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Colunas

PEC do Calote.

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quinta-feira (4) em primeiro turno, por 312 votos a 144, o texto base da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos precatórios. A proposta, que já havia passado por comissão especial, abre espaço fiscal de R$ 91,6 bilhões para o governo em 2022, o que viabiliza o lançamento do Auxílio Brasil de R$ 400. A PEC precisa passar ainda por um segundo turno de votação na Câmara antes de ir para o Senado. LINK


Calote, suborno e populismo às custas do nosso dinheiro? É o Brasil sendo Brasil e o Desfavor da Semana.

SALLY

Todos vocês devem saber do escândalo da PEC dos Precatórios, conhecida carinhosamente como PEC do Calote, por isso não vou me estender em longas explicações.

PEC é uma proposta de Emenda Constitucional, ou seja, uma proposta para alterar a Constituição, na parte em que ela fala sobre o pagamento de precatórios (dívidas do governo). Basicamente, o que foi proposto é que o governo possa dar calote e não pagar suas dívidas no vencimento para que sobre mais dinheiro para gastar com ele próprio. E foi aprovado, apenas na Câmara dos Deputados. Ainda veremos outras votações.

Há muitos miniescândalos dentro dessa aberração: o governo movimentou uma fortuna de seu orçamento às véspera da votação (o que indica compra de voto), vários parlamentares vieram a público dizer que lhes foi oferecida uma fortuna para votar a favor (papo de milhões), o próprio Bolsonaro criticou duramente quando o PT fez coisa semelhante.

E, o pior de tudo, condicionaram o auxílio em dinheiro a quem está passando necessidades à aprovação dessa emenda constitucional, mas, na verdade, vão usar o grosso desse dinheiro para financiar o próprio governo, seu bem-estar e sua reeleição. Bolsonaro acaba de ganhar bilhões (não é exagero, são mais de 50 bilhões) para gastar como quiser.

Para completar o evento, saiu gente do bueiro dizendo “Dilma caiu por menos, tá vendo? Foi golpe”, como se o fato do Bolsonaro fazer e ficar impune tornasse a coisa certa. Não, Dilma não sofreu golpe, o problema não é terem tirado a Dilma, é não tirarem e responsabilizarem o Bolsonaro. É como dizer que um homem que estuprou uma mulher e foi preso é injustiçado por outro homem que também estuprou estar solto.

Mas, por incrível que pareça, esse não é o grande desfavor. Isso acontece, de uma forma ou de outra, em todos os governos brasileiros. Não vamos esquecer do PT pagando mensalão para congressista votar com eles, ou de Fernando Henrique dando as pregas para que seja permitida a reeleição e ele possa se reeleger. É assim que a política brasileira funciona, Bolsonaro não é nem mais, nem menos, é exatamente o que todos fazem em matéria de jogo político e corrupção.

O grande desfavor, a meu ver, é que lhe seja permitido fazer isso. Dilma tentou algo similar e todos lembramos como terminou, não é mesmo? Por qual motivo, quando Bolsonaro faz, não se escuta um pio do povo? Muito querido ele não é, sua rejeição ultrapassa os 50%. Muito temido também não, dia sim, dia também, ele é ridicularizado e xingado. Então, qual é o motivo dele fazer tudo que quer e o povo aceitar?

Por centavos na passagem o brasileiro lotou as ruas, fez pressão e obrigou um recuo do governo. Por bilhões nas mãos de um sujeito que diz que vacina gera AIDS e deixou morrer mais de meio milhão de brasileiros por teimosia em comprar vacina… nada! Não tem algo errado aí?

Minha opinião, que é apenas uma opinião sem qualquer pretensão de ser a verdade absoluta: o brasileiro ainda não percebeu o poder que tem. Esse discurso de “estamos nas mãos dos políticos, tem que votar melhor nas próximas eleições” é muito pequeno. Entendam, é muito pequeno não no sentido de desmerecer quem o faz, mas no sentido de dizer que o povo não tem ideia do poder que tem.

Não, não somos revolucionários nem nada parecido, estamos muito cansados para sequer pensar numa coisa dessas. Eu nem ao menos acho que o povo precise ir às ruas, pois hoje se tem uma ferramenta ótima para desgraçar a vida alheia, chamada “rede social”. Infernizar alguém em redes sociais é de uma eficiência que, acredito, todos vocês conheçam.

Eu consigo pensar facilmente em exemplos de pessoas que tiveram suas vidas arruinadas por cancelamento em redes sociais. Curiosamente, são pessoas que não fizeram nada tão grave: falaram uma bobagem, se comportaram de forma hipócrita ou agiram de forma preconceituosa. Sim, tudo isso é errado, mas usar dinheiro público para dar calote nos seus credores e depois gastar em benefício próprio e de seus amigos enquanto o povo passa fome é algo bem maior.

Por qual motivo o brasileiro se une e empenha tempo e energia para escrotizar um youtuber que pisou na bola ou uma participante de reality show que agiu de forma escrota, mas nem cogita fazer o mesmo com político? Ainda dento da minha opinião pessoal, o brasileiro é como o elefante amarrado no toco do circo: quando pequeno ele tentou se soltar e não conseguiu, então, passa o resto da vida preso ali, por uma cordinha, por achar que não tem força para sair, mesmo quando claramente pode arrancar o toco do chão.

