Excelência branca.

Quando você começa a olhar alguns dos cantos menos vigiados da internet, as pessoas mostram partes de si que não costumam ver a luz do discurso público. Ou, numa frase mais simples, as pessoas ainda são muito preconceituosas quando não tem patrulha e cancelamento por perto. Uma ideia que sempre aparece nessas situações é a de que homens brancos são o padrão de excelência da humanidade, e qualquer variação desse padrão é uma redução de qualidade óbvia. Tem motivo para pensar assim?

Você pode não pensar assim, e para falar a verdade, nem acho lógico pensar assim, afinal, homens brancos existem em todas as configurações possíveis de capacidade e esforço, alguns comprometidos com excelência, outros completos inúteis. Não é inteligente presumir esse tipo de superioridade inata, mas o meu ponto aqui é que isso não apareceu num vácuo.

E sim, o motivo principal é uma sequência histórica de privilégios derivados das superpotências europeias invadindo e controlando o resto do mundo: aumente os recursos disponíveis para um povo e ele começa a ter uma vantagem de começar a estudar e aperfeiçoar novas tecnologias, e se sua sociedade se desenvolver de forma patriarcal, com a mulher relegada a cuidar apenas da casa, a tendência acumula e acabamos com uma representação desigual do grupo de homens brancos excepcionais em basicamente todas as áreas de conhecimento humano.

Eu acredito de verdade que ciência não tem obrigação social e política nenhuma, que conhecimento é conhecimento e a gente faz o que quiser com ele depois; ou seja, nunca tive chiliques de ler estudos que pontuam diferenças físicas e intelectuais sobre espécies. A minha conclusão até aqui é que por mais que obviamente não sejamos todos iguais, não existe nenhuma limitação real para que basicamente todos os grupos humanos desenvolvam inteligência avançada dadas condições ideais.

A maior prova disso é a massa de homens brancos estúpidos e limitados que fazem parte da sociedade e o reconhecimento de cada vez mais gênios e inventores vindos de outras combinações. Não acredito em superioridade racial inata porque os números não corroboram com isso e ainda é impossível analisar o fator racial separado do resto. Provavelmente vai ser impossível isolar essa variável para sempre, o mundo tende à mistura de DNAs e a “abrasileiração” da espécie humana.

Então, ao mesmo tempo, pode-se demonstrar como homens brancos conseguem atingir níveis de excelência com mais frequências que outras combinações, mas não podemos dizer que existe algum fator inato para isso. Sobra a hipótese mais lógica do ambiente e acúmulo de vantagens sociais. Eu concordo que é um erro do ponto de vista da justiça social que um grupo tenha tantas chances extras de sucesso, muitas vezes em detrimento de quem “nasce errado”; mas a forma de lidar com o problema me parece cada vez mais estranha.

Reconhecer que existe ao mesmo tempo uma combinação de privilégio e excelência do homem branco é essencial para desbloquear esse privilégio e excelência para todo mundo. Quando você só olha para o privilégio, acaba ignorando como isso é valioso para chegar nos melhores resultados, você acaba com lacração e revanchismo, discutindo se matemática é racista.

E ao contrário, se você olha para a excelência e só para a excelência, cria uma ideia errada de que qualidade do trabalho é uma característica inata do homem branco. O que não só é racismo descarado, como também é receita de fracasso: excelência é definida por pessoas que vão muito além da média, não é o cidadão médio que vai te ajudar com isso. Não adianta nascer de um jeito, tem que fazer o esforço para ir até o final da curva de distribuição para se tornar um expoente.

O que o privilégio permite ao homem branco é reduzir um pouco a dificuldade de buscar os limites da capacidade intelectual, aumentando o número de membros desse grupo que consegue chegar lá. A tal da excelência do homem branco existe sim, ele estatisticamente consegue colocar mais gente lá no limite das nossas capacidades do que a média de outros grupos. E pensar assim não é sinônimo de acreditar que homens brancos nascem melhores.

Da forma mais torta possível, a humanidade conseguiu demonstrar um caminho mais simples até a inteligência extrema. As cobaias do método foram homens brancos pelos últimos séculos, provavelmente milênios. Se a pessoa nascer num ambiente cheio de recursos, tiver acesso a contatos que também tem muitos recursos e liberdade de explorar seus interesses sem tanta pressão social para fazer outras coisas, a chance de “chegar lá” aumenta. Aumenta tanto ao ponto de realmente a maioria dos expoentes intelectuais da espécie serem homens brancos.

