Siago Tomir vai à Argentina

Que pasa, boludo?Eu já sabia que não ia prestar levar Siago Tomir à Argentina. Mas mesmo assim, contrariando todos meus instintos, eu topei a viagem. Em vão, fiz ele prometer que iria se comportar e que não iria hostilizar nenhum nativo local. Ele jurou. ELE JUROU. Jurou que não iria falar sobre futebol, sobre as Malvinas, sobre Maradona… ele jurou. E a palhaça aqui acreditou, afinal, era só um final de semana. Não daria tempo de fazer um estrago em um final de semana, certo? Errado.

Por causa de compromissos profissionais, acabamos nos encontrando apenas na fila do embarque, no próprio aeroporto. Vejo um vulto vermelho se aproximando e tento me enganar: “Não, ele não fez isso”. Mas sim, ele tinha feito isso. Siago Tomir trajava uma camisa da Seleção Inglesa, um dos maiores desafetos do povo argentino desde a guerra das Malvinas. Olhei de cara feia.

Somir: Que foi? Eu prometi que não ia FALAR sobre futebol
Sally: Somir…
Somir: Estou mudo!
Sally: Caralho Somir, toda viagem que a gente faz você arruma alguma confusão…
Somir: Eu? Não fui eu quem foi parar na delegacia por bater em uma eco-chata!
Sally: Vai um salame?
Somir:
Sally: Alias, você não está transportando alimentos desta vez, né?
Somir: Não, apenas drogas!

Sujeito mal encarado da Polícia Federal olha feio

Sally: Puta merda, Somir, PUTA QUE TE PARIU!
Somir: * rindo

Evidente que quando chegou a nossa vez de embarcar fomos minuciosamente revistados e respondemos mil perguntas, graças à gracinha da Madame dizendo que levava drogas.

Polícia Federal: O Senhor porta algum tipo de droga?
Somir: Sim
Sally: * tapa na própria testa
Somir: * puxando uma camisa da Seleção Argentina e abanando na cara do policial
Sally: Qual é o seu problema?
Somir: O meu eu não sei, mas o seu é falta de senso de humor!

A maior parte dos passageiros do vôo era argentinos voltando para casa e emitiram uma sonora vaia ao gesto do Somir. Somir fazia o sinal de “5” com o dedo em alusão ao fato do Brasil ser pentacampeão. Olhei de cara feia e mais uma vez ele se defendeu dizendo que não estava “falando nada” e que o combinado era que ele não “falaria” sobre certos assuntos. Ele adora escapar com essas desculpas de cunho teórico. Ele foi discutindo comigo até a entrada do avião alegando que não tinha feito nada errado porque não “falou” nada. Entramos no avião. Parte da viagem foi naquele “silêncio climão”, o que foi até bacana, porque eu tive um pouco de paz, mas quando chegamos, Somir começou a me paunocuzar:

Somir: Então é isso? Não posso nem falar nem me mexer? Quer que eu fique que nem um vegetal?
Sally: Somir, não se faz de vítima…
Somir: Vou passar o resto da viagem imóvel! É isso que você quer?
Sally: Não, Somir. Não é isso que eu quero. Pode fazer o que você quiser, ok?
Somir: AH É?
Sally: Puta que pariu…

Depois disso Somir se sentiu desobrigado e começou a falar tudo que tinha vontade em um ambiente fechado cheio de argentinos. O maior problema que tive logo de cara era que Somir só sabia dizer duas frases: “Yo tengo una cosa muy importante para hablar con usted” (eu tenho uma coisa muito importante para falar com você) e “Que pasa, boludo?” (o que que há, seu otário?). E ele insistia em dizer uma após a outra. Então, ele começou a parar as pessoas aleatoriamente no aeroporto de Buenos Aires e dizer “Yo tengo una cosa muy importante para hablar con usted” e quando a pessoa parava para prestar atenção nele ele soltava um “Que pasa, boludo?” e ria sozinho da própria “piada”. E quando chamam brasileiro de macaquito, a gente acha ruim.

