Ele disse, ela disse: Nego, não devo.

Que eu saiba, não!

Sejamos honestos: Todo mundo mente. Desde aquela mentirinha social que evita problemas desnecessários até mesmo aquela mentira absurda que não engana ninguém. De qualquer forma, mentir traz uma série de problemas que não se resumem apenas à possibilidade de ser descoberto. Manter uma mentira é uma tarefa extenuante.

Nesse momento, Sally e Somir discordam sobre a utilidade de negar até a morte que se está mentindo.
Tema de hoje: Negar, negar e negar convence e ajuda na presunção de inocência?

Mas é claro!

Vejam bem, qual a diferença prática entre verdade e mentira? Eu diria que é a comprobabilidade. Uma verdade deve ser comprovável para ser considerada… verdadeira. Esta é uma forma bem simples de se enxergar as coisas. Mas nós sabemos que a vida raramente é tão simples assim…

Aposto que muitos que estão lendo este texto agora já se encontraram em uma ou várias situações onde estavam falando a verdade e mesmo assim passaram como mentirosos. Seja por fama de mentiroso (história da minha vida), seja por falta de evidências irrefutáveis, seja pela distância entre o fato e a revelação deste, seja por versões mentirosas alheias… Tantas coisas podem influenciar uma afirmação verdadeira, derrubando sua comprobabilidade prática, que acabamos utilizando outras formas de verificação e escolha da versão a qual consideraremos verdadeira.

É aí que entra o benefício da dúvida. Na falta de evidências para um lado ou para outro, ou mesmo na possibilidade de surgimento delas futuramente, é comum se dar algum crédito adiantado para a pessoa acusada de estar mentindo. Ela pode estar falando a verdade, no final das contas.

E, novamente, as coisas não são tão simples assim. Influenciando o benefício da dúvida ainda entram outros fatores alheios à presença de provas e depoimentos. Uma pessoa que é reconhecida por falar a verdade tem maior presunção de inocência. Uma pessoa da qual gostamos ganha o nosso desejo de que ela esteja falando a verdade. Uma pessoa que nos apoiou ganha a retribuição do apoio. Ao mesmo tempo que nos casos opostos, caso tenhamos algo contra essa pessoa, a chance de taxarmos o que ela diz como mentira automaticamente cresce exponencialmente.

Um mundo onde exista apenas verdade comprovável e mentira incomprovável é um mundo utópico. A realidade é bem diferente.

Então, por que não utilizar isso ao nosso favor? E vamos entender que nem todas as mentiras são malignas. Algumas são necessárias para que a nossa sociedade se mantenha coesa, algumas são valiosas para manter nossas relações pessoais mais felizes, e algumas podem salvar até mesmo a sua própria existência! Cada um sabe até onde está disposto a mentir e até onde consegue conviver com uma. Quem disse que toda mentira é egoísta? Mente-se para proteger outras pessoas também. Falemos de mentiras, mas sem mentir para nós mesmos:

Você precisou ou quis mentir. Neste exato momento, uma mentira e seus resultados te acompanham na sua vida. Você percebe que a verdade traria uma quantidade de problemas enorme, problemas que não valem o alívio de estar livre da manutenção da mentira.

Você faz o seu melhor para manter tudo funcionando bem, mas chega o momento no qual você tem que pagar por essa mentira: Recebe a desconfiança, a confrontação de outra pessoa. A partir desse momento, existe uma escolha: Entregar-se ou manter sua versão. Você faz um julgamento rápido e lembra-se dos problemas atrelados à verdade. Diminuir os danos é sinônimo de manter a mentira, e só você sabe a importância de diminuir os danos.

Negue, negue até a morte. Traga o benefício da dúvida para o seu lado, seja firme e faça valer o esforço despendido até aquele momento. Você vai encontrar poucas pessoas nesse mundo dispostas a cavar fundo o suficiente numa situação até encontrar a verdade. Na maioria avassaladora dos casos, as pessoas preferem o caminho mais curto, mesmo que ele passe por acreditar numa mentira.

Negar que está mentindo sem vacilar nenhuma vez mostra para a pessoa que te confronta que ela só vai ter alguma chance de sucesso se tomar o caminho mais longo. E mesmo que ela comece a trilhar esse caminho, a chance de dúvidas razoáveis começarem a minar sua determinação aumenta com o tempo.

E se não bastasse isso, até mesmo provas irrefutáveis podem ser relativizadas por pessoas que não entendem muito bem como elas funcionam. A sua resiliência mentirosa pode mudar a forma como outra pessoa enxerga uma evidência. Novamente, entram na equação todas as variáveis humanas que constituem o benefício da dúvida.

Sinto informar que a capacidade intelectual média da humanidade é vergonhosa. É muito mais fácil do que parece convencer uma pessoa de uma idéia obviamente errônea utilizando a postura correta.

E negar até a morte é parte integrante dessa postura.

Vocês acham mesmo que num mundo onde 90% das pessoas seguem alguma religião existe alguma dificuldade de mentir apelando para o desejo dessas pessoas de acreditar no que as convém? Não é ataque dessa vez, é uma constatação do funcionamento da mente humana.

Negar eternamente que mentiu funciona sim.

Para me chamar de mentiroso, para dizer que prefere acreditar num mundo cor-de-rosa onde a mentira não existe, para negar até a morte que é meu(minha) fã: somir@desfavor.com


Vamos prestar atenção ao tema de hoje: negar até a morte é uma boa forma de CONVENCER os outros de uma mentira? NÃO. Negar até a morte pode ser uma boa forma de dar um “cala a boca” e meter uma história goela abaixo da pessoa, que a aceita por medo de te perder (perder a amizade, perder o namorado, perder alguma coisa). Mas se você quer CONVENCER alguém, dar murro em ponta de faca é uma estratégia burra. Me admira a Madame aqui de cima defender isso. Logo ele que é mestre na arte do improviso! Logo ele que diz e se desdiz com a maior cara de pau!

