Etarismo significa preconceito com uma pessoa por causa da sua idade, normalmente no contexto de tratar pessoas mais velhas como menos capazes ou desejáveis para diversas funções na sociedade. Também é uma daquelas palavras que nunca eram ditas, mas que rapidamente entraram no vocabulário da humanidade moderna. Não acho ruim discutir o tema, mas tem algo que me incomoda na forma como ele sempre aparece em notícias e discussões…

Talvez eu esteja acompanhando as fontes erradas, mas eu não me lembro de ler críticas ao etarismo em outro contexto que não mulheres querendo ser reconhecidas pela beleza depois de uma certa idade. Na prática, etarismo acaba sendo o conjunto de críticas que mulheres mais velhas recebem quando tentam expor seus corpos na mídia.

Vamos estabelecer algumas coisas primeiro: se uma mulher nos seus 40 ou 50 (e até mais) anos posta uma foto dela que acha bonita, vestida de forma recatada ou tentando sensualizar, é babaquice ir até ela para reclamar, chamar de velha, acabada, caída… direito seu achar o que quiser da aparência do outro, mas sair do seu caminho para estragar o dia alheio só para estragar o dia alheio sempre vai ser babaquice.

Não podemos esquecer também que com a tecnologia e o conhecimento do século XXI, muitas pessoas estão pra lá de bem cuidadas depois que a juventude para de carregar sozinha a tocha da beleza física. Realmente existem os casos de pessoas que estão realmente bonitas e conservadas se exibindo por orgulho genuíno na internet e são criticadas por completos imbecis.

Agora, também vemos muitos casos de mulheres que perderam o fio da meada e acham que é a mesma coisa sensualizar aos 20 anos e sensualizar aos 60 (tipo Madonna), mulheres que fizeram cirurgias demais, que parecem palhaças de tanta maquiagem… é importante saber diferenciar quem está se exibindo de forma saudável e quem está deixando um problema mental tomar a direção da vida.

Ir encher o saco da modelo que está mais velha e resolveu tirar uma foto ou fazer um vídeo porque estava se sentindo bonita naquele dia é muito diferente de chamar atenção de gente que por algum problema mental ou por más companhias, ignorou a questão básica da passagem do tempo no corpo humano. Eu diria que é quase instintivo perceber a diferença entre uma pessoa que está com a cabeça em dia e a que não está. A gente percebe o ridículo, e o ridículo está alguns passos à frente de confiança na própria aparência.

O problema que eu vejo aqui é que a palavra etarismo acaba sendo usada nos dois contextos. E não é a mesma situação, nem de longe. E saber diferenciar as coisas é mais e mais importante com o passar das décadas: mais e mais pessoas vão se sentir bem da meia idade para frente, mais e mais pessoas vão continuar no mercado de trabalho e na mídia depois das idades nas quais nossos avós se aposentavam e “sumiam” do mundo.

Temos sim que pensar sobre etarismo, porque a dinâmica de funcionamento da humanidade muda quando pessoas se mantém viáveis na sociedade por muito mais tempo que seus antepassados. Algumas por vontade, outras por necessidade. Lembrando que o número médio de filhos está diminuindo ao redor do mundo e que já vemos uma grande quantidade de idosos sem filhos aparecendo na sociedade. Isso só tende a aumentar. Algumas pessoas vão continuar inteiras por décadas a mais do que esperávamos no passado, e desse grupo, uma parte cada vez mais considerável vai continuar precisando ficar muito ativa por não ter filhos e netos para tomarem conta delas.

O mercado de trabalho ganha muito se conseguir criar vagas para pessoas mais velhas, condizentes com suas capacidades, porque experiência conta muito se bem aplicada. Colocar idoso para mexer em estoque ou passar pano em chão é burrice/maldade, mas em funções mais intelectuais ou que exijam habilidade mecânica apurada (de baixo impacto), podem fazer muita diferença.

Então sim, estamos numa era da evolução social que pede um novo entendimento sobre envelhecimento. Vínhamos do paradigma de esconder os velhos em casa e esperar sua morte, mas não só os velhos demoram muito mais para morrer, como também não gastaram seus corpos em tarefas extenuantes debaixo do sol durante a vida. Sobra mais energia na reserva do tanque.

Agora, se a conversa sobre envelhecimento estiver sempre conectada com uma mulher de meia idade que fica puta da vida por ter sido criticada no Instagram, a gente perde o foco da coisa. Discutir etarismo é discutir a compreensão e aceitação das mudanças que vem com a idade. É olhar para o ser humano em questão e não presumir que ele envelhece da mesma forma que envelhecia em séculos anteriores. O velho de 2023 é um velho diferente. O que podemos fazer para utilizar esse recurso que a evolução tecnológica nos deu? A pessoa idosa não precisa mais ser apenas um ralo de recursos da previdência social, ela pode compartilhar conhecimento e girar a economia.

Se etarismo virar escudo para gente que não quer enxergar as mudanças inevitáveis que vem com o passar dos anos, vai só nos atrapalhar nessa transição entre o idoso do passado e o idoso do futuro. A pior coisa que a pessoa mais velha pode fazer é continuar agindo como se não tivesse envelhecido. Não é para ir para um canto e apodrecer longe da vista, é claro, mas é para adaptar sua vida à realidade.

