Desfavor Convidado: Os últimos de nós.

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O Somir se reserva ao direito de implicar com os textos e não publicá-los. Sally promete interceder por vocês.

Os últimos de nós

ATENÇÃO: O texto a seguir se refere ao jogo Last of Us e possui spoilers. Portanto, se você pretende jogar o jogo e não quer ter essa experiência estragada, não leia a partir do alerta [SPOILERS]. Resolvi escrever este texto porque o jogo me marcou muito emocionalmente e creio que ele trouxe um novo patamar aos jogos eletrônicos que irão definir a próxima geração de videogames. Aviso dado, vamos em frente.

The Last of Us (que resumirei pela sigla LoS) foi lançado este ano com muito alarde. Desenvolvido pela Naughty Dog, o jogo prometia ser um dos melhores lançados até então para a plataforma Playstation. Eu sou meio cético quando alguma empresa tenta fazer o melhor do melhor do mundo, pois geralmente isso não passa de jogada de marketing. Porém, dessa vez eu estava errado.

LoS não só possui uma jogabilidade magnífica, como também apresenta questões éticas e filosóficas que eu nunca havia visto em um jogo de videogame. Não é para menos, já que a Naughty Dog é conhecida pelo desenvolvimento dos jogos da série Uncharted, que possuem boa jogabilidade e histórias sensacionais.

Basicamente, o jogo é um Survival Horror e como manda o figurino do estilo, o personagem principal é uma pessoa comum que se vê no meio de uma situação de terror extrema. No caso do jogo, esse terror se dá através de uma infecção por fungos conhecidos como Cordyceps, que são reais e normalmente parasitam insetos.

Existem centenas de espécies de fungos conhecidas como Cordyceps e seus esporos voam livremente pelo ar, quando esses esporos entram em contato com o exoesqueleto dos insetos, começam a ser absorvidos. Em poucos dias, o fungo começa a dominar o hospedeiro e chega a tomar conta do seu cérebro. Com a dominação, o hospedeiro começa a agir de forma estranha e agressiva e desta maneira infecta outros insetos.

O fungo cresce no interior do hospedeiro até chegar ao seu limite e em poucos dias encontra maneiras de escapar de seu corpo. Quando isso acontece, o hospedeiro sente a necessidade de procurar locais propícios para a propagação do fungo e acaba morrendo. Algumas espécies desse fungo são utilizadas na medicina oriental e o jogo toma isso como ponto de partida da história.

Como existem diversas espécies de Cordyceps, uma delas acabaria se adaptando ao organismo humano, transformando-o em uma espécie de zumbi, assim como faz com os insetos. Aqui serve uma observação pessoal: eu gosto de história de zumbis e já li dezenas delas, dentre todas explicações dadas que eu conheço para essa pandemia, a possibilidade de Last of Us foi a mais plausível.

DRAMATURGIA

Um detalhe interessante em LoS é sua dramaturgia, pois o nível de interpretação dos personagens é surpreendente. Para os leigos, pode parecer estranhos falar sobre interpretação em um jogo, afinal de contas, todo o desenvolvimento é feito a partir de programas 3D, certo? Errado! Hoje em dia os jogos mais fodas contratam atores reais, que atuam de verdade e deixam a coisa mais realista. Tanto é que umas das polêmicas envolvendo LoS foi exatamente essa: quem iria interpretar os personagens.

Diz a lenda que Ellen Paige teria sido convidada a ser uma das protagonistas, mas que ela teria recusado por já ter sido convidada a participar de um outro jogo da Sony (Beyond: Two Sols, que parece que vai ser foda também). Mesmo com a recusa, os desenvolvedores criaram a personagem Ellie, que se parece demais com Ellen. Isso irritou um pouco a atriz e abria margem para um processo, mas que de acordo com o diretor do jogo, tudo não passou de uma coincidência (ahan).

Bem, é difícil não se envolver com as histórias dos personagens de LoS, pois como disse anteriormente, ela é muito plausível. Notem que o mais importante em qualquer história, por mais absurda que ela seja, é a imersão. Quanto mais sua mente achar que aquela história seja real, maior será sua imersão nela e isso LoS tira de letra. Os furos no roteiro são poucos e o único que realmente me incomodou foi o fato da mulher de Joel (o protagonista) não ser citada em momento algum do jogo.

Conforme o jogo avança, os perigos aumentam e você se importa cada vez mais com os personagens. De repente, começa a torcer para que a vida deles sejam felizes, mesmo em um mundo destruído, com milhões de infectados e milhares de sobreviventes que se tornaram pouco mais que animais selvagens. Começa a perceber também que, ao contrário de outras histórias de pandemia zumbi, a sobrevivência não depende apenas de armas pesadas, é preciso também ter inteligência e cuidar dos pequenos detalhes, pois até mesmo uma garrafa vazia pode ser tornar um objeto precioso em um mundo pós-apocalíptico.