No táxi a caminho do hotel ele corrigiu o motorista, que falava sobre as Ilhas Malvinas dizendo que na verdade o nome era Ilhas Falkland e elas era propriedade da Inglaterra, o que fez com que quase fossemos largados na beira da estrada. Na recepção do hotel, em vez de me deixar falar, resolveu que iria nos brindar com seu espanhol medonho e tentou pedir um quarto. Endenderam errado e trouxeram um copo de água para ele. Em vez de assumir que não sabe falar espanhol, se limitou a dizer que “argentino é muito burro”. Para fechar, em vez de recusar gentilmente o copo de água, pediu para trocar por uma “Cueca Cuela”. Quase me joguei atras do balcão de vergonha.

No dia seguinte começou nossa programação turística. Fomos conhecer o bairro de Boca e o Estádio do Boca Juniors, La Bombonera. É um bairro meio barra pesadinha, por isso pedi que Somir tivesse um cuidado extra com o que fazia e o que falava. Ele apareceu, trajando uma camisa da Seleção Brasileira e com uma bandeira do Brasil amarrada na mochila dizendo “deixa comigo”. No táxi discutiu com o taxista afirmando que Pelé é melhor do que Maradona, mostrando todo o cuidado especial que pretendia tomar. No tour pelo estádio, cada vez que alguém falava a palavra Maradona ele fungava simulando cheirar cocaína. Quando ameacei ir embora ele se calou. Por dez minutos.

Na saída do estádio um grupo de argentinos nos cercou:

Argentinos: Brasil! Brasil! Capoeira! Pelé!
Somir: Pentacampeão!
Sally: * sorriso amarelo
Argentinos: Capoeira? capoeira?
Somir: * apontando para si mesmo
Argentinos: * fazendo que sim com a cabeça
Sally: Eles querem saber se você…
Somir: Se eu luto capoeira? HA! Luto sim! Luto sim!
Sally: Primeiro que capoeira se JOGA, não se luta, e segundo que você não luta porra nenhuma
Somir: Tá, mas eles não sabem disso
Argentinos: CAPOEIRA! CAPOEIRA!

Somir começou a fazer uns movimentos que mais pareciam um ataque epiléptico. Fiquei de cabeça baixa xingando mentalmente até a vigésima geração da família do Somir. Os argentinos batiam palmas e tentavam imitar os movimentos do Somir. Somir percebeu e começou a fazer movimentos ainda mais ridículos, como por exemplo imitar um macaco. Os argentinos acompanhavam e Somir começou a me mandar filmar e tirar fotos.

Somir: HÁ! Quem é macaquito agora?
Sally: Você é ridículo
Somir: Sou sim, mas levei mais meia dúzia comigo!
Sally: Eu não vim aqui para isso, Somir!
Somir: Você não tem senso de humor!
Sally: Ok, ok. Quando voltar a Campinas em vez de passear vou ficar na rua chamando os moradores de viados!
Somir: HAHAHAHAHA Eu ajudo!
Sally: Não estou brincando, você vai acabar apanhando aqui, e eu não vou me meter para te ajudar
Somir: Não preciso que você se meta
Transeunte: ANDA A LA MIERDA BRASIL!
Somir: * mostrando o dedo médio

Almoçamos e o Somir viu o tamanho da minha putez. Como forma de compensar me deixou escolher o programa que fariamos na parte da tarde e se arrependeu no minuto seguinte.

Somir: Zoológico?
Sally: É. Zoológico.
Somir: Não faz sentido
Sally: Você disse que eu podia escolher
Somir: O leão daqui é diferente do leão do Brasil?
Sally: O Zoológico daqui é diferente do Zoológico do Brasil
Somir: Porque?
Sally: Aqui você pode comprar comida e dar para os animais
Somir: Além de pagar a entrada ainda pago a comida deles? Tá maluca?
Sally: Você me deixou escolher, eu quero ir no Zoológico
Somir: * palavrão

Chegando no Zoo, Somir chamava a atenção dos presentes com sua camisa da Seleção Brasileira e sua bandeira do Brasil amarrada na mochila. Os primeiros minutos de passeio foram agradáveis, mas o Somir tinha que fazer uma merda! Entrei na fila para comprar comida para dar à girafa. Me aproximei e estendi a mão. A girafa abaixou a cabeça e pegou a comida da minha mão. Somir estava muito quieto. Na terceira ou quarta vez em que a girafa abaixou a cabeça para pegar a comida da minha mão, Somir pegou a bandeira do Brasil que estava em sua mochila e amarrou no pescoço da girafa. Quase tive um AVC.

