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Transabled

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| Sally | | 24 comentários em Transabled

Você já ouviu falar do termo “Transabled” (ou, em português, Transficientes)? São pessoas que não se identificam com seus corpos e querem promover mudanças neles para se sentirem bem consigo mesmas. O detalhe é: elas querem se tornar deficientes.

Isso mesmo, pessoas nascidas com corpos normais e que se sentem infelizes com eles e querem perder uma perna, a visão ou um braço, entre outros. Cada um tem sua preferência de deficiência. Assim como um transexual, que se sente uma mulher nascida no corpo de um homem quer corrigir a incongruência entre o que é e o que gostaria de ser, os Transabled (da palavra disabeled, que significa “deficiente” em inglês) buscam procedimentos cirúrgicos ou até provocam acidentes para tentar adequar seu corpo a seus desejos.

Em geral, esse desejo de se tornar deficientes começa ainda na infância ou adolescência e, até onde se sabe, não há medicação ou terapia que seja capaz de livrar estas pessoas desta sensação. Há quem chame esta condição de Transtorno da Identidade da Integridade Corporal (TIIC, para os íntimos), porém, cresce o coro de pessoas que dizem que não se trata de um transtorno e que pessoas teriam total direito de definir como querem seus corpos sem serem julgadas doentes por isso.

Não é raro que estas pessoas ao menos simulem a deficiência pretendida, para tentar se sentirem menos infelizes. Por exemplo, alguns tem o sonho de serem paraplégicos, então, mesmo sem conseguir um procedimento cirúrgico que os deixe assim, compram uma cadeira de roda e vivem nela. Estas pessoas reivindicam o direito de operarem as mudanças que quiserem em seus corpos, pois não são felizes por terem nascido com um corpo 100% funcional.

Alegam que amputações são autorizadas para transexuais por eles não se sentirem bem com o próprio corpo, muitas vezes comprometendo a funcionalidade do órgão, mas no caso deles a medicina se recusa a ajudar. Questão complicada: até onde o paciente pode decidir o que é melhor para ele? O que é melhor, um corpo funcional com a pessoa infeliz ou um corpo deficiente com a pessoa feliz?

Hoje, a esmagadora maioria dos médicos se recusa a fazer uma intervenção para tornar uma pessoa deficiente. Alegam ser antiético realizar uma intervenção que reduza a capacidade ou funcionalidade de membro, sentido ou função. Porém, este argumento pode ser combatido com exemplos simples: vasectomia (afeta a função reprodutiva), mudança de sexo (se amputa uma parte do corpo) e rinoplastia (não raro afeta respiração e/ou paladar). Então, em alguns casos, quando socialmente endossado, pode. Mas quando o médico será “mal visto”, não pode. Mais ou menos o mesmo que acontece com ligadura de trompas de mulher sem filho x vasectomia de homem sem filho, ninguém faz em mulher por ser mal visto mas fazem em homem sem problema.

Com isso, Tranficiente acabam se sujeitando propositadamente a acidentes, para conseguir a deficiência tão sonhada, só que muitas vezes o fim é trágico. Amputar um membro ou danificar a coluna não é tarefa para amadores. Há relatos de pessoas que congelaram voluntariamente a própria perna para forçar uma amputação, atiraram em si mesmas e até serraram um membro. Diante disso, existem médicos que começam a ceder e realizar procedimentos, após uma cuidadosa análise e acompanhamento psicológico do paciente, assim como é feito nas cirurgias de mudança de sexo. Mas, foram marginalizados, estigmatizados e até demitidos por isso. A regra é clara: isso não se faz, o médico deve recusar.

No Brasil o assunto ainda é pouco debatido. Os Transficientes contam com uma tímida militância de ativistas que acusam a sociedade de oprimi-los com um padrão estético de corpo perfeito, impedindo que eles sejam felizes com o corpo que eles desejam. Eles alegam que a sociedade não tem o direito de lhes dizer qual deve ser seu corpo e que se eles são infelizes em um corpo que é socialmente aceitável devem ter o direito de modifica-lo. E aí? Como lidar?

