Ele disse, ela disse: Amigo Pilha.

Dá pra mim...

Consideremos a seguinte situação: Um de seus amigos, e façamos a distinção entre amizade verdadeira e coleguismo, está usando drogas de forma abusiva, seguindo um caminho à lá Rafael Pilha rumo ao fim da linha.

Você chegaria ao ponto de contar isso para as outras pessoas próximas na vida dessa pessoa? Pais, irmãos, outros amigos próximos, namorada(o)…

Sally e Somir discordam, para variar.

Tema de hoje: “Entregar” um amigo drogado para as pessoas próximas dele?

Fatos e lógica ajudam pessoas, sentimentalismo não. Portanto, sim, eu conto e faço o que achar necessário para mostrar que há sim um “elefante na sala”. E eu digo isso porque em grande parte das vezes essa idéia de que fingir que não está vendo é o caminho que pessoas próximas de um viciado “terminal” tomam.

Estamos falando de uma pessoa que está tão desestabilizada a ponto de ser um perigo para a própria vida e à vida de outros. Já é o drogado que rouba “um real e um passe” para comprar drogas pesadíssimas. A pessoa que já está fora de si por causa do vício.

Não me importa minimamente a questão de escolha pessoal do drogado aqui. Existe uma linha entre comportamento perigoso e completo desastre, e alguém assim já está fora do campo das escolhas. Não abandona o vício sozinho, questão fisiológica. Somos matéria. Não existe força de vontade mágica que reverta um cérebro em completo colapso por si só.

E depois dessa linha de desastre, existe outra, a sem volta. É tanto neurônio frito que a pessoa não se recupera. Mas essa é basicamente impossível de se perceber a não que tenhamos evidências reais.

Como eu sou realista e não acho possível ler mentes, não dá para dizer que o fulano completamente drogado jogado na sarjeta está pensando de forma racional sobre o seu comportamento. E eu não respeito pessoas que não pensam de forma racional. Portanto: Foda-se a escolha pessoal desse amigo. Vai ME fazer mal deixar alguém de quem eu gosto na mão dessa forma. E façamos uma distinção vital aqui:

Apoiar sem confrontar uma pessoa que está se matando é a mesma coisa que ajudar a matá-la. E isso não faz o menor sentido. Falamos sobre amigos aqui. Até mesmo abandonar completamente essa pessoa é mais útil.

E a partir dessa noção, temos duas possibilidades:

Essa pessoa está suficientemente distante de familiares e outras pessoas próximas além de você para que você seja quem realmente pode perceber o problema. Nesse caso, é questão de lógica simples tentar aumentar o grupo de pessoas interessadas em ajudar seu amigo.

Ou ela está suficientemente próxima de outras pessoas que deveriam se interessar em ajudar para sabermos que essas pessoas estão se omitindo propositalmente. E eu não tenho NENHUMA simpatia por quem finge que não está vendo a realidade. Avisar de forma clara e inequívoca que seu amigo está se destruindo tira qualquer chance de auto-perdão por ignorância.

Quer fingir que não está vendo? Direito seu. Agora, querer te fazer sentir o cheiro da merda e sofrer o máximo possível e imaginário em cada etapa desse processo de auto-enganação é direito meu. Tem gente que só acorda quando a verdade é impossível de se negar.

E é a mesma gente que te acha um monstro quando você percebe a batalha perdida e se afasta. Se quer falar mal da pessoa que tentou ajudar o quanto pode e desistiu por não ver solução, que pelo menos tenha a decência de ter feito o mesmo.

A escolha está com as pessoas que não estão dopadas além da capacidade humana de compreensão do mundo que as cerca. Quando eu faço a minha escolha de tentar até onde achar que há possibilidades reais de solução, não vou deixar esse bando de hipócritas que acham o afastamento uma crueldade enquanto ignoram uma pessoa próxima saírem no lucro.