Imagina se todos os brasileiros que estão revoltados se unissem para infernizar a vida de um político que está agindo em interesse próprio e não pensando nos interesses do povo? Isso faz pressão. Cobrar, escrachar, perseguir, pressionar… por dias, semanas ou meses. Não venham me dizer que isso não incomoda, quem depende de uma imagem pública se incomoda sim. Se o brasileiro se unisse e fizesse isso, eu sinceramente acredito que político recuaria ou tomaria mais cuidado com o que faz.

O brasileiro se conforma com qualquer merda que político faça com o discurso “o que se pode fazer, votaram nesse filho da puta” ou pior: “votaram nele, bem-feito, agora aguenta”. O que é isso? Para ter a sensação de estar certo o brasileiro topa ver o país sendo fodido, saqueado e sacaneado? “Votaram nele” é o caralho, voto não é aval para sair fazendo o que quer. Votaram nele e ele agiu contra os interesses do povo? Caça o filho da puta em redes sociais com a mesma fúria que caçam outas pessoas muito menos importantes, até pedir arrego e desistir do que está fazendo.

Não seja desempoderado, não seja vira-lata de pensar que o povo nada pode fazer. Pode. Pode pressionar. Publicamente, para corroer a imagem do político e mostrar sua insatisfação. Tem que reivindicar.

Cambada de frouxos, nem precisa sair de casa para isso, é só apertar um botão. Ninguém está pedindo uma revolução francesa, onde tinha que sair com uma pá na mão e brigar até sangrar, agora é molezinha, faz de casa, sem embate físico. Por sinal é algo que a maioria já faz, só que não com político, e sim com outras pessoas do próprio povo.

Mas não, o brasileiro continua preferindo ser vítima e acreditar que nada pode fazer, culpando o outro brasileiro que votou no Bolsonaro. É a alegria de qualquer político esse pensamento: dividir para conquistar. Em vez de culpar o político filho duma puta que fez merda, culpa as pessoas que votaram nele. Parabéns, continuem assim, divididos, brigando, que os políticos vão continuar sambando na cabeça de vocês.

É hora de dar um passo para trás e rever o pensamento. Parar de brigar por político de estimação, parar de acreditar que o povo está dividido em dois lados. Não está. O povo é um só e o interesse do povo é um só. Tem que ser o povo fiscalizando os políticos e não brigando entre si. Tem que parar de tratar política como religião e defender um “lado”. Só tem um lado: os interesses do povo.

Sim, o povo unido em redes sociais tem poder. Debochem se quiserem, mas garanto que todo mundo conhece ao menos um exemplo, uma situação, onde muita gente se uniu e desgraçou a vida de alguém. Para detonar vilão de reality show tem disposição, para coisas importantes não?

Façam pressão. Façam custar caro para um parlamentar votar contra os interesses do povo. Façam custar caro a um Presidente agir contra os interesses do povo. Não precisa gastar dinheiro, não precisa ir para a rua, não precisa nem mesmo de coragem, pois encher o saco dos outros via rede social até covarde faz.

Os meios estão aí. “Ain mas não vai adiantar”, muitos dirão sem nem tentar. Aí fica complicado, fica parecendo que tem um ganho secundário enorme em ser vítima, em ver o político X ou Y fazendo merda para poder bater no peito e dizer que você tinha razão, que você avisou. Político não é essa porra toda não, gente. Cai como qualquer outra pessoa. Parem com esse mito de pensar que político é essa fortaleza, isso está apenas na cabeça de vocês!

Por muito menos vocês já desgraçaram a vida de muita gente online, fizeram perder o emprego, a dignidade e o respeito. Dá para pressionar político a se comportar melhor sim.

Para dizer que o assunto de hoje e das próximas semanas é Marília Mendonça, para dizer que quer evitar a fadiga ou ainda para dizer que o Brasil não tem povo, tem um bando que briga entre si: sally@desfavor.com

SOMIR

Antes mesmo da morte da cantora sertaneja, o país não parecia muito capaz de se concentrar no absurdo que seus políticos estevam preparando com a PEC dos Precatórios. Qualquer assunto que toque na condução política do país desanda para uma briga ideológica estúpida sobre o ânus alheio. É muito difícil avançar qualquer argumento político no país.

Dividir para conquistar. A estratégia funciona há milênios na humanidade. Uma população que não consegue se coordenar é uma população vulnerável. Aliás, é tão funcional que mesmo gente aparentemente incapaz de pensar nessa estratégia pode acabar tropeçando e caindo nela. Bolsonaro não parece o tipo de pessoa que consegue se planejar dessa forma, mas meio que sem querer, descobriu que polarização era uma excelente forma de conseguir votos.

