situação? É como se as pessoas estivessem em meio a uma guerra, com sua cidade sendo bombardeada e ficassem falando sobre o amante que a vizinha tem. Qual é o problema de vocês? Bando de mulherzinha fofoqueira!

Olhar para a própria vida nem pensar. Olhar de frente para o que está acontecendo no Brasil nesta pandemia ninguém quer. Gente morrendo sem atendimento, corpos em frigoríficos nos hospitais, funerária colapsando, covas rasas, mas a pessoa continua se portando de forma desconectada com a realidade. Parece aqueles casais que se desrespeitam, se xingam, falam mal um do outro, se agridem, mas postam foto de casal feliz em rede social. Varrer a realidade para debaixo do tapete virou um modo de funcionar do brasileiro.

Morreram mais de sete mil pessoas no Brasil, seus idiotas! Quando morreu metade disso no atentado às Torres Gêmeas o brasileiro se comoveu. Vocês têm merda na cabeça? Quando cai avião e morre 300 pessoas vocês ficam na internet escrevendo #Luto. O que está acontecendo para que não entendam a dimensão dessa pandemia?

Em qualquer país que leve essa pandemia a sério, a situação é encarada como uma guerra: sacrifício, comedimento, luto. Se você ficar de fofoquinha, de achismo ou bundeando na rua é considerado um idiota imprestável, completamente alheio e inadequado à realidade. O brasileiro está se portando como um adolescente aos olhos do mundo todo, é muito vergonhoso – e vai ter consequências.

A pior parte é: não se pode negar a realidade eternamente. Em algum momento ela esfrega sua cara no chapisco. Se assimilar essa pandemia gradualmente já é indigesto, imagina a bomba que não vai cair na cabeça de quem ficou se distraindo, negando ou simplesmente não assimilou. Tomar consciência do que está acontecendo de uma hora para a outra, em um choque de realidade, vai ser gatilho de muitos casos de síndrome do pânico, depressão e até de suicídios.

Eu lamento, lamento mesmo por tudo que está acontecendo. Lamento inclusive por mim, que estou me tornando uma pessoa pior. Uma pessoa que não consegue sentir pesar quando finalmente a realidade bate à porta do outro, esfrega sua cara no asfalto e ele precisa de antidepressivo, de ansiolítico ou de um caixão para a mãe. Só consigo pensar: colheu o que plantou. Difícil ter empatia por quem põe em risco a vida das pessoas que você ama.

E, assim como eu, muitas pessoas cansadas dessa negação da realidade (seja a própria ou a do país) estão ficando cada vez mais sem empatia, sem paciência, sem tolerância. A imbecilidade e negação do brasileiro está despertando sentimentos ruins, não apenas no Brasil, mas ao redor do mundo. As pessoas estão tão indignadas que acham “bem feito” quando a realidade arregaça alguém. A tentação de tripudiar é enorme.

Chega, Brasil. Ninguém aguenta mais o encalhado que precisa pagar puta se quiser fazer sexo dando lição sobre mulher. Ninguém aguenta mais o endividado devendo o cu no cheque especial dizendo o que deve ser feito na economia. Ninguém aguenta mais a pessoa que toma quatro remédios tarja preta ensinando como cuidar da mente. Ninguém aguenta mais idiota que não cumpre quarentena te dar uma lição falando “a verdade” sobre o vírus.

Caiam na real. Tá ridículo esse comportamento adolescente. Olhem seus problemas e os do país de frente e limpem a bagunça que encontrarem em vez de viver de achismos.

Para dizer que acha justo tripudiar de quem põe a vida das pessoas que você ama em risco, para me contar “a verdade” sobre o Sérgio Moro (fonte: seu achismo) ou ainda para me contar “a verdade” sobre o Coronavírus (fonte: seu cu): sally@desfavor.com

SOMIR

Ações valem mais que palavras. E olha que eu adoro palavras: seja na hora de falar ou escrever, eu sempre tento fazer uma construção interessante, usar metáforas, analogias, inserir assuntos paralelos… me faz bem achar uma frase “perfeita” para a situação ou encontrar um argumento sólido numa discussão. Adoraria que o mundo funcionasse dessa forma, só com palavras. Mas não é o caso: no final do dia, o que realmente conta é o que você faz, não o que diz.

A pandemia e a crise que se sucede com ela é um terreno fértil para as palavras. A tentação de buscar teorias mirabolantes ou mesmo ir contra a correnteza é grande: imagina só vencer algo tão preocupante só com ideias diferentes? Se você sabe uma verdade que ninguém mais sabe, você se sente poderoso, no controle. E se ainda consegue iluminar a mente alheia, torna-se útil, um ser social especialmente valioso que transmite o conhecimento para as pobres almas ignorantes ao seu redor.

Pra ser bem sincero, eu tenho inveja de quem está sentindo isso agora. Eu queria estar mais no controle, eu queria me sentir como alguém poderoso que está ajudando a humanidade com sua verdade. Lutando contra as elites malignas explorando o cidadão comum. Imagina só? Minhas palavras como espada e escudo dos fracos. Senso de propósito e valor pessoal. Pena que a realidade está no meio do caminho.