Podem até fazer pose para a opinião pública, mas vão saber pelo resto de suas vidas que tinham como tentar fazer algo para ajudar essa pessoa e ESCOLHERAM fazer a pessoa sofrer ainda mais. Porra, assumam a responsabilidade de suas ações, pelo menos.

E eu estou sendo amargo, achando que ninguém vai tentar ajudar.

O que acontece em alguns casos, mas não em todos. Gente que está fingindo que não vê precisa levar um tapa na cara dos fatos para ver se começa a pensar de forma lógica e tentar resolver um problema.

Mais uma vez, é uma questão numérica: Por mais que não se possa garantir que o viciado em questão tenha solução, é melhor ter apoio de outras pessoas nessa tentativa. O mais importante é tentar pelo menos recuperar a pessoa o suficiente para que ela tenha novamente a capacidade de fazer escolhas racionais.

O drogado só vai se recuperar quando quiser mesmo. Mas quem garante que ele já não passou desse ponto, talvez até por negligência de pessoas próximas (incluindo você)? Não custa tentar. Eu gostaria que tentassem pelo menos uma vez comigo se fosse o caso. “Limpa” a pessoa por um tempo, mesmo que na base da porrada, e espera para ver como ela reage.

Se realmente for um caso sem volta, que pelo menos quem participou da tentativa de resgate possa viver com a paz de ter feito alguma coisa ÚTIL.

E que quem se omitiu para “não sofrer” receba com juros e correção tudo o que preguiçosamente tentou evitar. Pelo menos vai me fazer feliz. Aposto que meu amigo gostaria de me ver feliz.

Para dizer que até minha solidariedade é egoísta, para dizer que vai fingir que não entendeu o texto para ter uma vida mais tranqüila, ou mesmo para pedir um pouco do que eu estou usando: somir@desfavor.com


Uma amiga (pode ser amigo também, onde se lê “amiga” leiam “amigo(a)”) sua começa a usar drogas de forma auto-destrutiva. Não estamos falando de uso esporádico e sustentável, estamos falando de dependência química hardcore, um Rafael Pilha Way Of Life. Você procura pessoas próximas a essa amiga, como parentes e namorado(a) para advertir sobre a situação?

Talvez todos respondam que sim. Eu não procuraria. Eu acho um horror fazer isso, ainda que seja para o suposto bem da pessoa. Já me deparei em muitas situações na vida onde pessoas estavam (ou diziam estar) em situações sérias onde poderiam se fazer algum mal e nunca me meti a ir falar com Papai e Mamãe da pessoa. Sim, eu acho isso um vexame. Fui inclusive acusada de ser má amiga por causa disso. O máximo que fiz ao ser pressionada para me meter foi dizer aos amigos que pretendiam se meter: “Se VOCÊ quiser fazer uma porra dessas, você faz, eu não vou te impedir, mas eu não vou fazer”.

Dá licença de me sentir ridícula de pegar um telefone, com trinta anos na cara, e ligar para importunar o pai e a mãe de outra pessoa de idade similar? GEZUIZ, é meio óbvio que o que esses pais podiam fazer pela pessoa, já fizeram! Vai fazer o que com uma pessoa de mais de 20 anos que insiste em DAR TRABALHO ao pais, em vez de dar sossego para que eles envelheçam em paz? Quem dá trabalho aos pais por pura falta de estrutura para encarar os trancos da vida não merece um arauto para protagonizar esse vexame.

Além do que, se a situação da pessoa é tão calamitosa assim (lembrem-se, eu disse Rafael Pilha Way Of Life), como é que as pessoas que o cercam não percebem? Talvez não QUEIRAM ver, ou queiram ver e ignorar. Quem sou eu para esfregar problemas internos de uma família ou de um casal na cara dos envolvidos cobrando um posicionamento? Evidente que essas pessoas não tem a menor estrutura nem condições de ajudar, se não conseguem sequer ver um problema desse tamanho!