Por isso que eu detesto ver basicamente todas as menções ao etarismo estarem relacionadas com uma mulher que viveu de exibir os glúteos durante sua juventude ficar horrorizada com a ideia de que não vai funcionar para sempre. Juventude é um recurso para ser utilizado, mas um recurso finito. Etarismo não é sobre todo mundo fingir que uma modelo, atriz ou cantora não envelheceu, é sobre mudar o preconceito sobre a função da pessoa mais velha na sociedade.

Ela ainda tem o que oferecer, mas que fique claríssimo que não são as mesmas coisas que tinha para oferecer durante a juventude. O tempo passa e tudo muda. Transformação é uma das únicas certezas da vida. A nossa sociedade não sabe muito bem o que fazer com as pessoas que dependiam demais da juventude para se manterem viáveis, isso precisa ser corrigido, porque o número de idosos vai subir vertiginosamente em boa parte do mundo. Eu até argumento que precisamos de todo um novo sistema de ensino para pessoas mais velhas, que as prepare para funcionar melhor no mundo, com funções e habilidade melhor talhadas para suas condições físicas.

Então, que se exploda o ego ferido da mulher que quer ter 20 anos para sempre, isso é problema mental e precisa de tratamento. Receber críticas por ter parado no tempo e não conseguir enxergar a própria realidade não é uma forma de etarismo, é apenas a verdade batendo na porta. Etarismo é um problema muito maior, é a incapacidade da humanidade se adaptar à nova realidade de pessoas vivendo muito mais tempo com muito mais capacidade física e especialmente intelectual.

Os sistemas previdenciários vão quebrar se isso não for bem planejado, os jovens vão ter dificuldades de entrar no mercado de trabalho porque os mais velhos vão continuar forçados a fazer os mesmos trabalhos de quando eram jovens, muitos com esse tipo de ilusão que nada mudou, que duas ou três décadas a mais de vida não fazem diferença. Fazem sim.

Etarismo como mecanismo de proteção de ego de gente fútil ou em negação sobre o passar do tempo é extremamente danoso para a ideia de correção de curso da humanidade que a discussão deveria trazer à tona. Repito: não acho razoável ir encher o saco da mulher que só postou uma foto no Instagram, primeiro porque se você só vai encher o saco, não está fazendo nada de útil com seu tempo; e segundo porque alimenta o vitimismo das pessoas fazendo mais mal à discussão necessária sobre o novo papel das pessoas mais velhas no mundo.

Nem sei se a gente precisava mesmo dessa palavra, mas já que ela se impôs sobre nós, não custa tirar algum valor dela.

Para me chamar de velhofóbico, para me chamar de velho, ou mesmo para dizer que vitimização é o vício do milênio: somir@desfavor.com

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Comments (12)

  • A questao do etarismo é muito importante no contexto da Saúde Pública. É só ver o exemplo da COVID-19. No comecinho, quando achou-se que só matava os velhos, “não era tão grave”.

    • Bem lembrado.

      Eu diria inclusive que o alerta que o Somir faz nesse texto é muito pertinente, ainda que pareça um tanto quanto tardio no contexto lógico da Quarta Revolução Industrial.

      Tem uma série de pontos que eu pontilharia, mas convém eu deixar isso pra outro momento.

  • Tem medo de envelhecer = atestado de falta de personalidade
    Velhice é inevitável não importa quantos procedimentos você fizer, mas personalidade, inteligência e conhecimento são pra sempre. Ser apenas um rostinho bonito, um depósito de porra ou uma fábrica de porra não sustenta nenhuma carreira e nenhum relacionamento por muito tempo. São 2 indivíduos vazios se masturbando um ao outro, até um se cansar da aparência do outro e ir buscar outros indivíduos pra despejar e/ou receber porra.

  • Nossa, eu já ouvi etarismo relacionado a preconceito com idade de gente mais nova, quase sempre imatura e sem noção, e que não sabe se comportar num ambiente empresarial, no mercado de trabalho.

    Sobre o texto, ponto importante: se a gente não reaver a configuração da sociedade em relação aos idosos, ao mercado de trabalho e a aposentadoria, realmente vai dar ruim nos próximos anos. Difícil é fazer o povo ter consciência disso.

    • “Nossa, eu já ouvi etarismo relacionado a preconceito com idade de gente mais nova, quase sempre imatura e sem noção, e que não sabe se comportar num ambiente empresarial, no mercado de trabalho.”

      Cansei de ver gente já há muito passada dos QUARENTA que ainda age exatamente assim, Ge.

  • Em relação a etarismo no mercado de trabalho, fico passada que empresas brasileiras parecem se recusar a contratar pessoas com mais de 40 anos. Às vezes até com 35 já são consideradas velhas

    • E pior que nem para aí.

      A pessoa precisa ser jovem, mas ter ensino superior, experiência de trabalho, outras qualificações complementares, e habilidades sociais, além de redes sociais que demonstrem de que essa pessoa tem uma vida social muito ativa. E é claro, sem falar nos “diferenciais” muito comuns no Brasil como religião certa, ter feito faculdade certa, morar no bairro certo, ter contatos, e ter aparência física assim ou assado.

      Quem consegue tudo isso antes dos 40 anos?

        • Enquanto isso, “há divergência em reconhecimento” de que o ideal DIEESE “4 pessoas” seja mais que o triplo disso e “o teto individual” do IN$$ também; aliás, muitos(as) aceitariam pagar taxa de passar de ambos né…

  • Ainda que a discriminação por idade seja uma realidade, isso é mais um pretexto usado por certas pessoas no afã de se venderem como vítimas das circunstâncias.

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