Essa parte não está errada. O caminho de privilégios que cria uma chance um pouco maior de formar gênios inovadores é um método provado de sucesso. Dito isso, o foco obviamente deveria ser em transformar o que é privilégio em norma. Se você começasse a dar aos indianos esse tipo de privilégios, um grupo de mais de um bilhão e meio de pessoas começaria a produzir gênios em escala industrial em algumas gerações. Eu digo isso porque mesmo numa miséria terrível milenar, esse povo vive soltando gênios matemáticos. Se você aumentar a chance de 0,00001% para 0,0001%, produz dez vezes mais gênios com a mesma população!

Agora, se você começa a achar que esse tipo de análise é inerentemente racista por constatar que homens brancos tiveram mais sucesso (mesmo tendo toda a capacidade de entender que não foi por causa do pênis ou da falta de melanina), você vai para o péssimo caminho de retirar privilégios e reduzir a chance global de produzir gênios, inventores, artistas… é aquela história do caranguejo no balde: quando um tenta sair de lá, os outros agarram nele e não deixam sair.

Foi e ainda é muito errado explorar grupos diferentes para gerar essas vantagens para o homem branco, mas não pode ser questão de retirar esses privilégios de todo mundo para deixar mais justo. Esse tipo de “justiça caranguejo” de trazer para baixo quem está saindo do balde pode até ser agradável no curto prazo, mas custa excelência com o acúmulo de gerações. Especialmente se você não prestar atenção na ordem dos privilégios…

Cotas para mulheres, negros, índios, transexuais e todo tipo de grupo que ganhar relevância política suficiente são uma forma de diminuir a desvantagem acumulada em relação ao “padrão ouro” do homem branco. Eu entendo onde está o coração de uma medida dessas e nem acho que seja algo maligno, mas será que essa é uma forma de entregar privilégios que realmente desemboquem na excelência?

Como dito anteriormente, o privilégio se acumula para gerar uma chance maior de excelência. Não é uma coisa ou outra, são “juros compostos” de oportunidades na vida que facilitam um pouco mais a chegada em capacidades elevadas de produção científica e cultural. Só chega nesse ponto se tiver as etapas anteriores. É muito discutível se enfiar uma cota lá no final do processo realmente emula esse tipo de privilégio.

Pelo menos em escalas de tempo de uma vida humana. Talvez depois de uns três séculos de cotas tenhamos chegado no ponto onde as chances de começar a vida com privilégios seja comum para todas as raças, mas o que acontece com a produção de excelência nesse meio tempo? Este texto vem muito na esteira de casos de grandes empresas, especialmente no meio de entretenimento, que na sanha de ganhar pontos de justiça social (obrigadas, é claro) começaram a trocar homens brancos por qualquer coisa diferente. A taxa de sucesso não anda boa, com prejuízos enormes tanto no cinema quanto nos games.

Evidente que tirar homens brancos preguiçosos e limitados não faz diferença nenhuma, mas estamos vendo que nesse mesmo barco estão sendo retirados alguns membros muito produtivos desses mercados. Gente que estava em posições de poder por capacidade mesmo. Isso é enfrentamento de privilégio sem fomentar cultura de excelência, mais ou menos como ignorar uma mulher competente para dar a promoção para um homem menos capaz só por ser homem.

Isso é danoso não só para os negócios, mas também para a qualidade do que cada empresa entrega para os clientes. Se você só cria uma ilusão de equilíbrio com cotas e contratações por raça, sexo ou orientação sexual, você enfraquece o processo da mesma forma que estaria enfraquecendo se só contratasse ou desse promoções para homens brancos independentemente da qualidade do seu trabalho. Selecionar humanos por características inatas costuma ser uma péssima ideia em trabalhos intelectuais. Você vai perder muita gente boa e acabar com decisões terríveis tomadas por incapazes.

Agora, se você internaliza a ideia de que o privilégio do homem branco é responsável por aumentar a minúscula chance de produzir gênios e/ou pessoas muito mais produtivas que a média, você pode começar a olhar para o mundo de forma mais realista: nós queremos o maior número possível de pessoas excepcionalmente produtivas e talentosas, e sem querer querendo séculos de opressão europeia nos mostraram um caminho para aumentar as chances de pessoas que passam da média. Cortar isso do homem branco não necessariamente oferece para o resto da população humana. Se o objetivo final for fazer um grupo humano “voltar para a média”, talvez consigamos, mas ao custo de reduzir o número de expoentes para a média pré-privilégio. E considerando quanta evolução tecnológica e social vivemos nesses últimos séculos, não é uma boa ideia.