E na realidade, minhas palavras não vão me dar essa sensação. Não consigo me enganar dessa forma quando falamos do coronavírus. Conspirações não tem graça quando elas tornam suas ações perigosas para você e suas pessoas queridas. Não há muito glamour em ficar em casa, passar álcool gel em todas as compras que faz, ficar com o cabelo desgrenhado, não poder coçar o nariz que cisma em coçar só quando você está no supermercado de máscara… não me sinto poderoso assim.

Mas, nem tudo na vida é do jeito que queremos. Se eu quero reduzir as chances minhas e das pessoas “presas” em casa comigo de contrair a doença, são essas as ações necessárias. São coisas pequenas, que não impactam muita gente, mas são as coisas que tenho que fazer. O meu poder está resumido a isso por um bom tempo. Diante dos fatos que o mundo me apresenta agora, as ações têm que ser essas. Eu e as pessoas com as quais eu me importo ficarão protegidas. Talvez nem do vírus em si, mas pelo de lidar com o caos do sistema de saúde enquanto lutam com uma doença potencialmente mortal.

Sim, a maioria de nós vai pegar a doença. A discussão sobre a doença acabou ainda no surto de Wuhan, sabíamos o grau de perigo ali mesmo. Tudo o que se faz hoje em dia é relacionado com a capacidade limitada dos hospitais. É por isso que você lava as mãos, é por isso que você deveria ficar em casa e usar máscara quando for obrigado a sair. Todas essas pequenas ações existem para você ou para as pessoas com as quais você se importa terem um leito disponível no hospital caso precisem. É só para evitar mortes totalmente evitáveis. Tem gente que não tem chance quando pega, são uma minoria, mas infelizmente existem. Tem gente que precisa de um apoio hospitalar para sobreviver, e são por elas que fazemos tudo isso.

Quantos desses quase 10.000 mortos no Brasil faziam parte do segundo grupo? De pessoas que só precisavam de uma estrutura médica decente? Quantos dos próximos mortos farão parte desse grupo? Será que um deles vai ser você ou alguém próximo? É sobre isso que estamos falando e sobre isso que aparentemente o Brasil está esquecendo.

Porque o brasileiro está desistindo de agir e começando a se esconder atrás das palavras. Os mortos se empilham em estatísticas, e a coisa começa a parecer abstrata demais para esse povo. A negação da existência do vírus ou da sua letalidade bem maior que qualquer gripe já começa a ficar indefensável para muita gente, mas quem ainda quer viver no mundo das palavras acha muitas formas de negociar com a realidade: reabre uma loja que é tudo menos essencial, mas deixa a porta meio fechada. Como se a realidade tivesse alguma disposição à negociação. Você aumentou a sua chance de pegar e de passar para todos que convivem com você. O vírus não se preocupa com a economia e não está interessado em fazer concessões.

Essa negação coletiva do poder das ações começa pelo presidente, um completo maluco, até mesmo os governadores, cuja coragem foi se esvaindo lentamente ao ponto de não termos lockdown de verdade até agora. O Rio declarou lockdown “parcial” que não vai impor de verdade. São Paulo está ameaçando tipo aquelas mães sem moral: “olha, se não fizer isolamento eu vou pegar o chinelo… eu estou indo pegar o chinelo… olha que eu vou…” As coisas só andam quando um juiz força as cidades a agir dessa forma. E como o Judiciário brasileiro é pura aleatoriedade, não conte que isso vá acontecer na sua cidade.

Como o Brasil parece ser tarado por imitar os EUA, podem acreditar que nossos números vão acabar muito parecidos com os deles. Por lá também foi uma bagunça de cada um fazer do seu jeito, sem coordenação entre esferas governamentais e regiões. E como os americanos foram descobrindo na prática, não dava para contar muito com regras claras para se proteger do vírus. Pior, sem uma resposta organizada do poder público, o espaço para negadores e conspiradores aumenta consideravelmente. Se você fica abismado com as besteiras nos nossos WhatsApps, ficaria horrorizado com o grau de estupidez e negação que acontece no país onde mais morrem pessoas por Covid-19 no mundo.

Lá e aqui os governos falharam terrivelmente, e tudo ficou nas costas da própria população. Lá e aqui esse vácuo de poder foi preenchido por gente de baixo desenvolvimento intelectual, gente que se esconde atrás de palavras vazias e teorias bizarras para se sentir especial, e de estelionatários com proteção do Estado como pastores evangélicos. Só resta ao cidadão comum fazer uma escolha entre a ilusão da segurança das palavras ou a assustadora mundanidade de pequenas ações de proteção pessoal.

Se você escolher as palavras, vai ter uma gratificação instantânea de se sentir mais esperto e valioso, se escolher as ações, pode salvar vidas de verdade e não perder pessoas queridas. Pare de negociar com quem não vai negociar com você, o coronavírus está acontecendo de verdade.

Para dizer que são só palavras, para dizer que todo mundo vai morrer mesmo, ou mesmo para dizer que a Globo finalmente comprou a gente: somir@desfavor.com


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