Acho que negar até a morte é uma estratégia que irrita o ouvinte. Ofende, sabe? Parece que você está chamando a pessoa de burra. Se quer convencer alguém de alguma coisa, verdade ou mentira, uma argumentação rígida baseada na negativa inflexível é um caminho sem volta que muitas vezes pode te deixar em um beco sem saída. Às vezes, para ganhar é preciso ceder inicialmente, para depois retomar o território. Sobretudo quando a gente fez merda. Às vezes, para que tudo continue como está, é preciso que mudemos (estou brega hoje).

Muitas vezes um “Fiz, fiz sim, mas vou te explicar meus motivos” – seguido de uma explicação beeeem convincente é melhor do que um “Não fiz! Não fiz! e Não fiz!”. Sabe como é, as pessoas tem essa compulsão doentia por perdoar quem elas ACHAM que está falando a verdade. Cague na mão e jogue na cara de alguém e depois abra seu coração e seja sincero, com certeza a pessoa te perdoa. Neguinho é bunda mole. Ou então, justifique tudo dizendo que foi “por amor”, as pessoas são tão sentimentalóides que acabam aceitando tudo que se faça “por amor”.

Quando você argumenta com a negativa a qualquer preço perde espaço no campo de jogo. Uma série de possibilidades se fecham. Quando você admite que fez uma coisa, ainda que parcialmente, e enfeita o pavão de modo a iluminar o lado nobre da sua atitude e ofuscar o lado canalha, as chances de argumentação são bem maiores. Desde que o mundo é mundo as mentiras de sucesso são essas: as mentiras permeadas por verdades.

Pessoas querem ser enganadas. Infelizmente. Pessoas preferem acreditar naquilo que lhes é menos doloroso. Pessoas tem um potencial absurdo de se enganar. Tudo que temos que fazer é dar um empurrão, contando uma historinha minimamente coerente que justifique aquela mentira. Vai por mim, dependendo do caso e da habilidade do interlocutor, tem até como fazer parecer que uma mentira foi contada por um motivo nobre! A pessoa sai até agradecida. Já ficar batendo o pé feito uma criança e apenas negando não fornece muitos subsídios para que a pessoa se auto-convença ou se auto-engane (e eu estou pouco me fodendo para a reforma ortográfica).

Vejamos, se você contar uma bela história tendo em mente quais são os valores daquela pessoa, sabendo o que ela considera importante na vida, e pegando justamente no ponto, as chances de comover e obter perdão são muito maiores. Tomemos por exemplo o caso de um namorado que resolve dar um perdido na namorada e sair com os amigos em uma noite na qual ele disse que ficaria em casa estudando. Se for flagrado por algum motivo fora de casa nessa noite (a namorada telefona, a namorada passa na casa dele, uma amiga da namorada o vê saindo de casa, etc), com qual das opções será que ele tem mais chances:

1. Negar até a morte que tenha saído;

2. Assumir que saiu, mas explicar um motivo extremamente mentiroso para justificar a saída, que seja compatível com os valores dela.

As pessoas precisam de tão pouco para se deixar enganar… É preguiça mental não dar isso a elas! Quando me pegam numa mentira eu assumo na hora que menti, o que importa não é a mentira em si e sim a motivação. Aprendi isso em direito. Você pode cometer um crime sem ser punido, se estiver dentro de algumas situações excludentes (como por exemplo, legítima defesa, estado de necessidade, cumprimento do dever legal, inexigibilidade de conduta diversa…). Nos tempos que trabalhava na área, sempre fiz minhas defesas assim: “Sim, ele cometeu o crime sim” – júri perplexo – “porém, existiu uma boa razão para justificar isso”. Foda colocar um sujeito sinistrinho com cara de serial killer no banco dos réus e ficar dizendo “Ele não cometeu crime nenhum!”. É pedir para condenarem o sujeito! Aplico o mesmo na minha vida pessoal.

Vamos exercitar nossa argumentação! Deixemos de ser preguiçosos! Quando nosso pescoço está a prêmio, nos compete dar o melhor para tentar sair da encrenca. Bater pezinho e ficar discursando numa vibe Bart Simpson “Eu não fiz isso” não resolve e não convence. É isso que crianças de cinco anos fazem. Dizem “Não fui eu!” ou “Já estava assim quando eu cheguei!”. Nós somos cabeças pensantes (exceto um ou outro imbecilóide que nos acompanha), podemos fazer melhor do que isso.

Para quase tudo existe alguma justificativa plausível, inventada ou não. Quase tudo pode ser justificado pelas circunstâncias. Salvo nas raríssimas exceções onde nada justifica aquele ato (e são poucas, muito poucas), vale a pena assumir a mentira e aprender a justificar o ato de modo a que ele se torne aceitável para a pessoa. Tenham sempre em mente que as pessoas preferem acreditar na versão que as faz parecer menos idiotas e que lhes é menos dolorosa.

Para me dizer que você é ruim de improviso e sua única salvação é ficar negando até a morte porque se abrir a boca você mesmo se enterra, para me dizer que acha que eu devo ser uma grande duma filha da puta em relacionamentos afetivos e para me contratar como advogada: sally@desfavor.com

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Comments (3)

  • A minha tática é quase um misto da de vocês dois, nunca em momento algum eu admito que menti,(para nunca ter um precedente)mas se me colocam contra a parede, monto uma estória mirabolante incluido informações irrefutávelmente verdadeiras e colocando exemplos de atitudes anteriores minhas. E SEMPRE funciona!

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