Os números se acumularam em nosso benefício, dos homens brancos e todo mundo além deles. A missão tem que ser entregar o privilégio de forma generalizada até ele deixar de ser privilégio e virar padrão. A partir de um ponto onde todo ser humano nasce numa casa com capacidade de oferecer nutrição e estímulo intelectual avançado, acesso a saúde e educação de qualidade e boas oportunidades de emprego e desenvolvimento técnico, são oito bilhões (ou mais) na loteria da genialidade.

E nessa, quanto mais participantes, mais vencedores. O privilégio funcionou para gerar excelência, o erro nunca vai ser a existência dessas condições especiais, e sim como tem pouco gente se aproveitando dele. A proporção de homens brancos vistos como acima da média não pode diminuir, a proporção de outros grupos que não tiveram os mesmos privilégios tem que aumentar. E só vão aumentar de verdade se entendermos que não em atalho no final do processo, homem branco só consegue o que consegue porque em média começa em condições melhores.

E sim, a tendência atual é que homens brancos sejam desproporcionalmente representados como as pessoas mais competentes e inteligentes do mundo. Não tem nada biológico impedindo que o grupo aumente com todo tipo de participante, e é dessa linha que temos que partir: somando excelência, não demitindo ela para colocar alguém apenas como enfeite no lugar. Os homens brancos e todo o resto do mundo agradecem se usarmos os recursos que temos agora para fazer as coisas funcionarem melhor.

É feio e criminoso que tenhamos acabado com essa diferença na média, mas para ficar bonito não faz o menor sentido jogar fora material humano útil. Se eu fosse presidente do mundo, a primeira coisa que eu faria é criar um projeto global poderoso de nutrição na primeira infância, arrancando verba de quase tudo para garantir a primeira etapa do privilégio para todo mundo. Só vai funcionar quando todo mundo puder jogar o mesmo jogo. E o jogo não é só lá no final da educação com acesso a vagas com requisitos de entrada mais baixos, ele acontece principalmente no começo.

Ninguém nasce melhor, mas muita gente cresce melhor. É isso que faz a diferença.

Para me chamar de racista, para me chamar de lacrador, ou mesmo para dizer que eu não tenho lugar de fala: comente.

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Comments (12)

  • “A maior prova disso é a massa de homens brancos estúpidos e limitados que fazem parte da sociedade e o reconhecimento de cada vez mais gênios e inventores vindos de outras combinações. Não acredito em superioridade racial inata porque os números não corroboram com isso e ainda é impossível analisar o fator racial separado do resto”.

    De forma paralela, fico pensando se esse raciocínio poderia se aplicar ao Japão como experimento, tendo em vista a reticência do país à miscigenação (e à concessão de (dupla-)cidadania à descendentes e residentes permanentes) perante decrescentes taxas de natalidade. Nesse sentido, com a previsão de que a população caia até a metade por volta dos anos 2050, 60, seria inevitável a ascensão de pessoas vindas de outras combinações por literalmente falta de gente.

  • Somir é corno manso

    O desfavor está se tornando aquilo que criticou todos esses anos. Ah não. Esqueci que sempre foi assim. Ainda me pergunto porque venho aqui… Deve ser porque tenho nostalgia dos tempos em que perdia o meu tempo comentando aqui. Cada ano, vocês só pioram.

    Adeus, bando de retardados que se acham geniais. Mais uns high IQ idiots… Portlandia te espera. Menos o Canadá que já está virando uma índia misturada com china e haiti.

    • Eu também me pergunto por qual motivo você continua vindo aqui.
      E mais: me pergunto, por qual motivo, mesmo tendo dito que não viria mais, tem outros comentários com esse mesmo IP.
      Dizer que não vem mais e continuar voltando é tão vergonhoso…

    • Racistinha de internet é lacrador com sinal invertido, burrice pura. Pode ir embora, não faço questão aqui. Mas vai embora mesmo, porque a maioria que declara isso fica aqui chorando depois.

    • Aqui temos o exemplo do efeito da má alimentação na primeira infância: baixa cognição e incapacidade de interpretação da informação.

  • Excelente análise Somir, mas o ponto é que fazer isso dá trabalho, custa caro e parece que ninguem quer pagar essa conta…

    • Investir em excelência pra que se a lógica que dá as caras na alta roda é de “alicate tem, né?” pra pior?

      Bem mais fácil dar moral pra tokens identitários pra dar uma moral e vender uma imagem de “governança ética” pras empresas ocidentais, enquanto a concorrência chinesa sai estourando mundo afora.

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