TRILHA SONORA

Outra jóia rara do jogo é sua trilha sonora, que foi magistralmente elaborada pelo argentino Gustavo Santaolalla, que fez trilhas para vários filmes, dentre eles “21 Gramas”, “Diários de Motocicleta”, “Babel” e “O Segredo de Brokeback Mountain”. O que me fez pensar que pelo menos duas coisas boas saíram da Argentina: o Gustavo e a nossa querida Sally. Não vou perder muito espaço de texto sobre as músicas do jogo, ouçam que é melhor:

http://www.youtube.com/watch?v=duwlqZWJEcM

A HISTÓRIA [SPOILERS]

Enfim, o jogo se inicia com uma leve suspeita dessa infecção e logo no prólogo conhecemos Joel e sua filha Sarah. Eles vivem sozinhos e Joel se mostra muito preocupado em conseguir emprego em uma construção. Como é dia de seu aniversário, Sarah faz uma surpresa e lhe dá um relógio. Logo após, Sarah acaba adormecendo e só acorda no meio da noite por causa do telefone que não para de tocar. Ao atender, ela descobre que quem está ligando é seu tio, que tenta falar com seu pai de qualquer maneira. A partir daí o mundo que eles conhecem nunca mais será o mesmo, pois Joel aparece em casa falando que os vizinhos estavam loucos e que muita gente estava se matando nas ruas.

O desenvolvimento da história mostra pai e filha tentando escapar desse primeiro surto e durante o caminho escapam de tiros, acidentes e explosões. Porém, em determinado momento, os dois são abordados por um soldado, que acaba atirando neles. Joel escapa ileso, mas sua filha acaba morrendo após sofrer alguns minutos por causa de um tiro que atingiu sua barriga. Sério gente, eu quase chorei nessa cena, algo que nunca havia me acontecido antes em um jogo. QUASE!

Vinte anos se passam e o mundo seguiu adiante, com os humanos vivendo em pequenas zonas de quarentena. Descobre-se que Joel sobreviveu todos esses anos, mas que se tornou um homem duro, insensível e egoísta. Além disso, ele se tornou traficante e tem como parceira uma mulher chamada Tess.

Apesar do controle do exército dessas zonas, eles conseguem sobreviver fazendo coisas ilegais e entrando em contato direto com um grupo guerrilheiro conhecido como Vagalumes. Em um desses contatos eles conhecem Marlene, a líder dos Vagalume, que pede para que eles levem uma entrega especial para o outro lado do país em troca de armas e suprimentos.
Porém, ao descobrirem que esta entrega é, na verdade, uma menina infectada imune ao fungo, a opinião dos dois se divide. Tess deseja entregar Ellie a qualquer custo, já Joel acha que será um fardo pesado demais e que a garantia de sucesso é muito baixa. Porém, Joel acaba sendo convencido a aceitar a missão.

Durante o trajeto muitas coisas acontecem, pessoas queridas morrem, cidades desertas são visitadas, Joel reencontra seu irmão e vamos conhecendo melhor os infectados que se dividem conforme o estágio da dominação do fungo em seu corpo. Infectados recentes são bem parecidos com humanos, porém mais violentos. Já pessoas infectadas há mais tempo acabam ficando deformadas, cegas, porém com uma audição incrível.

Você pode até achar que os infectados são sua maior preocupação neste mundo, mas está errado. Os humanos conseguem ser piores, pois os infectados agem apenas por instinto e é possível prever seus passos, mas os humanos pensam e planejam contra você e devem sempre ser sua maior preocupação.

Por isso no jogo você enfrenta exércitos, milícias, bandidos e até mesmo canibais. Quando você pensa que já viu o pior, aparece alguém para destruir ainda mais o que resta de senso de humanidade nos personagens principais. Por outro lado, isso faz com que Joel e Ellie criem laços cada vez mais fortes de proteção, amor fraternal e carinho.

Porém, a felicidade não foi feita para esse mundo novo e no final do jogo consegue-se entregar a menina para os Vagalumes. Só que Joel descobre que a única maneira de se estudar o caso de Ellie é matando-a e assim remover o seu cérebro para tentar entender sua imunidade. Aí surge a pergunta filosófica e ética mais tensa que eu já vi na história dos videogames: você entrega a menina e salva a humanidade que nunca foi lá aquelas coisas ou salva a menina e a humanidade que se foda?

