Democracia nuclear.

Com a tendência de redução de emissões de carbono, usinas nucleares voltaram a ser levadas a sério, depois de décadas de foco em descomissionamento. Sally e Somir entram em modo de derretimento de núcleo ao discutir o tema. Os impopulares emprestam sua energia ao tema.

Tema de hoje: energia nuclear deveria ser permitida a todos os países?

SOMIR

Sim. Usinas de energia nuclear são uma das maiores invenções da humanidade, e é um absurdo como ainda são tratadas de forma injusta pelo povão. Não me entra na cabeça como podem falar tanto de aquecimento global e uma das melhores soluções possíveis ficar escanteada atrás de preconceito e negação científica.

Eu sei que a Sally não é contra energia nuclear por princípio, mas o simples fato de querer proibir que todos os países tenham essa capacidade causa problemas muito parecidos. Por isso, eu começo meu texto falando sobre as vantagens da energia nuclear: ela é limpa, segura e ao contrário da energia solar e eólica, constante.

Em tese, a melhor alternativa possível seria 100% da nossa energia vir do Sol. Pega lugares pouco habitados e sem muita vida nativa e enche de células fotovoltaicas, se conseguíssemos cobrir o Saara, por exemplo, teria energia suficiente para tocar o mundo todo. Energia eólica e hidroelétrica tem seus problemas ambientais também, então mundo perfeito mesmo é usar a energia grátis do Sol, de preferência com coletores no espaço (que nunca ficam no escuro) que mandam a energia para cá.

Mas o mundo não é ideal. Temos que fazer concessões. Tantas concessões que a maioria da energia consumida no mundo ainda provém da queima de carvão, gás e derivados do petróleo. Mesmo países que investem pesado em energia solar e eólica ainda precisam compensar a variação inerente à sombra, à noite e aos ventos fracos queimando combustível fóssil.

Se você tem sorte de ter rios gigantescos aos montes como o Brasil, até pode se virar bem com hidroelétricas, mas em boa parte do mundo não é tão simples assim. Boa parte do mundo sofre para alimentar sua rede elétrica, e sofre com a poluição gerada por isso também.

Por sorte, o ser humano foi bem engenhoso e bolou uma alternativa espetacular: usar material radioativo para esquentar água e girar turbinas. Tudo fica isolado numa usina e no dia a dia o que ela só coloca vapor de água na atmosfera. Vários países correram para usar essa tecnologia e se beneficiaram imensamente de uma fonte de energia eficiente e limpa.

Mas aí aconteceu o acidente de Chernobyl, quando o já praticamente falido governo soviético cometeu uma série absurda de erros e causou um vazamento de material radioativo que escandalizou o mundo, ainda mais considerando como seus adversários ideológicos pularam na chance de fazê-los parecer ainda piores.

E começou uma onda de histeria global contra energia nuclear. Os americanos tinham petróleo basicamente infinito e zero preocupação com o meio ambiente, então não ligaram de bater palma para todos os malucos da época dançarem. Na Alemanha vimos a reação mais visceral: decidiram que iam acabar com todas as usinas nucleares. Decisão imbecil que piorou muito sua capacidade de gerar energia, os deixou dependentes da Rússia e ainda aumentou muito a poluição causada por queima de gás e carvão.

Recentemente, descobriram que o Partido Verde alemão mentiu no seu relatório dizendo que não tinha nenhuma forma de ter usinas nucleares seguras na época, quando os especialistas disseram que tinha sim. Lá já começaram a rever essa ideia maluca e pode ser que quem tenha adulterado o relatório acabe pagando o preço, afinal, é um país um pouco mais sério.

Não tinham duas usinas nucleares no mundo e uma falhou, tinham centenas funcionando perfeitamente, que provavelmente reduziram e muito o grau de danação do aquecimento global até hoje. Precisa se esforçar para fazer besteira numa usina nuclear minimamente bem administrada. Os russos se esforçaram, leia sobre Chernobyl para saber o grau de incompetência que eles precisaram chegar para ter o problema. No Japão precisou de um dos maiores terremotos da história, e mesmo assim, apesar de toda a histeria… Fukushima já está apta a receber população de novo, mas o governo local não quer lidar com os chiliques de ambientalistas, e japonês tem toda essa cultura de autopunição e vergonha. Se você não entrar na usina de Fukushima, que está totalmente isolada, está tranquilo até andar nas ruas ao redor.

