Dia: 4 de agosto de 2009

Capital ou interior?

A disputa de hoje é uma das mais antigas entre Sally e Somir. Ambos tentarão expor quais as vantagens de seus locais preferidos para se viver.

Tema de hoje: Quem oferece a melhor qualidade de vida? Capital ou interior?

Somir

Interior. O mundo está mudando e a qualidade de vida está se afastando dos grandes centros. Tendência comprovável pelo grande número de empreendimentos imobiliários longe do centro das cidades e a consolidação de várias “cidades-dormitório” ao redor das capitais.

A idéia de que vida civilizada só pode ser encontrada em capitais (ou gigantescos centros urbanos) é do tempo do guaraná-de-rolha. O mais curioso é que esse tipo de mentalidade atrasada (entulhe milhões de pessoas num mesmo lugar e viva melhor) acaba sendo perpetrado JUSTAMENTE por quem deveria ter se mantido atualizado por viver nas grandes capitais.

O mundo ficou bem menor. Internet, meios de transporte modernos, democratização do conhecimento e enriquecimento de localidades fora dos eixos chamados centrais contribuíram para tornar o interior um rival de peso para as maiores cidades do país.

Claro que o interior não é perfeito. Mas, as capitais também não são. Não existe esse tipo de lugar utópico. O que existe, como sempre, é um (des)equilíbrio entre vantagens e desvantagens decorrentes de uma escolha.

Quem escolhe a capital tem mais opções de consumo e maior diversidade étnica e cultural. Mas tem de lidar com a constante falta de segurança pública, congestionamentos, poluição excessiva e caos social. (Não se coloca tanta gente junta num espaço tão pequeno sem comprometer a qualidade de vida. Lógica simples.)

Quem escolhe o interior costuma ter quase todas as vantagens (em menor escala) do que quem vive na capital, convivendo com os alguns poucos problemas (em escala ABSURDAMENTE menor) do que seus vizinhos “da cidade grande”.

Sim, no interior a chance das pessoas tentarem controlar sua vida é maior. Mas, uma pessoa que se deixaria mudar por causa disso por definição já não tinha muita personalidade para ser modificada em primeiro lugar, não? E sem contar que essa tal de “vigilância” de cidades pequenas está mais na mente de quem sofre com isso do que quem realmente faz. Uma pessoa paranóica e insegura é paranóica e insegura em qualquer lugar.

Capital ou interior: A proporção de pessoas racionais em relação às atrasadas é basicamente a mesma. Conheço pessoas de cidades minúsculas que não precisam fingir ser outras pessoas para se relacionarem bem. Aliás… Cá entre nós: Os (As) jovens mais liberais estão na capital ou interior? Quem tem a menor experiência com esses locais sabe muito bem que esse recato interiorano não se sustenta na hora da verdade. Pessoas são pessoas, onde quer que morem. Com um grupo de mentalidade parecida, qualquer um fica mais à vontade.

Inclusive, hoje em dia, os locais onde se tem mais liberdade de inovar não são mais as capitais. Gerações reprimidas foram corrigindo os erros de seus antepassados e modernizando pouco a pouco a mentalidade de suas cidades.

As favelas das grandes cidades, ao contrário, estão soltando cada vez mais evangélicos. Divirtam-se se tornando cidades-estado ultraviolentas e fanáticas religiosas, capitais. Nós, do interior, temos um mundo para evoluir.

Estou batendo mais na tecla da mentalidade, ao invés de partir para o ÓBVIO que menos gente, menos carros e menos balas perdidas fazem um lugar mais agradável de se viver. E faço isso por um motivo: Pessoas de capitais costumam achar que o interior é uma novela da Globo! É incrível como os que se dizem tão modernos ainda estão presos num preconceito criado pela ficção!

Se você não mora em uma fazenda, (e não sei se as pessoas sabem, interior não é sinônimo de fazenda de forma alguma) sabe que cidades do interior estão cheias de opções de consumo, lazer e cultura. E com a vantagem de não ter que arriscar a vida a cada vez que coloca o pé para fora de casa.