O relato de um homem que se diz Transficiente ganhou fama na internet recentemente. Ele conta que desde que se entende por gente, se sente muito estranho tendo dois braços. Sua alma pertenceria a uma pessoa de um braço só. Nada contra o membro em si (existem problemas neurológicos em que a pessoa rejeita um membro em específico), ele apenas se sentia uma fraude tendo dois braços funcionais. Já adulto, foi a diversos médicos implorando para ter o braço amputado, mas todos se recusaram a realizar o procedimento. Sua vida virou um sofrimento insuportável e ele decidiu que resolveria o problema sozinho, pois, em suas palavras, jamais conseguiria ser feliz com dois braços.

Ele estudou como amputar o próprio braço sem sangrar até a morte. Comprava membros inteiros de animais em açougues para praticar e verificar quais eram os instrumentos cortantes mais eficientes. Pensou em formas de danificar o membro para que, quando fosse socorrido, os médicos não pudessem reimplantá-lo. E, mais importante, estudou sobre como fazer parecer um acidente, pois temia ser penalizado por seu ato, segregado, taxado de louco. Não queria perder o emprego, os amigos e a família. Ser Transficiente é uma jornada solitária, dificilmente você pode desabafar com alguém sem ser severamente julgado e recriminado por isso. Finalmente, depois de anos se preparando, ele conseguiu amputar o próprio braço e hoje se diz muito feliz e realizado, com arrependimento zero.

Não há estimativas confiáveis de quantos Transficientes existem no mundo, por razões óbvias, eles escondem seus desejos, temendo o estereotipo de doentes ou malucos. Temem que as pessoas se afastem deles, perder emprego, perder o cônjuge e perder a guarda dos filhos. Mas eles já estão começando a se organizar através de sites e fóruns que buscam esclarecer melhor o assunto (do ponto de vista deles) e divulgar relatos, para que outros Transficientes não se sinta tão sozinhos.

Há muitos relatos que estão ganhando fama, inclusive em vídeos, com nome e sobrenome. Pessoas que se cegaram, que se colocaram em cadeiras de rodas, que amputaram um membro. Todos se dizem muito felizes depois de conseguir seu objetivo.

Loucura? Parece. Mas em uma sociedade onde aceitamos modificações corporais radicais, inclusive troca de sexo, qual seria o argumento para impedir que a vontade destas pessoas seja realizada? Não custa lembrar que transgêneros eram considerados doentes faz pouco tempo, a cirurgia de redesignação de gênero só foi autorizada com naturalidade recentemente.

Considerando que a ciência não consegue supostamente “curar” estas pessoas, por mais que fossem loucas, não há o que fazer, então, será mesmo necessário condená-las a viver em um corpo “padrão”? Não seria cruel? Quem somos nós para dizer como a pessoa deve ser feliz? Mas, ao mesmo tempo, será que as pessoas realmente tem maturidade e inteligência emocional para tomar uma decisão irreversível como essa? O que vai acontecer com a sociedade de todos os que tiverem vontade de ser deficientes realmente conseguirem? E se isso virar modismo?

Como vocês podem perceber pelo numero de perguntas, eu não tenho as respostas. Este é um daqueles textos feitos para compartilhar dúvidas com vocês e ouvir as opiniões nos comentários. Partindo do princípio que a maior parte dos Transficientes que tiveram coragem de se assumir vem da Alemanha, Suécia, Suíça e EUA, acredito que sejam pessoas com algum grau de discernimento.

No Brasil, como falta o básico (ética e caráter), talvez nem caiba uma discussão nesta profundidade. Alguém duvida de que pessoas mutilariam a si mesmas se houvesse uma forma “segura” de fazê-lo, para usufruir dos benefícios que deficientes dispõe por lei? Ou mutilariam seus filhos, em troca de alguma ajuda governamental. Definitivamente, não estamos preparados. Mas é bom ir pensando no assunto e formando sua opinião, já já ele vira pauta na imprensa.

Até que ponto podemos traçar uma linha impedindo que pessoas modifiquem seus corpos dentro de um critério universal do que é aceitável e do que não é? Conto com a sua resposta nos comentários, pois eu não a tenho.

Para dizer que o brasileiro já é transficiente, pois lhe falta cérebro, para dizer que não entende mas respeita ou ainda para não dizer nada por estar chocado com esta novidade: sally@desfavor.com


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