Chernobyl foi um desastre, mas o único com alguma consequência severa. Os outros acidentes foram bem mais tranquilos. Morreu menos gente em problemas de usinas nucleares do que gente em problemas como hipopótamos! Existe uma histeria incrível com energia nuclear que confunde as pessoas: não é uma bomba atômica na sua vizinhança, são barras de material radioativo que ficam muito quentes dentro de uma enorme piscina e fazem a água ferver para girar uma turbina. Água bloqueia radiação, afinal, se não bloqueasse ela nunca ferveria, né? Você pode nadar numa piscina de contenção de combustível nuclear por horas e não ter problema nenhum.

E é aí que eu chego no meu ponto: até mesmo países subdesenvolvidos podem ter usinas nucleares. Porque é impossível fazer uma sem ter a tecnologia e os equipamentos feitos por quem é especialista no tema. Você nunca vai fazer a usina nuclear sem supervisão constante de gente muito bem treinada no assunto. Não vai ser um engenheiro brasileiro que dormiu durante as aulas que vai conseguir montar essa usina. Ela é complexa por definição: só gente muito preparada e inteligente pode montar uma.

É um ambiente de excelência se você seguir as regras. Existem pontes seguras em todos os países do mundo, existem usinas de queima de carvão em todos os lugares. Prédios não caem sem parar nem mesmo no Haiti (precisou de um mega terremoto, lembra?). A humanidade não começou ontem, tem jeito de fazer as coisas. A ponte não é inaugurada se não seguir as regras porque ela cai no meio da construção. Se você conseguiu terminar uma usina nuclear, ela tem que ser segura. Senão você aperta o botão para iniciar a operação e nada acontece. Não é mais o mundo de Chernobyl, onde os soviéticos faziam tudo no escuro e preferiam matar milhões do que admitir um erro.

Funciona em qualquer buraco. Falem o que quiser, mas a usina de Angra funciona. Não teve acidente nenhum. E a incompetência brasileira se manifesta em nunca conseguir terminar a obra: percebem como incompetência protege a usina de sequer começar a funcionar?

É ferver água, gente. Depois que você monta o básico é só ferver água. Energia nuclear é uma das melhores formas de gerar desenvolvimento humano sustentável no mundo, é absurdo como ainda estamos presos há quase 40 anos no passado, em pânico por causa do único acidente que realmente teve consequências terríveis na história. A tecnologia melhorou absurdamente, é à prova de quase todos os erros humanos, e mesmo quando eles acontecem, o sistema é planejado para mitigar contaminação.

Você só consegue ligar uma usina nuclear se ela for segura. O mundo todo tem que ter essa tecnologia, e seria bom começar agora, porque demoram uns 10 anos para botar uma para funcionar de verdade, tamanho é o grau de segurança utilizado nelas. Estamos em 2024 e a tecnologia avançou à prova de shithole.

Para dizer que não confia, para dizer que o ambientalista tem que acabar, ou mesmo para dizer que é mais seguro andar de carro do que de avião (vai nessa…): comente.

SALLY

Energia nuclear deveria ser permitida a todos os países?

Não. Não. Não. De jeito nenhum.

Vocês têm ideia do que significa o conceito de “todos os países” no mundo atual? Desde republiqueta corrupta com IDH negativo até países geridos por ditadores insanos, ególatras e que com delírio de grandeza.

Não me parece a melhor escolha deixar uma tecnologia que, se utilizada de forma incompetente, pode extinguir a raça humana. Afeta a todos nós. Por muito menos, coisas que afetam a todos nós já são reguladas e até proibidas!

“Mas Sally, não é você quem diz que o ser humano tem que acabar?”. Sim! Mas não gostaria que o nosso fim (você e eu incluídos) fosse de forma sofrida, lenta, gradual. Um meteoro que acaba com tudo na hora? Bem-vindo. Um planeta tóxico incapaz de gerar alimentos e de fornecer água potável e uma sociedade saindo no tapa para não morrer de fome? Passo.

