Pandemia sem fim.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse que ao menos 23 países reportaram casos da variante de coronavírus Ômicron, enquanto os especialistas estudam como a nova cepa afetará a transmissão, gravidade da doença e a eficácia de vacinas. “Pelo menos 23 países de cinco das seis regiões da OMS já relataram casos de Ômicron e esperamos que este número cresça”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em coletiva de imprensa ontem. “A OMS leva esse acontecimento muito a sério, e todos os países deveriam fazer o mesmo”. LINK


Vacinação desigual, negacionistas e o povo forçando a barra para acreditar que já acabou. Não vai terminar bem… Desfavor da Semana.

SALLY

O desfavor da semana nem é o surgimento da variante Ômicron e sim a constatação do quanto as pessoas ainda não entenderam nada ou não se importam. A atitude do Brasil e do mundo diante da nova variante mostra que não vamos sair dessa pandemia tão cedo.

Já temos quase dois anos de pandemia, na era da informação rápida, com todos os meios de comunicação falando exaustivamente sobre isso. Dava para ter aprendido o básico do básico.

Mas não. Ao que tudo indica, para entender o básico do básico é preciso uma base de conhecimento que o brasileiro e boa parte do mundo não tem e que, infelizmente, não pode ser adquirida em pouco tempo.

Em um primeiro momento o brasileiro prendeu o fôlego quando viu uma variante “com mais de 50 mutações” (como se isso fosse sinônimo de perigo). Mas depois, quando se declarou que, nos poucos casos por amostragem que foram tratados, os sintomas pareciam “fracos”, muita gente relaxou e voltou a se comportar como se não houvesse pandemia. Isso é fruto da incapacidade de abstração e da compreensão de eventos a longo prazo.

Se você comer um prato de bacon hoje, você morre ou passa mal? Não. Se você comer um prato de bacon por uma semana você morre ou passa mal? Provavelmente não. Se você passar anos comendo um prato de bacon por dia você morre ou passa mal? Provavelmente sim.

Existem coisas que não causam um mal imediato, mas que podem representar um perigo a longo prazo, com um efeito acumulativo. E a maioria das pessoas, principalmente o brasileiro, tem dificuldades em entender e antever isso: “se não me mata hoje, imediatamente, não é perigoso”.

Vamos estabelecer uma coisa: nós já entendemos que não tem a mais remota possibilidade do Brasil ou do mundo se comportar de forma decente durante a pandemia. O ser humano falhou nesse quesito. Esse trem já partiu.

Por isso, quando a gente dá conselhos de não sair se não for indispensável e coisas do tipo, não temos mais esperança de que a coletividade vá se conscientizar e se portar de acordo ao interesse comum. É única e exclusivamente para quem a gente gosta não ser varrido pela próxima tsunami quando/se ela chegar.

Existem consequências em deixar o vírus circular como estamos fazendo. E me refiro ao mundo todo, não apenas ao Brasil. Tá uma zona a condução dessa pandemia: país com terceira dose sobrando e país onde nem profissional de saúde foi vacinado. País que aceita que negacionista não se vacine. País que, diante de uma variante mais contagiosa ainda não vacinou as crianças e as está deixando circular. Tá tudo errado.

Isso não acaba bem. O vírus está circulando mais do que deveria e mutando muito e muito rápido. Pode ser (e tomara) que ele nunca consiga chegar a um escape vacinal completo. Pode ser que ele sequer tenha essa capacidade, não importa a merda que façamos. Mas pode ser que tenha.

E nós estamos ajudando o vírus: mantendo ambientes desiguais onde ele consegue entrar e se espalhar em meio a não vacinados para depois encontrar a barreira dos vacinados como “treinamento” para uma mutação que tenha escape vacinal.

Rio de Janeiro está com 98% da lotação esgotada e paga para o ano novo e o prefeito Eduardo Paes já disse que tanto ano novo como carnaval estão mantidos. Não adianta que todas as outras cidades do Rio de Janeiro fechem e não façam festas se o Rio vai fazer, pois as outras cidades não têm autonomia para fechar as fronteiras com o Rio de Janeiro e, fatalmente pessoas contaminadas vão transitar pelo resto do país.

O mesmo, em maior escala, vale para o mundo: nenhum país pode ficar com as fronteiras fechadas para sempre e como o vírus continua circulando e criando novas variantes, fatalmente elas vão acabar chegando a todos os continentes, como já aconteceu com a Ômicron.