Mas além de criar uma base fiel de eleitores, esse mecanismo divisivo ainda tem um resultado valioso para os políticos e aproveitadores em geral: não deixa o povo se unir para protestar. Em 2013 a polarização ainda não estava tão bem estabelecida como hoje em dia, bastou uma fagulha para o país pegar fogo, com todo mundo saindo às ruas para reclamar do que viesse à cabeça no momento. Parece que no final das contas não deu em nada, mas não demorou muito para Dilma cair pelas suas pedaladas fiscais.

O povo não estava pedindo isso nas ruas, mas o clima ficou pesado para os políticos profissionais. Quando você aperta essa gente, a probabilidade de jogarem às piranhas qualquer elo fraco aumenta exponencialmente. Dilma era o elo fraco. Assim como Collor foi décadas antes. Político não gosta de povo irritado, não porque tem vergonha na cara, mas porque isso tende a estragar seus esquemas e diminuir suas chances de continuar no poder. O clima pós protestos de 2013 mostrou que o brasileiro estava no limite, pronto para virar tudo de ponta cabeça a qualquer momento.

A classe política chutou o PT para fora do ninho e deixou o povão estraçalhar o partido e suas figuras mais proeminentes. Por um tempo, isso funcionou para manter alguma estabilidade. Mas as nuvens negras da insatisfação popular estavam voltando ao horizonte: Temer era extremamente impopular e seu governo foi basicamente cortar os gastos irresponsáveis da administração anterior. Isso não era sustentável.

Mas aí, surgiu um raio de sol: Jair Bolsonaro. Um completo inepto para ocupar o cargo de presidente, mas excelente em criar divisão entre o povo. Suas chances não eram muito boas, mas aí surgiu Adélio. Com a facada, Bolsonaro passou boa parte da eleição quieto o suficiente para não se matar pela boca, mas com uma presença forte para que o povão fizesse sua campanha. Junte-se a isso a putez acumulada com o PT e o resultado todos sabemos: Bolsonaro presidente.

Não preciso relembrar o governo até aqui, mas é importante ressaltar como nesses últimos anos o povo brasileiro foi ficando cada vez mais dividido, uma parte fiel ao presidente que elegeu, outra enfurecida com suas decisões bizarras. Bolsonaro assumiu total controle da narrativa, deixando o resto da política em segundo plano. Tudo que fizesse geraria polêmica, mas ao mesmo tempo, tudo o que acontecesse no seu governo seguiria o mesmo caminho de volta a ele.

Foi aí que a política tradicional brasileira começou a fazer a festa: não importa o absurdo que façam, é culpa do Bolsonaro. O presidente é tudo menos inocente nessas histórias, mas a maluquice na qual o país se transformou não é trabalho de uma pessoa só. Rodrigo Maia ficou sentado em mil pedidos de impeachment, fingindo que era oposição. Arthur Lira assumiu o posto e está garantindo a proteção até aqui. Todos seguros de que tudo acabaria caindo no colo do presidente, nunca deles.

E aí, da mesma forma que fizeram com o PT, esses políticos tradicionais começaram a fazer seus acordos escusos para tirar o máximo de dinheiro e poder possíveis do país antes que o povo acordasse de novo. E até aqui, não acordou. Estão preocupados em discutir se Bolsonaro é perfeito ou se é um demônio, sem meios termos, sem nuances, sem nada além de pancadaria sem sentido. No meio desse caos, absurdos como a PEC do Calote vão passando. No tempo da Dilma, calote gerou impeachment, no tempo do Bolsonaro, calote é aprovado com salva de palmas no Congresso.

É o problema de fazer a coisa certa pelo motivo errado: Dilma tinha que cair, mas como só caiu para tirar o povo da cola dos outros políticos que não queriam perder as tetas do Estado, não há garantia de que a coisa se repita no futuro. Se o povo caiu no golpe de só falar do Bolsonaro, deixa o povo se matando à toa enquanto os poderes fazem a festa.

Tem gente que vem aqui dizer que estamos só subindo no muro para reclamar de todos, mas não é por isso que detestamos a polarização: é porque povo dividido é povo conquistado. Se estão saindo às ruas defensores e detratores do Bolsonaro, não existe risco algum para quem está aprontando ao mesmo tempo. Se não formar uma massa crítica que force o impeachment de Bolsonaro, não vão derrubar ele. Está muito confortável como está: faz o que quiser e cola no Bolsonaro. O gado bolsonarista morre antes de abandonar seu presidente, então o país parece que nunca vai parar de girar em falso.

E os políticos nunca vão ter medo de destruir as finanças do Estado para conseguir mais dinheiro para eles mesmos. Será que é culpa só do Bolsonaro colocar o Bolsa Família como moeda de troca para dar um calote e pegar mais dinheiro para usar em benefício próprio? Os deputados e possivelmente os senadores vão deixar isso acontecer. Eles não têm medo de que sobre para eles… o brasileiro mordeu a isca de ficar falando sobre genitálias compulsivamente. E enquanto esse for o caso, não vai sobrar mesmo.

Para dizer que pronomes são mais importantes do que comida, para dizer que é tudo culpa do político que você não gosta, ou mesmo para dizer que mais 500 anos e a gente acerta: somir@desfavor.com

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brasileiro médio, economia, polarização, política

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