Fazendo o mínimo.

Como é uma coluna meio rara, sempre bom explicar: Dés Potas é onde sugerimos soluções “mágicas” para grandes problemas sociais partindo do princípio de controle total. E hoje eu quero falar de uma dessas soluções, que passa longe de ser inovadora, mas que finalmente pode ter seu valor no mundo de hoje: a renda mínima garantida. Mas não pelos motivos nobres que vocês possam imaginar…

Renda mínima garantida é um nome que estou colocando agora, mas a ideia todo mundo já conhece de alguma forma: é garantir que cada ser humano vivo, só por estar vivo, receba dinheiro do Estado (mensalmente, semanalmente) que garanta pelo menos sua sobrevivência. Não precisa dar nada em troca, estudar, trabalhar, ter filhos… a pessoa só recebe uma “mesada”. Pode ficar o dia todo largado na rua, pode gastar tudo com bebida… não tem regras.

A ideia parece “comunista”, mas na verdade não é bem assim: o Estado não está contratando o cidadão, está só dando dinheiro pra ele. Você pode até achar que é a mesma coisa que a Bolsa-Família que já criticamos tantas vezes aqui, mas eu argumento que essa ideia de renda mínima garantida é ainda mais hardcore nesse sentido: não precisa comprovar porra nenhuma, não precisa botar filho em escola, não precisa ter filhos… é só existir mesmo. Ninguém pode ameaçar te tirar isso. Nasceu, tem essa renda até o dia da morte, ponto.

Ideias parecidas com essa já existem aqui no Brasil, é claro, e em outros países onde o governo gosta de dar uma subornada no povo. Naqueles micro países esbanjadores árabes, o dinheiro do petróleo vira uma espécie de “dividendo” para os cidadãos. Já existe a discussão em países como Suíça (onde está bem avançado), Canadá, Austrália… todos programas parecidos, mas ainda não da forma como estou sugerindo aqui.

Primeiro temos que entender os prós e os contras de fazer algo assim. As principais críticas são óbvias até: faz o Estado gastar uma nota e potencialmente remove o incentivo de muita gente de contribuir para a sociedade. Seria como criar uma geração de crianças mimadas que não enxergam o valor do trabalho, dizem. E não está muito longe da verdade. O ser humano tende a buscar a maior vantagem possível: se alguém quer ficar coçando o saco em casa, até um rendimento pequeno garantido vira incentivo pra continuar na inércia. E fazer as pessoas que trabalham e contribuem pagarem por isso indiretamente soa muito injusto. E outra, quem vai querer fazer os trabalhos difíceis se não precisa trabalhar mais? Voltaremos a isso mais tarde.

Mas, no outro sentido, vantagens potenciais: deixa a experiência humana menos “bélica” em geral. Não ter mais essa pressão para conquistar sustento básico tende a reduzir até mesmo índices de criminalidade. É menos gente tendo que interromper estudos pra pagar contas de casa, é menos incentivo para profissões como a prostituição… a sociedade ganha sim algumas coisas com isso. Até ideologicamente: não dá pra falar de direitos humanos básicos se no final das contas estamos cobrando por eles. Precisa parecer valioso para outras pessoas para ter direito ao sustento? Em tese bastaria ser humano. E uma sociedade com essas bases começa a formar mais e mais pessoas que não precisam escolher profissões mais lucrativas, não falo só de termos mais artistas, mas até mais cientistas. Menos gente abarrotando cursos de marketing e direito, mais gente explorando profissões que não estão em grande demanda, ou que historicamente não pagam muito bem.

Ter dinheiro é muito importante na sociedade não só porque o ser humano só se importa com consumo, ter dinheiro é importante pelo risco grande que é não ter. Pobreza é sinônimo de ter seus direitos mais básicos ignorados. Só de dizer para as pessoas que elas não precisam extrair o máximo de suas vidas produtivas para evitar os riscos da pobreza extrema, a mentalidade muda. E, voltando àquilo que tinha dito sobre as pessoas não quererem mais trabalhar com coisas perigosas, difíceis ou humilhantes: bom, já passou da hora delas não quererem mesmo. De ser uma escolha bem melhor remunerada. As coisas vão mal quando dependemos de gente trabalhando em regime de virtual escravidão para economizar um pouco nos produtos que compramos.