“Mas Sally, então qual é a solução?”. Não tem solução. Vamos ter que vivenciar esta pandemia por bastante tempo. E é com base nessa premissa que nós passamos a aconselhar a todos vocês daqui para frente: ninguém aprendeu nada, ninguém entendeu nada ou ninguém quer fazer nenhum esforço: tenham isso em mente quando forem tomar decisões referentes à saúde de vocês e dos seus. Hora de começar a pensar na melhor forma de passar por isso contando com a imbecilidade/incompetência alheia.

Infelizmente, diante da imbecilidade humana consolidada, temos que aprender a viver com constante risco do coronavírus sair do controle novamente. Cada um de nós vai ter que decidir quais são os riscos que vale a pena correr, sabendo desta realidade. Todo mundo tem que sair para comprar comida, para compra remédio, para ir ao médico… mas ninguém é obrigado a sair para ir a festa, a viagem ou a jantarzinho.

E não queremos tomar essa decisão por ninguém, o que queremos é que vocês tenham todas as informações para decidir e não tomem decisões com base em informações erradas. Por isso sempre que acharmos que temos algo importante a ser levado em conta para essa decisão, vamos postar um FAQ. Por hoje, o que temos para te dizer é que cada vez que você sai de casa, mesmo com todos os cuidados, é um risco para você e para a coletividade. Só corra esse risco quando for muito necessário.

Hoje, a constatação é que a humanidade falhou. Não foi capaz de se unir, de se organizar, de amparar os mais vulneráveis para que todos estejamos protegidos. E o que costuma acontecer com grupos que não conseguem se unir e fazer o que for melhor para a coletividade em matéria de sobrevivência não costuma ser bom. Saibam que estamos plantando merda, por isso, tudo indica que vamos colher bosta. Tomara que não, tomara que tenhamos uma grande sorte… mas eu não contaria com isso.

Ainda tem muita gente que não percebeu que a realidade mudou e insiste em se manter na realidade antiga. O pré-2020 não volta, por mais que você faça questão de viver exatamente como antes. Os desdobramentos que esta pandemia está tomando nos obrigam a fazer mudanças no nosso trabalho, no nosso lazer, na nossa vida. Você pode fazer agora, no amor, por opção, ou pode fazer depois, na dor, por necessidade. Mas mudança vai ter, por bem ou por mal.

Se em dois anos o ser humano não entendeu ou não aprendeu a se portar de acordo com esse entendimento, não vai acontecer. Resta torcer para que o vírus tenha baixa capacidade de tirar proveito disso, mas estando preparados caso o vírus consiga.

Cada decisão de sair de casa deve ser pensada levando em conta a inconsciência que te cerca. Sei que ninguém quer escutar isso, mas pode ter outra tsunami se formando. E quem sai para bundear quando há risco de tsunami pode acabar sendo levado pela onda.

Para dizer que o Atila Iamarino disse que já podia sair, para dizer que a Ômicron é só uma gripezinha ou ainda para dizer que trancado estava, trancado continua: sally@desfavor.com

SOMIR

Estamos indo para janeiro de 2022, e a pandemia que começou em janeiro de 2020 continua em atividade no mundo. Em janeiro de 2021 já estávamos escrevendo aqui que um ano era tempo suficiente para entender a situação na qual nos encontrávamos. Dois anos então? Já não tem mais desculpa alguma para não saber o que está acontecendo.

O coronavírus veio para ficar. O jeito que ele vai ficar depende da forma como vamos lidar com a situação. Do jeito que a coisa vai, com países chegando na terceira dose enquanto vários outros nem conseguiram aplicar a primeira… estamos oferecendo um ambiente perfeito para as variações. É o mix perfeito de pressão evolutiva por causa dos vacinados e capacidade de reprodução nos não vacinados.

A Ômicron, salvo uma grande surpresa, ainda não é a variação que vai inutilizar as vacinas, mas é um aviso. Nenhuma outra espécie além da humana é capaz de entender esse tipo de aviso, a natureza está nos dizendo que não é por falta de imaginação nas mutações que o vírus vai sumir. Podemos escolher prestar atenção nessa dica ou podemos deixar tudo nas mãos do acaso.

Tem muita gente nesse mundo, o suficiente para aguentar virtualmente qualquer doença apenas pela força dos números. Seria uma estupidez dizer que a humanidade corre risco com o coronavírus e suas variações, mas não é nem um pouco exagerado dizer que nossa qualidade de vida e ritmo de evolução social e tecnológica podem sim ser impactados por uma doença como a Covid.