Gente, não tem nada de novo aqui: quando falamos algo muito complexo que envolve sérios riscos é indispensável botar limites, pois o ser humano é um merdinha arrogante filho da puta que vai fazer mau uso de tudo que tocar.

Quando esse mau uso impacta os oito bilhões de pessoas do planeta, me parece apenas justo fazer uma peneira mínima para que só tenha acesso quem realmente parece estar preparado e tem competência para lidar em segurança com o que quer que seja. É garantia de que nunca vai dar merda? Claro que não. Mas ao menos se reduz a possibilidade.

Percebam que nem estou falando de nações que fariam mau uso criando armas de guerra (o que eu também acho que deveria ser analisado com muito cuidado). É uma questão que antecede a isso: países sem qualquer conhecimento, infraestrutura ou capacidade de manter uma usina nuclear que, por motivos de corrupção, ganância ou interesses pessoais decidem que querem ter uma dessas em seu território.

Energia nuclear demanda dois pilares básicos: competência e transparência. Duas coisas que país shithole não costuma ter. Ao não ter competência, acidentes acontecem. E ao não ter transparência, ninguém fica sabendo e a coisa pode se agravar num ponto irreversível e fatal para boa parte do planeta.

Será que Chernobyl não ensinou nada? Vocês têm ideia quão perto os imbecilóides estiveram de piorar a situação e provocar uma explosão ainda maior no reator? Vocês sabem o quanto o governo ocultou aquilo em vez de alertar o mundo e a própria população?

Não dá. É o mesmo que dizer que pode dar uma arma para uma pessoa burra, brutalizada e sem responsabilidade, pois armas são boas defesas. Sim, armas podem ser uma boa defesa, mas nas mãos de quem não vai ter consciência ou competência para usá-las, se transformam em uma ameaça para todos nós. Sim, energia nuclear pode ser uma ótima forma de gerar energia, mas nas mãos de quem não vai ter consciência ou competência para usá-la, se transforma em uma ameaça para todos nós. Precisa desenhar? Olha o que está acontecendo na Ucrânia neste exato momento!

“Mas Sally, é energia limpa”. Quando sai tudo bem, não é mesmo? Quando dá errado pode contaminar metade do planeta. E se calhar de ser a metade que produz comida, o resultado não será agradável. Se o acidente ocorrer no mar, como quase foi o caso de Fukushima, pior ainda. Felizmente aconteceu no Japão, onde funcionários da usina eram muito bem treinados e toparam sacrificar suas próprias vidas para impedir o pior. Se fosse em um país com menos seriedade, a catástrofe teria proporções devastadoras.

Sem contar que se o ser humano está poluindo o planeta para gerar energia, meus queridos, vamos todos pro buraco por mérito. Acho digno ir batendo no peito e gritando “merdei”. Colocar uma tecnologia devastadora nas mãos de símios corruptos, filhos da puta e irresponsáveis não é uma solução, não deve ser uma solução, não pode ser uma solução.

“Mas é a única forma…”. Teu cu. Se virem. Em tempos difíceis aparecem homens fortes que trazem novas soluções. Eu pego na mão da ciência e confio. Inventa qualquer outra coisa aí, algo que se der errado não provoque um filme de catástrofe na minha vida. Não quero morrer trocando tabefe em um supermercado por água potável. Prefiro o planeta indo para a casa do caralho lentamente, que não me impacta tanto, do que viver um apocalipse lutando pela minha sobrevivência.

Toda a história da humanidade prova meu ponto: tecnologia bem utilizada é ótima, tecnologia nas mãos erradas é uma tragédia. Por maior que seja o desespero, colocar uma tecnologia capaz de provocar um apocalipse nas mãos de gente incompetente não tem que ser uma solução viável. Na minha cabeça isso é bem óbvio, na de vocês não?

“Mas Sally, como seriam os critérios para decidir quem pode usar energia nuclear?”. Não sei. Isso seria tema para outro texto, mas deveriam existir critérios e a maior parte dos países não deveria poder usar. O Brasil inclusive. Um povo que acha um pó azul florescente no lixão, dentro de um compartimento com uma caveira pintada e esfrega ele na cara, guarda no bolso e leva para seu filho pequeno brincar não deveria ter acesso nem a garfo, para não furar o próprio olho, só deveria comer com colher.