“Mas Sally, você viraria as costas para sua amiga?”. Não, claro que não. Eu tentaria ajudar. Mas sem meter terceiros no meio. E provavelmente não conseguiria, porque drogado é uma praga, se eles não quiserem, ninguém os faz parar de usar drogas. Mas meu ombro amigo sempre estaria ali, bem como meu ombro advogado. Sabe como é, né? drogado a gente vive tendo que tirar da delegacia. Até o último minuto eu estaria presente. Sempre que precisar, pode contar. Mas só. Ficar advertindo as pessoas que nos cercam não me cabe.

Acho que se trata de uma questão de respeito. Não me entendam mal, não tenho o menor respeito pela vontade de um drogado. Drogado não tem vontade, quer dizer, até tem: tem vontade de fazer merda. Se preciso fosse e estivesse a meu alcance, eu mesma colocava a amiga drogada contra sua vontade debaixo de cacete no meu carro e internava em uma clínica de recuperação e ainda pagava as despesas. O que eu respeito não é a vontade da pessoa, é a privacidade. A dignidade. Ir fazer fofoquinha para os pais da pessoa me faria sentir ridícula. Fica parecendo que quem faz isso, o faz para se promover, sentindo um certo orgulho por estar composta enquanto que a amiga drogada está ali, toda desconfigurada. Quanto mais publicidade se dá à derrota de uma amiga, pior. E para que? Para nada, porque no final das contas, isso não vai ajudar.

Além disso, uma parte muito pouco generosa de mim acha que quem voluntariamente se faz mal tem mais é que se foder, por mais que isso me doa. Eu sei, eu sei, me falta compaixão, tenho que trabalhar isso. Mas não consigo deixar de me sentir assim! Drogados, fumantes, alpinistas irresponsáveis, pessoas que nadam com orcas… etc. Não consigo sentir pena nem achar que foi uma fatalidade, foi escolha. “Mas Sally! Você é um monstro! A pessoa é VICIADA, ela não teve escolha!”. Teve sim. A primeira vez que colocou uma droga no seu organismo ela escolheu. Sabia dos riscos de ficar viciada, porque hoje em dia isso é amplamente divulgado, e escolheu. É, pois é. Eu falei que me faltava compaixão.

Acho que fazer um grande circo envolvendo amigos, familiares e parceiro acaba por validar a merda auto-destrutiva que a pessoa está fazendo. É como montar um espetáculo de péssimo gosto e chamar mais gente para bater palmas. Porque vamos combinar, quem quer se matar se mata silenciosamente, sem importunar os demais. Quem apela para uma vida estilo Rafael Pilha quer antes de mais nada chamar a atenção. E eu não vou recompensar essa atitude bizarra sendo anfitriã do circo. É um pedido de ajuda? Ótimo, eu vou ajudar, ou ao menos tentar. Sem fazer alarde, sem dar publicidade. Porque se EU não consegui salvar, duvido que pai, mãe e namorado que sequer perceberam o problema consigam. Vamos combinar, se pai, mãe e namorado não percebem que tem algo errado com uma pessoa Pilha Way Of Life, é porque são piores do que ela em matéria de estrutura emocional.

Pergunta básica: Alguém aqui acha que falar com pai e mãe de drogado adianta? Se pai e mãe tivessem esse poder de curar vício do filho, só órfão usava drogas. Anota aí: SÓ O VICIADO pode controlar seu vício. Claro que apoio ajuda. Mas apoio um amigo pode dar, não precisa correr e contar para as pessoas que o cercam. E mais uma vez repito: os pais que não percebem o uso ostensivo-pilha de drogas são o tipo que não vai saber/poder/conseguir ajudar em porra nenhuma.

Existem formas e formas de ajuda. Eu prefiro as não invasivas, aquelas que não expõe a intimidade da pessoa. Não que eu ache que vale a pena sacrificar uma vida em nome da intimidade, é que eu simplesmente acho que NÃO ADIANTA espalhar a informação para aqueles que cercam o viciado – a menos, é claro, que o vicado não seja um burro velho da minha idade e ainda esteja em situação de poder familiar. O que não é o caso.