Sally: TÁ MALUCO?
Somir: *rindo
Sally: PORQUE VOCÊ FEZ ISSO?
Somir: Ela não parece se importar…
Sally: NÃO PODE FAZER ISSO!
Somir: Sei lá, aqui pode até alimentar os animais…
Sally: EU VOU TE MATAR!
Somir: *rindo
Sally: Vão expulsar a gente daqui!
Somir: Como vão saber que fui eu?
Sally: Quem mais além do babaca com a camisa do Brasil penduraria uma bandeira do Brasil NA GIRAFA!?
Somir: Qual é o problema?
Sally: O problema é que é uma girafa ARGENTINA!
Somir: Não, Sally. Ela é africana, ela só foi trazida para cá
Sally: VAMOS EMBORA, AGORA!
Somir: Espera, eu tenho que tirar uma foto disso, tá muito engraçado

Fomos embora, mas eu podia ver aquele pescocinho com uma bandeira amarrada tipo bandana de longe. E sim, ele tirou fotos. Nos tempos em que ele tinha orkut, chegou até a colocar a foto no seu perfil. Cheguei ao hotel exausta, Somir dá mais trabalho que uma criança. Saimos para jantar. Somir trajava uma camisa do Corinthians. Sentamos na mesa e o garçom veio nos atender. Muito gentil, viu que eramos turistas e puxou assunto com a gente.

Somir: Quer ver a gente sair daqui sem pagar?
Sally: NÃO SOMIR, EU NÃO QUERO VER NADA!
Garçom: La camiseta?
Somir: Corinthians!
Garçom: Tevez?
Somir: TEVEZ! TEVEZ! CAAARLIIITO TEVEZ!

* Garçom e Somir cantam musiquinhas sobre o Tevez

Garçom: Usted es judador del Corinthians?
Somir: Si, si, jogador!
Sally: * abrindo o guardanapo para esconder a cara
Somir: Sentimos falta de Tevez
Garçom: *imitando dancinha do Tevez

Outros garçons começaram a se aproximar e Somir foi apresentado como jogador do Corinthians. No final da noite ele já tinha até jogado com o Tevez. E de fato saimos sem pagar, quer dizer, “pagamos” com uma autógrafo de Siago Tomir, que deve valer mais ou menos meia paçoca mordida fora da validade, e com uma foto dele com todos os garçons na porta do restaurante.

Sally: Porque você não pode ser uma pessoa normal como todo o resto?
Somir: Falta Jesus no meu coração
Sally: Amanhã vamos embora, será que você pode não se meter mais em confusão até amanhã?
Somir: Não posso prometer…
Sally: SOMIR!
Somir: Tá vendo? Assim você me obriga a mentir…
Sally: E pelo amor de Deus, para de usar camisas de time!
Somir: Ok

Somir abriu a mochila e colocou um moletom com a bandeira do Brasil

Estavamos andando em direção ao hotel, quando passamos por um campinho de futebol. Uns adolescentes jogavam bola. Quando viram o Somir com o moletom, começaram a gritar, gesticular e chamar para o campo para jogar.

Sally: Você NÃO VAI
Somir: Calma, Sally, são só garotos
Sally: Você NÃO VAI, ESTÁ ME OUVINDO?
Somir: Você está com medo de que?
Sally: Somir, eles levam futebol muito a sério e eles BATEM para machucar
Somir: São praticamente crianças!
Sally: Somir, estou te pedindo para não ir jogar. Está tarde, vamos para o hotel…

Já estavamos saindo quando os argentinos começaram a fazer sons e gestual de galinha, dando a entender que Siago Tomir tinha amarelado. Pra que… Siago Tomir jogou a mochila em cima de mim e foi jogar. Não deu nem tempo de dizer nada. Já comentei que Siago Tomir joga mal pra caralho? Pois é. Quando olhei, ele estava no chão, com as duas mãos no pé direito. Entrei correndo no campo, gritei com todo mundo, expulsei os adolescentes de lá (sairam brancos, quase que correndo) e ajudei Siago a levantar.