Eu acredito que o principal problema em relação à pandemia é de comunicação. Explico: o vírus não é tão assassino ao ponto de colocar o ser humano médio em modo de defesa da própria existência, as grandes ameaças são muito mais… sutis. Como a Sally bem disse, existe uma questão de análise de risco no longo prazo, o que frequentemente não funciona bem no cidadão médio; mas também podemos falar sobre como os efeitos negativos da pandemia vão se misturando com a vida cotidiana do ser humano até serem tratados como um mero fato da vida.

“Se fosse para ter medo de tudo, eu não fazia mais nada da vida.”

O que é uma frase racional. Não podemos deixar probabilidades assumirem o controle sobre nossa existência. Ter medo excessivo de sofrer pode até ser uma doença mental. A vida exige lidar com riscos constantes, e saúde mental passa por algum nível de ignorância seletiva sobre os perigos que estão ao nosso redor. Então, sim, eu concordo que não dá para desistir de viver por causa de uma doença que nem é tão letal assim.

O que a gente defende aqui é uma abordagem minimamente equilibrada. Sim, a doença não pode tomar conta da sua vida e te fazer viver com medo, mas não, não devemos ignorar que ela existe para fazer isso. Existe um meio termo, e esse meio termo tem uma dose considerável de sacrifícios. Não estamos mais no mundo onde o coronavírus é uma raridade, é uma doença que se espalhou pelos quatro cantos do mundo e está sofrendo mutações em provavelmente bilhões de pessoas nesse momento.

Argumentamos sobre a vida no mundo onde essa doença existe. Graças ao estado avançado da ciência no século XXI, desenvolvemos vacinas em tempo recorde e conseguimos derrubar o número de casos fatais em menos de um ano. Se uma pessoa viva no tempo da Peste Negra soubesse que em questão de meses a humanidade achou uma forma de proteger boa parte da população mundial, acharia que era intervenção divina.

Então, é claro, não precisa ser totalmente pessimista: tem vacina, e já estão avançando com remédios. Vamos comemorar essa vitória, mas sem esquecer que o problema não foi resolvido de vez. A próxima meta é vacinar a imensa maioria das pessoas, o que alguns países já conseguiram, mas outros não. Na África do Sul a vacinação estava lenta. A gente batia muito no Brasil pelo atraso na vacinação porque sabia que na média mundial, era um dos países com maior potencial de vacinar todo mundo rapidamente. Só não faria se não quisesse. E por vários meses, não quis.

O que não é a realidade ao redor do mundo. Países ricos e desenvolvidos penaram para organizar sistemas de distribuição e aplicação de vacinas, mas até por serem ricos e desenvolvidos, eventualmente deram conta do recado. O maior problema deles são os negacionistas. Mas em vários outros países desse mundo, une-se falta de dinheiro, conhecimento e mobilização popular em prol da vacina. Por isso acabamos com um continente africano com menos de 10% de vacinados mais de um ano depois do surgimento das vacinas.

E aí, começa a ficar difícil lidar com o vírus. Se ele pode se reproduzir livremente em alguns lugares e treinar contra as vacinas em outros, a chance dele dar de cara com uma variação que burla o efeito protetivo das vacinas é muito maior. E mesmo em países com coberturas vacinais mais razoáveis (como é o caso atual do Brasil), a bagunça de cada cidade e estado agir como bem entender é suficiente para igualar o perigo de países cheios de negacionistas.

É como se o mundo todo estivesse no time coronavírus, metade se esforçando para treinar o vírus, metade financiando sua existência. Como eu já disse antes, não é como se esse fosse o fim da humanidade, mas é uma receita de desastre do mesmo jeito. Um desastre mais sutil de ir aumentando a desigualdade e constringindo a economia global até entrarmos numa era de estagnação miserável que pode demorar muito tempo para acabar.

Você que lê o Desfavor já sabe: existem formas de reduzir a chance de você ou das suas pessoas queridas sofrerem com a doença, mas além disso, eu acho bom colocar na cabeça que salvo uma mudança considerável de mentalidade na humanidade, é bem provável que ainda tenhamos outros momentos de preocupação extrema com o coronavírus. Continuem atentos.

Para nos chamar de alarmistas (a gente pode fazer bem pior se quiser), para dizer que a vacina não funcionou (olha o número de mortes), ou mesmo para dizer que só morre quem vive: somir@desfavor.com

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