Mas esses são argumentos de um coração mole que não entende a realidade difícil desse mundo, não? Bom, eu não escreveria este texto se não tivesse algo pra te surpreender, um pouco que seja: logo logo seremos dez bilhões de pessoas nesse mundo. O planeta já está dando sinais que não segura uma humanidade com esses números num padrão de ganância e consumo de países de primeiro mundo. Nem a gente mesmo está dando conta. Como a tendência global é de forte evolução em indicadores sociais (não canso de repetir: as pessoas não enxergam isso, mas estamos melhorando de padrão de vida a gigantescos passos desde o século passado) e cada vez mais gente inserida pelo menos na expectativa de um padrão de consumo “americanizado”, tem uma crise das grandes logo na próxima esquina.

Por isso eu digo que se déspota fosse, começaria a focar agora mesmo em REDUZIR a empolgação das pessoas com melhorias em seus padrões de vida. Criar algumas gerações de acomodados, gente sem ânimo ou incentivos de se matar de trabalhar (ou de procurar atalhos) pra ficar rica. Um mundo um pouco mais preguiçoso, que aceita trabalhar menos e ganhar menos, que acha que um carrão não vale a encheção de saco de ter um segundo emprego… acho uma bobagem tentar seguir esse caminho de acalmar os ânimos gananciosos da humanidade com conscientização sobre recursos naturais ou tentando amordaçar a indústria da aspiração. Culpa e censura claramente não funcionam mais tão bem nesse mundo de informação excessiva.

Que tal mais gente enfiada em casa jogando um joguinho online e menos tentando passar no vestibular de medicina? Sim, eu sei que o modelo não é muito sustentável, mas, sorriam: a natureza encontra seu jeito. Esses surtos de procriação normalmente são resultados de sociedades onde filhos são “recursos naturais”, onde pessoas precisam ter muitos para alguns vingarem e se tornarem mão de obra pra manter ou subir padrão de vida. O que dados sobre melhoras na “segurança alimentar” de países pobres demonstram é que os pobres vão tendo cada vez menos filhos de acordo com o aumento da estabilidade que suas famílias e comunidades apresentam. As pessoas perderiam o medo de ter filhos se eles estivessem garantidos a vida toda, não? Oras, desde quando as pessoas tem medo disso? Estabilidade derruba o número de filhos porque as pessoas começam a ter tempo de fazer justamente o que nunca fizeram: pensar um pouco mais.

E essas pessoas com cada vez menos incentivo pra botar a cara na rua seriam candidatos cada vez piores para procriar. Renda mínima garantida vai criar toneladas de “betas” de ambos os sexos. A humanidade seria resetada depois de um tempo, com essa gente “desanimada” deixando de passar genes para frente. Com a mentalidade atual do ser humano já estamos caminhando para um limite de crescimento populacional, mas com bilhões de nós querendo viver como americanos gordos, não tem como sustentar. Agora, bilhões suficientemente estagnados num padrão mínimo de vida? A economia vai girar sem parecermos um enxame de gafanhotos avançando nos recursos contados que ainda temos.

Se você sempre achou que o mundo desabaria se garantíssemos um básico pra todo mundo sem cobrar nada em troca, pense de novo. Talvez precisemos criar muitos e muitos “vagabundos” pra manter todo esse sistema viável.

Para me chamar de maluco comunista, para dizer que adora quando eu te desmotivo, ou mesmo para dizer que eu só quero isso pra ficar em casa nerdeando: somir@desfavor.com

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Comments (9)

  • Renda minima garantida: Esta seria a regra. A exceção é você ter de escrever isto, afinal dinheiro não falta pra esses sacripantas. Se esta ideia fosse aplicada, muitos problemas seriam resolvidos.

  • E se uma parcela da população começar a se reproduzir loucamente para se apropriar dessa “renda mínima” garantida aos filhos?

  • Somir, eu te amo mais do que eu amo o Bolsonaro. Seu projeto daria certo. Basta essa corja parar de embolsar dinheiro público que a grana dá e sobra pra resolver os problemas. Em todo lugar de grande cidade que se olhe tem um vagabundo a espreita pra roubar e assaltar. Se dessem uma mesada pra eles, a vida seria mais tranquila. Num 2 turno entre vc e Bolsonaro vou votar em vc!

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