Quer comprar um vinho às 04:00 da manhã? No interior você consegue. Quer fazer o mesmo numa capital? Você também consegue, isso se tiver coragem de sair de casa essa hora. Quem tem mais liberdade e opções mesmo?

Sem contar que parece que quem defende capital tem dificuldade com matemática simples. Num universo de 6.000.000 de pessoas, encontra-se uma quantidade enorme de qualquer tipo de pessoa que se quiser. Num universo de 1.000.000, obviamente os números serão menores. É mais ou menos como se alguém dissesse que a cidade pequena de 100.000 habitantes é atrasada por ter um só banco considerando que a capital de 10.000.000 tem cem. Se a cidade pequena abrir mais um, vai ser 100% mais moderna que a capital? Isso é argumentação golpista.

Existem diversas cidades do interior ainda mais ricas e desenvolvidas do que grande parte das capitais. Interior não é sinônimo de mato há pelo menos uns 40 anos. As grandes cidades do interior já não devem quase nada (além de nome) para as maiores capitais. As pessoas já estão se acostumando com um estilo de vida urbano até mesmo nas mais acanhadas cidades do país.

Não posso falar por zonas rurais, já que nunca vivi em uma. Posso falar sobre o interior (onde vivo) e sobre a capital (que frequento habitualmente).

Espero que Sally diga alguma coisa que não pareça a descrição de um cenário de “nova novela das seis na globo” sobre o interior. Por que isso não me engana, eu sei que ela conhece relativamente bem pelo menos a MINHA cidade de interior.

Para dizer que eu sou um caipira, para dizer que vai me ajudar a convencer a Sally a se mudar para minha cidade ou mesmo para dizer que odeia tanto a minha cara companheira de blog a ponto de querer que ela nunca saia da cidade mais perigosa e violenta do Brasil: somir@desfavor.com


Sally

Ao contrário do que já fiz diversas vezes aqui no Ele Disse, Ela Disse, desta vez não posso afirmar que eu estou certa e Madame está errado. Existem pessoas que se beneficiam mais vivendo em uma cidade de interior e existem pessoas que se beneficiam mais vivendo em cidade grande. Posso dizer que EU sou mais feliz em cidade grande.

Para começo de conversa, o asfalto e demais ingredientes de uma cidade grande acabam com a natureza, acabando com os bichos que eu tanto odeio: lagartixas, rãs, libélulas e cia. Sim, o que para muitos é desvantagem, para mim é vantagem. Eu odeio a natureza. Eu odeio canto de passarinho pela manhã. Se vivesse no campo com certeza compraria uma espingarda. Tudo bem que na cidade grande tem uma ou outra lagartixa, mas porra, no interiorrrr costuma ter muito mais fauna e flora.

Eu gosto de luxo e conforto. Não sou uma pessoa desprendida de bens materiais (me aguardem na minha próxima encarnação como besouro de esterco!). Essa coisa bucólica e simples de interior me dá calafrios. Gosto de ter um dia lotado, gosto de ter diversas opções e gosto de ter recursos, no sentido de ter infraestrutura. Gosto de desfilar meu salto agulha, gosto de andar maquiada (leia-se: excessivamente maquiada). No dia que me virem regando plantinhas de macacão jeans, pode me socorrer porque estou dopada no melhor estilo “Encaixotando Helena”.

Gosto de ter muitas opções: muitos médicos disponíveis, muitas academias disponíveis, muitos restaurantes disponíveis, muitas lojas disponíveis, muitas livrarias disponíveis… eu poderia ficar até amanhã citando. Gosto de ter diversas opções de horários. Surtaria em um lugar onde tudo fecha às 20hs. Gosto de poder andar arrumada (leia-se perua), gosto do glamour.