É como diz o ditado: de boas intenções o inferno está cheio. Eu desconfio dessa tática de ir contar a papai e mamãe. Tem um ar meio dedo-duro que não me agrada. Tem um cheiro de invasão de privacidade. Parece um motivo socialmente justificável para que as pessoas joguem o nome das outras na lama, para sair bem na fita, como alma boa que salvou o dia. Eu só faço boas ações quando elas ficam anônimas, caso contrário, acho cafona.

QUANDO é possível ajudar, também é possível ajudar sem se valer deste recurso de contar para as pessoas próximas. Garanto que se fosse um problema igualmente letal mas cujo contar não fosse visto como uma coisa boa, ninguém falava nada. Ou por acaso alguém aqui abre a boca para dizer que sabe que o marido da amiga fez sexo com um traveco portador de HIV, que é melhor ela usar camisinha com ele? Não, né? Invasão de privacidade do mesmo jeito, com a diferença que quando se trata de drogas não tem o fator sexo, que é mais constrangedor.

Quer ajudar uma pessoa drogada, nível Pilha? Faça-o dentro das suas possibilidades, sabendo que suas chances são pequenas e sem se meter na vida e nas relações da pessoa. Dê conselhos, dê porrada, dê o que quiser, mas só entre vocês dois. Não deu? Que pena. Não sou heroína (com trocadilho)

Para me dizer que eu sou uma péssima amiga, para dizer que você conta meeeeesmo e para constatar mais uma vez que o Somir é o lado sensível do Desfavor: sally@desfavor.com

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Comments (5)

  • É, tenho que concordar com SOMIR. Também buscaria auxílio com parentes e amigos do PILHA em questão.
    E, mais: não esperaria chegar a este ponto. Assim que percebesse a possível dependência (ou a regularidade na busca por drogas), acionaria pessoas próximas do indivíduo, alertando-os para tentar evitar o pior ou pelo menos se preparar para isso. Afinal de contas, o drogado é sim uma AMEAÇA para si e para os outros. Não há como não afetar os que o rodeiam enquanto caem na espiral da auto-destruição.

    Sou o tipo de amiga que oferece um ombro pra chorar, mas não passo a mão na cabeça dos que amo. Se fizerem MERDA, vão ouvir a verdade de mim. Aliás, meu conceito de amizade baseia-se nisso: AMIGO confronta, é sincero e oferece uma outra visão das coisas, quando cabível. Só é amizade quando há LIBERDADE de expressão e compreensão mútua !

    Quanto a invadir a privacidade do drogado ao contar para os que o rodeiam… Dane-se a privacidade dele! A pessoa que perde a noção de realidade, perde o senso de humanidade e respeito próprio não pode exigir isso de mais ninguém. Se você não se respeita, por que acha que os outros o farão? By the way, Sally: não sou a pessoa mais compreensiva do mundo também.

    Sou adepta de ajudar até o limite de minhas possibilidades, mas não tenho a prepotência de achar que SOZINHA dou conta do recado. É praticamente impossível: como vamos ficar à mercê de uma pessoa, auxiliando-a, 24hs por dia, evitando que se drogue e mostrando outras opções de vida? E nossa própria vida? Fica em stand by? Não rola… É preciso a ajuda de outros. Se, em última instância, não houver ninguém capaz, partimos então para a internação onde profissionais nos darão suporte.

  • Se você considera empurrar a pessoa mais fundo no abismo uma forma de ajuda, pode estar certa.

    Se não, eu estou certo.

  • Somir fez parecer que a única forma de ajudar é contando para terceiros e se não contar, está recusando ajuda…

    boa tentativa

  • Se acontecesse algo desse tipo com algum amigo meu, tentaria ajudar sim. Não chegaria a extremos de ligar para os pais, mas comunicaria as pessoas certas (demais amigos).
    Amigo não é colega. Se fose colega, que encha o cu de droga, que é será até bom. Agora, com amigo não é assim.

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