Sally: PUTA QUE TE PARIU, SOMIR, EU TE AVISEI!
Somir: Sem esporro, Sally, estou machucado, está doendo muito!
Sally: Está inchando, melhor ir para um hospital
Somir: Com esta roupa? Nem pensar, vão amputar meu pé!
Sally: Então tira!
Somir: Deixa eu vestir a sua blusa!
Sally: Comeu merda?
Somir: Quer namorar um perneta?

Em uma manobra ridícula, vesti a camisa do Corinthians e tirei a minha camiseta. Somir vestiu a minha camiseta e ficou a coisa mais ridícula do mundo: rosa e justinha. Entramos em um táxi e fomos para o hospital. Quando entramos na recepção ouvi um comentário de uma mulher que deveria ser brasileira dizendo “Fala sério que aquela mulher tá com uma camisa do Corinthians, que sem noção!”. Xinguei o Somir mentalmente. Um raio-x depois, foi constatada uma fratura e Somir saiu com a perna imobilizada e impossibilitado de colocar o pé no chão pelos próximos dias.

No dia seguinte tivemos que ficar no hotel o dia todo. Somir se divertia vendo novelas brasileiras dubladas em espanhol, isso quando o efeito dos remédios não passava, porque quando passava ele começava a gritar de dor e dizer que queria morfina. Na volta, tive que carregar as malas sozinha. E até hoje ele joga na minha cara que eu me recusei a voltar à Argentina com ele, como se isso fosse uma grande injustiça.

Para dizer que também foi quebrado por um argentino em uma pelada qualquer, para dizer que quer que a gente poste a foto da girafa com a bandeira do Brasil ou ainda para dizer que eu mesma deveria ter quebrado a perna de Siago Tomir: sally@desfavor.com

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Comments (17)

  • Mesmo anos depois, tive que passar por aqui pra largar um…

    Que vergonha Somir… apanhou de uns branquelos argentinos!

    Sim os caras batem, mas onde você aprendeu a jogar futebol? No primário?

    Vai jogar uma pelada com peão de obra em Ribeirão Preto que aí você aprende e não passa mais esse vexame!

  • Incrível ele ter saído vivo…

    Quanto a ir para o exterior, também passei situações embaraçosas, como quando você acha que domina o inglês e se fode bonito.

    Suellen

  • Já fui pra argentina, Bariloche mas especificamente…adorei, toda aquela neve e tal, mas meu fraco espanhol me forçava a fingir saber falar apenas inglês em alguns lugares pra conseguir entender e pedir alguma coisa…fora que a água era horrível e a comida não era lá aquelas coisas, tirando os doces *-*

  • Nossa tia sally como vc deve amar esse sem noção do Tomir, eu teria naum só quebrado as duas pernas dele como quebraria umaa meia duzia de dentes. Paciencia seu nome é Sally.

  • O mais engraçado é que brasileiro não é patriota tipo os americanos que botam bandeirinha até na xoxota. Eu fico imaginando o Tomir arrumando a mala, pegando tudo verde e amarelo e botando pra dentro. Sal, por favor, mostra a foto da girafa com a bandeira! E a dos argentinos lutando Capoeira feito macaquitos!

  • Foi um dos episódios mais engraçados. Tive ataque de riso, ainda bem que tava só em casa, senão iam achar que pirei. Que pasa, boludo? LOL puta cara sem noção!!!

  • A moça criou um verbo!
    Morte ao novo acordo ortográfico!

    Eu paunocuzo
    Tu paunocuzas
    Ele paunocuza
    Nós paunocuzamos
    Vós paunocuzais
    Eles paunocuzam

    Aliás, sugiro o tema sobre essas novas regras ortográficas.

  • Jacinto Pinto Aquino Rego

    Sally, tenho uma história de viagem à Argentina que talvez renda um desfavor convidado…
    adorei seu país, aliás. Mas só tomei no cu, puta que pariu.

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