“Mas Sally, tem cientistas capazes no Brasil”. Tem sim. Tem muitos. Mas não é o cientista que frequenta usina nuclear. Além dos cientistas, tem uma enorme quantidade de mão de obra terceirizada, que certamente não tem a seriedade e o conhecimento suficientes para isso.

“Mas Sally, e se fosse combinado um sistema rigoroso de fiscalização?”. Jura? Jura que você acha que isso é fiscalizável? O ditador da republiqueta fecha a fronteira, diz que não vai entrar ninguém e vai fica por isso mesmo, como o gordinho coreano faz. Esses paumolengas não vão declarar uma guerra para fiscalizar nada. Não conseguiram entrar em Zaporizhzhia até agora! Sem contar que tudo pode ser camuflado para passar em uma fiscalização. Ou tudo pode de fato estar bem até um HUE fazer uma cagada repentina.

Gente, simplesmente não dá. Se a experiência de mundo e de ser humano de vocês não permite ver isso, sugiro que tenham muito cuidado em suas vidas, pois seu discernimento não está dos melhores.

Para dizer que quer mais que tenha para acabar logo com esse mundo, para dizer que nem é tão grave assim ou ainda para dizer que se Fukushima fosse no Brasil tinha fugido todo mundo correndo do local: comente.

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Comments (10)

  • Concordo com o Somir e acho importante mencionar aqui tambem o projeto Terrapower financiado pelo Bill Gates, projeto de usina que usa o lixo radioativo gerado pelas usinas de hoje para funcionar.
    Bill Gates investe em reator movido a lixo nuclear (https://www.coripa.pr.gov.br/noticias.php?id=169)
    Tem tambem o documentario no Netflix O Código Bill Gates (Inside Bill’s Brain: Decoding Bill Gates) que fala sobre o projeto, pois o residuo radioativo é hoje um problema do modelo das usinas nucleares e esse projeto visa justamente tratar esse problema

  • Estou com o Somir nessa. Já que shitholes se recusam a deixarem de ser shitholes, que pelo menos causem menos impactos ambientais pros países de verdade, então.

  • O Somir é idealista, romântico, tem fé na humanidade, ou talvez na ciência, sem considerar a humanidade…
    Mas vou ficar com a Sally nessa. Imagina só países do oriente médio ou áfrica, países islâmicos, que vivem uma ditadura extremista, com energia nuclear por aí? Não precisa ir longe não, no BR mesmo já podem fazer merda fácil, então…

    Não é só questão de uma barra radioativa esquentar água, é questão de que tem material humano envolvido, e esse fator humano infelizmente pesa na hora de lidar com isso. A gente nunca sabe também as intenções dos outros, e de boas intenções, o inferno está cheio…

  • Entendo os argumentos do Somir, mas eu vou ficar com a Sally nessa. Mesmo que a tecnologia tenha evoluído, que se requeira técnicos altamente especializados pra uma usina nuclear funcionar, que a segurança seja uma preocupação constante e que haja apenas 1% de chance de um desastre acontecer, ainda acho perigoso demais. Porque esse “1%” é mais do que suficiente pra causar um apocalipse em mãos erradas, como as de quem dirige e vive em shitholes. Além do mais, há uma máxima que eu já li aqui mesmo diversas vezes: “nunca duvide da capacidade do ser humano de fazer merda”.

    • Bem lembrado, UABO. Mas, sim, eu, pelo menos, já conhecia esse filme. Eu mesmo o citei em um comentário de um texto do Somir sobre radioatividade há alguns anos.

  • A posição do Somir é boa de um ponto de vista idealista, mas a realidade me obriga a concordar com a Sally. Esses acordos envolvendo energia e construção de infraestrutura são muito, muito mais precários e feitos nas coxas do que a maioria das pessoas imagina. No mundo, não só no Brasil. Embora aqui obviamente seja pior. Quando o risco é tão grande, não acho aceitável ter fé na humanidade, pelo menos não no momento em que nos encontramos agora.

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