Nenhuma das duas opções é 100% certa ou errada, já que qualquer uma das decisões possuem nuances que devem ser analisadas: os personagens passaram perrengue o jogo inteiro pra chegar ali; Ellie desejava se sacrificar pela humanidade; finalmente Joel conseguiu redenção pelo seu passado; se Ellie era imune ao fungo, futuras gerações de crianças também seriam naturalmente imunes; não há como saber por quanto tempo os infectados conseguem sobreviver sem se alimentar; nada garante que Ellie irá sobreviver a outras doenças; etc.

Enfim, não vou entregar o final do jogo de mão beijada, portanto pararei por aqui. Mas se você tivesse que entregar a pessoa que você mais ama, seu último laço de esperança pela vida em um mundo destruído e assim salvar milhares de vidas, qual seria a sua decisão? Essa é uma pergunta que sugiro que seja respondida não só pelos leitores do Blog, mas também por seus autores (mesmo que eu já saiba o que eles vão dizer sobre o assunto).

Chester Chenson

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Comments (13)

  • Cara… o texto está muito bem escrito! Se o objetivo era nos seduzir pra ir lá jogar esse jogo, parece que conseguiu viu? Confesso que ainda não joguei, e confesso ainda mais que nem sou muito ligado à jogos não! O máx. que jogo é bomberman, mario kart, guitar hero/rock band, e dance central com a galera de vez em quando, e quando dá tempo né? pq… leia-se: nas férias! rs

    • Esqueci de acrescentar: apesar de não gostar muito de jogos desse tipo, acho interessante a ideia de desenvolvimento de enredos: lembro-me vagamente de uma época aí que já joguei the sims, e era legal essa coisa de sair “moldando” a história da personagem a partir das ações do jogo! É interessante, por vezes, analisar essa relação: tu se envolve quase que emocionalmente junto com o jogo!

  • Não tinha visto esse post!

    Caras, eu finalizei esse jogo na sexta-feira passada… é uma coisa linda demais! Me apeguei a Ellie… meio que apaixonado por ela (de um jeito paternal, ela só tem 14 anos, porra!).

    Os gráficos, a trilha sonora… esse jogo é lindo e estou com saudades até.

    E eu faria o mesmo que o Joel, meu pensamento foi o mesmo quando soube que ela iria precisaria ser sacrificada!

    Pontos tensos… Quando o Joel acorda desesperado procurando a Ellie, inclusive interessante os saqueadores correndo com medo “lá vem ele”.

    E quando a Ellie mata o David com o facão. Deu pra sentir o sofrimento dela.

    Bem, poderia falar horas de várias passagens do jogo…

    Pergunta, tu matou os médicos também??? Um foi na faca e a que estava no chão eu sentei a bota. Estava com raiva.

  • Ainda não joguei, por isso não li o post.
    Só vim aqui mesmo pra falar que estou aceitando doações de Last of Us e Bioshock Infinite!

  • Rorschach, El Pistolero

    Gostei bastante de The Last of Us, embora tenha algumas diferenças com o seu sistema de jogo (o mesmo usado na série Uncharted, da Naughty Dog, com algumas diferenças).

    O principal ponto do game, na minha opinião, é o seu roteiro, mostrando como as histórias dos video-games amadureceram. The Last of Us é relativamente linear e progressivo, apostando na identificação do jogador com os personagens pra contar a sua história, com um desfecho que levanta algumas questões éticas.

    Eu não concordo com o Joel, mas provavelmente faria a mesma coisa. Eu sei que o que ele fez é errado, mas no lugar dele? É difícil dizer…

  • Nenhum comentário?

    Admito que não joguei pessoalmente o jogo. Vi uma GamePlay no Youtube e acompanhei a serie por la. Também não vou entregar o final, mas digo que concordei com a escolha do Joel.

    Acredito que é uma escolha que todos nos faríamos, principalmente levando em conta o que ele sofreu durante esses 20 anos de apocalipse.

    Excelente jogo, excelente enredo e excelente texto!

    • um dos fatores que me marcaram muito no jogo é que eu tenho uma filha e na minha imersão, imaginei como se ela fosse a ellie… por isso o jogo mexeu muito comigo e eu também faria exatamente como joel…

      • Faria o mesmo sem dúvida.

        E ah, comecei a jogar Uncharted 2… me falaram que a história é melhor que a do 3… E bem, por enquanto ainda com depressão pós LoS e não achando tanta graça em nada.

        • idem, depois de LoS qualquer jogo ficou sem graça….

          sempre me deparo pensando que a jogabilidade dele é melhor…. ou que a história é melhor…. enfim, tudo ficou tao sem graça depois desse jogo….

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