A variedade e tolerância que se tem em uma cidade grande me é de enorme valia porque eu me beneficio dela. Se você é uma pessoa normal, padrão, não precisa viver em um lugar tolerante, porque acompanha a média. Eu não estou dentro do padrão de pessoa normal. Eu gosto de um lugar como minha cidade, onde você pode ir à praia de burka ou de topless porque simplesmente tem de tudo e todos são tolerantes porque estão familiarizados com a diversidade. Em uma cidade de interior, ou eu teria que mudar meu estilo de ser/vestir/falar/portar ou seria apontada na rua e teria minha credibilidade questionada.

Eu gosto de diversidade. E pago o preço para tê-la, porque acho que diversidade enriquece, enquanto que padrões empobrecem. Pago o preço do custo de vida caríssimo, da violência urbana, da desigualdade social, da poluição e de todo o resto. Porque aqui é um leão por dia que se mata para continuar empregado, para continuar casado, para continuar saudável e assim por diante. Dá trabalho, mas gratifica. Desafios são bacanas.

Para aqueles que são mais evoluídos e conseguem levar uma vida pacata e feliz em uma cidade calma de interior, não tenho mais nada a oferecer que minha sincera inveja (sim, desta vez com “i” mesmo). Deve ser uma delícia relaxar e se permitir uma rotina calma e minimamente previsível. Mas não serve para mim, eu sou uma criatura urbana e me acho sortuda por morar em uma cidade que tem uma das paisagens naturais mais bonitas do mundo (nenhuma cidade de interior ganha das belezas naturais do Rio de Janeiro na minha opinião) e ao mesmo tempo ter uma vida comercial e noturna variada. Daqui não saio, daqui ninguém me tira.

Claro que há momentos em que a violência urbana chega perto demais e dá raiva, dá medo e a gente pensa em sair. Mas francamente, não me vejo saindo daqui. Eu preciso de tribos diferentes, eu preciso de pessoas sem preconceito, eu preciso estar em um lugar onde um casal homossexual sente do meu lado e possa trocar altos beijassos de língua em plena luz do dia. Essa é a minha casa.

A rigidez de uma cidade de interior me mataria, porque eu não sou uma pessoa rígida, eu não sou uma pessoa rotineira e eu não sou uma pessoa certinha. Essa hipocrisia que paira em cidades de interior, onde na rua todo mundo faz pose e em casa esconde seus esqueletinhos bem lá no fundo do armário me deixa doente. Famílias tradicionais com suas merdalhadas debaixo do tapete e pose de tementes a Deus me fazem querer distância. Só o fato de pensar em conviver com gente que vai ficar controlando meus passos e julgando me aborrece profundamente. Quer fazer aqui na internet? Fica à vontade, porque eu desligo o botão e vou para minha vida real, onde nada disso me afeta. Mas ao vivo e a cores, todos os dias, é foda.

E não pensem que eu sou baladeira, porque nem sou. Já fui mais. Eu quero simplesmente PODER TER A OPÇÃO. Não tenho vocação para a hipocrisia que demanda viver em uma cidadezinha de interior. Não sei fazer o jogo social. Não sou do tipo que dorme em quarto separado do namorado porque ainda não casou. Aliás, eu não sou nem do tipo de que casa… (toc!toc!toc!). Não sei viver uma mentira e sorrir para os vizinhos tirando onda de família de comercial de margarina.

Não que todos os que vivem no interior sejam assim. EU teria que ser assim em função do meu jeito de ser, das minhas escolhas e do meu trabalho, teria que viver de mentiras sociais para não ser apontada na rua. Se eu sair com uma roupa de academia que eu uso aqui, na cidade de Madame (que tecnicamente, nem é de interior propriamente dita), a população local vai me perseguir com tochas ao cair da noite. Questão de escolha, não troco ar puro, silêncio e paz pela liberdade de exercer minha individualidade sem repressão.

Para me dizer que depois desse texto ficou comovida e acha que o Somir tem que vir morar no Rio de Janeiro, afinal, é muito importante para mim viver aqui, para dizer ao Somir que morando no bairro da Urca você tem interior em cidade grande e para me pilhar a escrever textos nas férias do desfavor e postar no Sally Surtada: sally@desfavor.com